terça-feira, janeiro 18, 2011

Espere aí que vou à revistaria

Alessandra caminhava no Casa Shopping com Álvaro, era quarta-feira à tarde. O rapaz sugerira uma loja de produtos para casa.

“Essa loja é de muito requinte, veja, cada coisa linda”, disse ele enquanto a moça acompanhava-o na investigação.

“Realmente, cada coisa maravilhosa, mas tudo isso é pra quem já tem a vida definida, uma carreira, um apartamento no Plano Piloto; veja o preço de uma garrafa térmica, cento e vinte reais...”

“Repare as máquinas de café expresso.”

“Estou vendo”, reparou Alessandra, “a mais barata custa oitocentos e trinta.”

“Mas vale a pena, já pensou uma cozinha com isso?”, Álvaro apontou para copos longos, algumas taças, todos de cristal.

“No final da loja há taças de fibra, imitação de cristal, de longe nem parece, mas é caro do mesmo jeito.”

“Já vi que vai ser difícil encontrar um presente aqui pra minha mãe”, ele resmungou.

“Sua mãe não é uma pessoa tão sofisticada para exigir um presente desses.”

“Verdade, é uma pessoa simples mas muito especial pra mim, queria comprar alguma coisa daqui, sei que ela vai ficar muito feliz.”

“Ali, algumas bandejas com atrizes dos anos cinquenta, sessenta, coisas a la Andy Warrol, Marylin Monroe, será que ela não gosta?”

“Ótima ideia, vamos ver.”

Depois do presente comprado andaram um pouco pelos corredores do shopping, todas aquelas lojas com sofás, estantes, mesas, quartos e salas, cozinhas. Enfim, encontraram um café, no centro de uma das alas, defronte à Marieta.

“Quer comer alguma coisa?”, convidou Álvaro.

“Não, apenas café, já comi demais no almoço.”

Dali era possível ver a livraria.

“Ah, vamos depois à Cultura, quero ver a revistaria”, disse Alessandra.

“Vamos, sim.”

“Na verdade, tenho de ter cuidado, já comprei quatro livros antes do Natal.”

“Para o concurso?”, quis saber Álvaro.

“Não, por puro prazer. Dois de escritores brasileiros, um português e outro americano.”

“Pra que tanto livro?”

“Você sabe que meu maior prazer é ler.”

“Mas você está em época de estudar, Ale, assim não vai conseguir.”

“Consigo, é apenas para as horas vagas.”

“Mas quatro livros para horas vagas, e em período de estudos...”

“Não vou ler todos de uma vez, nem vou parar tudo para lê-los, sei a programação que tenho de cumprir.”

“Tomara que você consiga.”

“Consigo, sim, não precisa se preocupar, vou passar no concurso do Executivo.”

“Assim seja. Quando eu terminar a faculdade, vou parar tudo, vou estudar dia e noite para o concurso da Câmara.”

“Isso, se prepare, você também vai conseguir.”

“Que tal o Judiciário, ao invés do executivo?”, Álvaro olhou para ela e depois parou diante do primeiro estande de livros, assim que entraram na Cultura.

“É outra opção, mas prefiro o Executivo.”

O rapaz esperou que duas senhoras passassem, depois tomou nas mãos um livro que tinha a história do rock, ou dos Rollings Stones.

“Você e sempre o rock. Aqui em Brasília, a terra do rock. Não sei, mas pode ser um atraso”, Alessandra e suas insinuações.

“Depois que estivermos lá, compramos o que precisamos”, ele não alimentou a polêmica.

“Compramos o quê?”

“Garrafas térmicas, bandejas com retratos de Monroe, máquinas de café expresso, quadros para a sala e estofados, mesas maciças...” ainda Jagger nas mãos.

“Ah, é mesmo, a loja de produtos para o lar.”

“Compraremos quase todo o Casa Shopping...”

“Bom, quase todo, mas enquanto isso espere aí que vou à revistaria.”

domingo, janeiro 09, 2011

Parte da Solução, Ulrich Peltzer

Os países europeus nunca couberam dentro de si próprios. Essa questão, muito contemporânea por sinal, está presente em Parte da Solução, de Ulrich Peltzer. Por outro lado, poderíamos perguntar: o que caracterizaria uma literatura nacional na atualidade? Encontrar a resposta seria difícil. Logo, a literatura alemã dos dias de hoje (assim como qualquer outra literatura ocidental) poderia ser chamada de literatura apenas, porque a problemática discutida é comum a todo o mundo ocidental.

