segunda-feira, setembro 30, 2013

“Hanói”, o novo romance de Adriana Lisboa

“Elefantes não deveriam morrer, não é verdade? Elefantes deveriam viver para sempre.” Embora no começo do seu mais recente romance, “Hanói” (Alfaguara, 238 páginas), Adriana Lisboa use a metáfora desse grande e belo animal, ela vai tratar mesmo é de seres humanos e da precariedade de suas existências. A autora estreou na literatura no final dos anos noventa, e “Sinfonia em Branco” (2001), seu segundo livro, abriu caminho para que ela recebesse muitos elogios e alguns dos principais prêmios concedidos pela crítica especializada. “Sinfonia” acabou também por marcar a sua literatura, porque mesmo hoje, morando nos Estados Unidos desde 2007 e com vários livros publicados, para muitos leitores é ainda o seu melhor trabalho.

Com “Hanói”, seu sexto romance, talvez alguns já possam afirmar que há algo de novo não apenas na literatura de Adriana Lisboa, mas também no horizonte da literatura brasileira. O primeiro ponto é que se trata de uma história totalmente ambientada fora do Brasil, restando nela de brasileiro, além da referência ao já falecido pai do personagem principal – nascido em Governador Valadares e tendo emigrado jovem para os Estados Unidos – a circunstância de ter sido escrita em português. David, o filho, é americano; e sua mãe, uma emigrante mexicana. No livro seus pais aparecem apenas como lembrança. O segundo ponto é que o romance traz como tema principal algo difícil de ser abordado: a dor e a consequente proximidade da morte. O que fazer quando alguém sabe que já não lhe resta mais do que seis meses de vida? Adriana desenvolve bem o tema sem resvalar na pieguice ou no melodramático.

David, um homem de 32 anos, é músico amador, toca trompete, mas tem câncer. O médico lhe assegura que sua doença só possui tratamentos paliativos e que lhe resta apenas uma sobrevida. Mas o personagem, de modo surpreendente, não se deixa abater, cria um objetivo para si, e até arranja uma namorada. Assim como os elefantes citados lá no início separam-se da manada quando sentem a morte próxima (é a própria narradora que nos alerta), David deseja viajar para bem longe, quem sabe Hanói. A capital do Vietnã será o motivo para a entrada em cena das consequências dessa guerra americana.

Talvez muitas pessoas não saibam que a guerra do Vietnã produziu uma horda de deserdados dentro da própria sociedade vietnamita. Enquanto durou, muitos soldados americanos geraram filhos em mulheres vietnamitas. Com o término da guerra, depois que os soldados partiram, essas crianças foram discriminadas e atiradas numa espécie de limbo, não podendo nem mesmo frequentar a escola. Nos anos 1990, os Estados Unidos decidiram receber em seu solo essas pessoas, uma espécie de resgate à tragédia que causaram no extremo oriente. Na América, receberam cidadania e começaram a ser preparadas para a integração na vida social e profissional.

O romance é muito bem sucedido ao expor as duas vertentes a que se propõe. A dor física, incluindo aí a proximidade irremediável da morte, e as feridas ainda não cicatrizadas de todo oriundas de uma guerra que além de mortos e feridos produziu gente proibida de existir como ser humano, outro tipo de sentença de morte.

Embora o romance não possua o mesmo requinte narrativo de “Sinfonia em Branco”, “Hanói” é um bom motivo de comemoração para aqueles que gostam de ousadia. Assim como a experiência americana dos exilados vietnamitas gerou mudança no conceito racial do que é ser americano nos dias de hoje, o exílio voluntário de Adriana Lisboa nos Estados Unidos está gerando uma bem sucedida literatura brasileira, mesmo escrita fora do Brasil e distante dos problemas brasileiros.