sábado, maio 05, 2012

A nova classe média vai ao paraíso

Na última quarta-feira, na sua coluna de O Globo, Artur Xexéo falou sobre a quantidade de espectadores do atual cinema brasileiro. O articulista citou um melancólico desabafo do cineasta Fernando Meirelles, quando este foi homenageado no festival de cinema de Pernambuco. Eis o que Xexéo escreveu: “ele tratou de pôr uma dose de tristeza na comemoração. Decepcionado com a bilheteria de 'Xingu', o filme de Cao Hamburguer que ele (Meirelles) produziu e que, depois de três semanas em cartaz, só tinha conquistado 280 mil espectadores (a expectativa é que chegasse a um milhão), o diretor anunciou que desistiu de filmar 'Grande Sertão: Veredas', a adaptação do romance de Guimarães Rosa que seria o seu próximo projeto brasileiro.”

Meirelles ressaltou que um filme para fazer sucesso no Brasil precisa atingir a classe social que, segundo ele, está começando agora a frequentar o cinema. Ainda afirmou que se fosse lançar novamente “Xingu” faria outro trailer e outro cartaz, só para a chamada nova classe média.

Não entremos no mérito dessa discussão porque teremos aí muito pano para manga. O mesmo Xexéo escreveu várias vezes sobre isso. Pretendo destacar outro ponto de vista.

Meirelles não falou que faria novo filme, mas nova estratégia de marketing. Uma vez que é um profissional oriundo da publicidade, o diretor de “Cidade de Deus” acredita literalmente que a propaganda é a alma do negócio, modo de pensar peculiar de pessoas que trabalham nesse ramo.

Outro dia, lendo na internet o site do Observatório da Imprensa, descobri um artigo chamado: “A construção da realidade” de Carlos Tourinho. Não compactuo de todo com suas posições, às quais faria várias ressalvas. Mas o autor questiona o poder da mídia (e por extensão da publicidade) na sua capacidade de influenciar diretamente o comportamento do leitor/espectador/consumidor. E ele trabalha com televisão. É editor da TV Globo, no Espírito Santo.

Sabemos que os meios de comunicação de massa têm sua parcela de responsabilidade na construção da realidade. Mas caso pudessem tanto, seríamos apenas marionetes em suas mãos. Portanto, não existiriam levantes, insurreições ou mesmo revoluções. Ou esses eventos só ocorreriam sob seu patrocínio.

Antes, eram os militantes de esquerda os apontados como aqueles que acreditavam na capacidade total de manipulação das emissoras de TVs. Todas elas tinham uma salinha a partir de onde se exercia a tal manobra oculta e suspeita de falsificação da realidade. No artigo de Tourinho, esse fictício local é chamado de “sala da maldade”.

Entretanto, Fernando Meirelles e o pessoal da publicidade acreditam fielmente que, das salas onde funcionam seus escritórios de propaganda e marketing, é possível bolar estratégias que levem a nova classe média ao cinema. Não é preciso fazer um novo filme, apenas uma campanha de lançamento eficaz. Aí, o lucro seria certo. Em contra partida, lançamento equivocado, fracasso garantido. Onde, então, errou o cineasta? Ainda, segundo ele, o equívoco se deu porque ele fez publicidade visando à classe A, isto é, aqueles que ganham mais, enquanto o correto seria focar a classe C, os frequentadores dos cinemas dos shoppings de subúrbio. Assim, sua contabilidade cresceria. Ao invés dos 280 mil, ele teria um milhão de espectadores.

Xexéo ainda relativiza o fracasso (ou seria o sucesso?) ao mostrar que o filme brasileiro, caso comparado a filmes estrangeiros de maior orçamento, não sai perdendo. Cavalo de Troia, de Spielberg;  J. Edgard, de Clint Eastwood; ou O artista (com vários Oscar) tiveram bilheteria menor do que o filme do sr. Meirelles.

No final, soa um pouco pretensiosa a afirmação do cineasta, de que cancelou o projeto de filmar “Grande Sertão: veredas”. Em primeiro lugar, ele fala como se fosse fácil filmar uma literatura que tem como principal personagem a própria língua. Em segundo, já que teve prejuízo com “Xingu”, não pretende mais levar avante seu próximo projeto de filmar no Brasil. O cineasta comporta-se como se não tivesse ao seu alcance todos os recursos necessários para executar qualquer tipo de projeto.

A verdade é que o cineasta-publicitário ainda não se acostumou ao travo amargo do que é fazer cultura brasileira. Cultura tantas vezes ridicularizada por setores irresponsáveis da própria elite.

Talvez sejam mais nobres os projetos que levem em consideração as mesmas mercadorias citadas pelo produtor e que, também segundo ele, estariam mais próximas desta nova classe média, como a luzinha azul dos celulares 3G e os cartões de crédito. Produtos, aliás, tão alardeados por estratégias de marketing velhas conhecidas sua e que agora lhe servem de estorvo ao distraírem os tais consumidores deixando-os longe de seu filme e do cinema brasileiro.

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