Estamos em Berlim nos primeiros anos do século 21. A narrativa começa com dois velhos amigos, Christian e Jakob, vendo um documentário sobre os anos 1970. Mais precisamente sobre a turbulenta Itália daquele período, assassinatos políticos e as Brigadas Vermelhas. O primeiro é um jornalista que vive de frilas, está escrevendo um romance que não consegue levar adiante, mora de favor no apartamento da ex-mulher e tem algumas dívidas; o segundo pertence ao mundo acadêmico, é professor universitário, dá aulas sobre o Romantismo Alemão e também sobre Focault e Deleuze. Na mesma universidade há um professor de filologia românica que nos anos de juventude pertenceu à luta armada, chama-se Carl Brenner. Christian quer que seu amigo sirva de ponte para que este último coloque-o em contato com um ex-líder brigadista. Na verdade, está interessado numa matéria jornalística visando à autopromoção.

Nos dias de hoje, quando se pensa que a juventude aderiu por completo ao mundo do consumo, Peltzer nos apresenta uma Berlim plena de resistência política. Uma resistência subterrânea, é bom dizer, em que militantes das mais diversas organizações agem de modo a enganar as autoridades, como sabotar empresas públicas, colocar obstáculos a câmeras que devassam a privacidade das pessoas, danificar máquinas de venda de bilhetes do metrô, pichar vidraças de lojas famosas, tudo com a razão de que ainda existe algo digno por se lutar.

Mas Crhistian deseja uma entrevista com aqueles homens que no século 20 abalaram o poder e o mundo com violentos atentados políticos, ou atentados terroristas. Para a justa definição depende de que lado se esteja. Onde estarão hoje aquelas pessoas? Como sobrevivem? Então, sabemos que muitos vivem numa espécie de limbo, entre a clandestinidade e uma legalidade até certo ponto permitida. Outros abandonaram as hostes de luta e entraram para a vida burocrática de uma universidade. Também percebemos que ora é conveniente ao governo permitir-lhes asilo, ora é melhor extraditá-los, ou pedir a extradição, como assim fez Berlusconi numa espécie de campanha política.

Mas o romance não se resume apenas nisto. Entra na história uma mulher, estudante, bonita por sinal, chamada Nelly. Inicialmente é orientada por Jakob no seu trabalho de término de curso. Através de seu professor conhece Christian, aproxima-se dele e acabam se relacionando. O velho amigo de Jakob quer um contato com alguém que pertenceu às Brigadas Vermelhas, mas, guardadas as devidas proporções, tem ao seu lado uma mulher capaz de atos também belicosos. Só que Christian vai demorar a descobrir essa face de sua namorada. Nelly pertence a uma organização de resistência senão política, ao menos ideológica. A esquerda europeia desfila diante de nossos olhos.

O romance não faz concessão alguma ao leitor. Há uma pequena introdução, que é seguida de três partes. Uma espécie de escrita em bloco, que muda de foco constantemente de modo intercalado. Acompanhamos Christian em sua vida diária, Jakob, Nelly, Brenner, e os homens da segurança que tentam descobrir os integrantes das organizações clandestinas. O trabalho destes é frustrar as ações antes que elas aconteçam e juntar provas para condenar aqueles que atentam contra o bem público ou privado.

Nas ações da atualidade, retratadas no livro, nada igual às explosões e aos assassinatos de três décadas passadas. São ações pontuais, mais simbólicas do que de efetivos resultados. A juventude revela que sempre está pronta para protestos seja em Berlim, seja em Zurique, em Paris ou mesmo em Roma. Às vezes ardem alguns automóveis, nada muito além do que um prejuízo a mais para as companhias de seguro.

O mais interessante no livro, no entanto, não é propriamente todo esse périplo político. Mas os pequenos fracassos ou pequenos sucessos de cada personagem, tanto na atuação pública quanto na esfera de suas vidas privadas, a convivência do existencial como o ideológico.

É digna de nota a parte final do romance, chamada Belleville, bairro de Paris, onde Christian acompanhado de Nelly está prestes a conseguir sua entrevista. Um fato ocorrido em Berlim horas antes, porém, ameaça colocar tudo a perder.

Salutar a discussão, porque a partir dela chega-se à conclusão de que o mundo não acabou depois da queda do Muro.

Parte da solução, Ulrich Peltzer, 472 páginas, Estação Liberdade