domingo, maio 20, 2012

A procura da poesia

Vinha no metrô e lia um livro de poesia, um belo livro por sinal, O mais puro amor de Abelardo e Heloísa, cuja autora, Thereza Christina Rocque da Motta, recria livremente e em forma de poemas cartas trocadas entre o famoso casal que viveu um amor impossível em pleno século 12. Quando a composição aproximava-se da minha estação de destino, guardei o pequeno volume e observei as pessoas que viajavam ao meu redor. Reparei seis ou sete que usavam seus smartphones. Uns digitavam mensagens, outros pareciam conectados a alguma das redes sociais, havia ainda aqueles que ouviam música. Olhei se acaso alguém lia um livro, ou mesmo um jornal, tentei descobrir se havia quem pelo menos conversasse. Vi um casal de namorados, mas eles viajavam em silêncio, o rapaz teclava seu Iphone como se pesquisasse alguma coisa no Google; a moça parecia descansar, mas o celular permanecia em uma de suas mãos. Pensei comigo, nunca mais as pessoas lerão um livro como liam algum tempo atrás. Segundos depois, saí do trem e durante alguns dias não pensei mais no assunto.

Na ultima segunda-feira, compareci ao lançamento de um livro. O autor é um poeta famoso, professor aposentado da UFRJ atualmente lecionando na Universidade do Norte Fluminense. Durante o evento, uma aluna pediu para ele definir o que é poema e o que é poesia. Ele lhe revelou que poema era o texto literário, enquanto a poesia poderia estar em qualquer parte. Em consequência, ainda segundo ele, há poesia sem literatura e muita literatura sem poesia.

Saí dali pensando onde eu poderia encontrar a poesia em minha conturbada cidade, e fora dos livros raros que descubro e leio nos poucos momentos que tenho livre. Lembrei então de uma conversa que tivera com uma amiga. Discutíamos que, atualmente, quase não é possível pensar prazeres fora do círculo do consumo. Muitos querem frequentar shoppings e comprar o que há de mais bonito; outros desejam assistir a espetáculos para logo depois jantar em bons restaurantes; há ainda quem quer viajar ao exterior para, sobretudo, fazer compras. Daí, nos pusemos a pensar numa vida que escapasse a esse circuito perverso. Cheguei a falar que houve um tempo em que alguém era capaz de se sentir feliz por sentar e meditar, apreciar uma bela paisagem, ou mesmo ir a um museu e ficar horas diante de suas obras de arte favoritas. Mas no mundo atual, parece que tais ações já não fazem parte da vida de muitas pessoas. A leitura também já nos escapa. São poucas as pessoas que conseguem perder-se prazerosamente num bom livro.

Sei que muitas dessas ações implicam também o consumo. É preciso comprar ingressos para entrar em museus; algumas vezes é preciso pagar para estar num parque a apreciar a paisagem; pagar a condução que nos leva até lá; no caso da leitura, pagar o livro à livraria. Mas são tipos de consumo que tiram a gente da avassaladora tempestade do “mercado”. Talvez a poesia a que o poeta referiu-se seria essa, encontrar a beleza e a surpresa nos pequenos momentos em que se aprecia alguma coisa fora do ímpeto do consumo desenfreado.

E eis que procurando por livros e por poesia, deparo-me com uma pequena livraria em Copacabana, bem na rua Rainha Elizabeth. Realizava-se ali um evento chamado “Ponte de Versos”, atividade que já existe, segundo a organizadora, há mais de dez anos. Leram-se poemas de um autor presente, que lançava seu livro. A poesia, afinal, bradei em meio ao silêncio que o poema exige. Leram-se poemas diversos, de autores presentes e de ausentes. Alguns dos participantes, para minha surpresa, tiraram o celular do bolso e leram seus poemas. Que interessante, pensei, poemas no celular. Acho que um deles tinha toda a obra armazenada no pequeno aparelho, pois dali fez vir à sua voz várias composições.

Não discuto aqui a qualidade dos textos, mas achei, enfim, que a poesia não desaparecera, como eu já havia suposto. Lembrei-me, então, das pessoas que, no metrô, não liam livros mas manuseavam celulares. Quem sabe escreviam poemas dentro do silêncio frio dos vagões, em meio ao lamento agudo das rodas que deslizavam sobre os trilhos de aço?

Na livraria, apesar dos poemas nos smartphones, os livros nas estantes, atrás de cada participante, compunham o cenário. E, cada um que lia seus poemas, no fundo da alma tinha o sincero desejo de vê-los um dia publicados em livro, expostos na vitrine de entrada, bem arrumados nas estantes elegantes do local.

No final, alguém lembrou que o nome da livraria fazia uma referência a Shakespeare. Foi então lido um soneto do bardo. Shakespeare viveu há quatrocentos anos, num tempo em que não havia nenhuma tecnologia. Nos tempos de hoje, apesar dela, ainda (graças a Deus) se sofre pela falta de algo que só a poesia pode preencher. 

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