quarta-feira, dezembro 05, 2007

Farol em mar de ressaca

É fato incontestável que Machado de Assis foi célebre por ter escrito romances, como Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro, entre outros. Mas há três textos de crítica literária – menos conhecidos no universo de sua obra e publicados antes dos romances que o tornariam famoso – que demonstram a agudeza de pensamento do intelectual interessado nos assuntos de seu tempo e na produção literária do Brasil e de Portugal. Estes textos revelam não só o que o autor pensava sobre literatura, mas tam­bém o projeto que tentará encetar ao dar curso à sua obra maior – os romances publica­dos a partir de 1880.
É preciso observar que, em termos de estudos sobre Machado de Assis, são pou­cos os trabalhos de pesquisa que levam em conta a obra de crítica escrita por ele e como esta participa na construção da obra de ficção do autor, sobretudo naquela que veio a público a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Machado: o crítico literário
Em “Notícia da Atual Literatura Brasileira – Instinto de Nacionalidade” (20/03/1873), o escritor constata logo no início que "todas as formas literárias do pen­samento buscam vestir-se com as cores do país" (MACHADO DE ASSIS, 1979, Vol. III, p. 801). Cores estas que estariam no aproveitamento artístico da natureza americana e do habitante original. Seguindo o fio condutor estabelecido por Machado, observamos o que diz a respeito de Basílio da Gama e de Santa Rita Durão, os quais, segundo ele, souberam transformar em arte o que oferecia a terra colonial: "a razão é que eles buscam em roda de si os elementos de uma poesia nova, e deram os primeiros traços de nossa fisionomia literária [...];” (p. 802). Os dois escritores foram os que souberam melhor explorar, em todo o período que ante­cedeu a independência política, a natureza americana e tomar como um dos temas – em Basílio de modo mais feliz –, a representação estética do habitante original da terra bra­sileira. Machado vai além e enumera os continuadores desses dois escritores no mo­mento em que a letras nacionais já iam na pátria independente e à procura de identidade própria.
A seguir, Machado traz à tona o debate existente em meio à intelectualidade da época: a importância de utilizar ou não, como tema, os costumes da cultura "semibárba­ra" como meio de dar ares nacionais à nossa literatura. O autor constata que depois do que "escreveram os Srs. Magalhães e Gonçalves Dias, não é lícito arredar o elemento indiano de nossa aplicação intelectual." (p. 803)
Compreendo que não está na vida indiana todo o patrimônio da literatura brasileira, mas apenas um legado, tão brasileiro como universal, não se limitam os nossos escritores a essa só fonte de ins­piração. Os costumes civilizados, ou já do tempo colonial, ou já do tempo de hoje, igualmente ofere­cem à imaginação boa e larga matéria de estudo. (p. 803)
Ao dizer que o patrimônio da vida indiana também é um legado universal, Ma­chado expande os limites do que se chamará de literatura brasileira, sobretudo porque poderá abordar na própria ficção temas que aparentemente não retratem a cor local nem são inerentes apenas à nossa pátria, mas legados universais de outras culturas. Outra expressão interessante que o escritor menciona é a seguinte: "larga matéria de estudo". Isso demonstra que o que escreve Machado de Assis não tem apenas o intuito de entreter o leitor; na verdade, sua literatura é constituída pelo levantamento de questões que até então eram pouco exploradas pelos escritores contemporâneos a ele.
Outro ponto importante sobre o qual escreve, mas que o deixa encoberto por al­gum tipo de véu é o seguinte:
Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimen­tar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região; mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem de seu tempo e do seu país. (p. 804)
"Alimentar-se de assuntos que lhe oferece a sua região"; até aqui não há dúvida alguma sobre o que quer dizer, mas, em seguida, quando se refere a "sentimento íntimo" e a "homem de seu tempo e do seu país", num primeiro momento se percebe que há algo vago e abstrato em suas palavras. Mas, em seguida, levando-se em consideração o que se está acostumado a encontrar, de modo geral, em toda a sua obra, talvez se possa definir "sentimento íntimo" como a abordagem de temas que tenham relação à na­tureza humana, levando-se em conta a perscrutação da alma do homem; "homem de seu tempo e do seu país” seria tentar representar esse tempo e esse país elevando-os a foro universal.
Outro ponto interessante que o autor de Dom Casmurro expõe é a necessidade de "uma crítica doutrinária, ampla, elevada, correspondente ao que ela é em outros países."(p. 804) Essa crítica, aos olhos do escritor, contribuiria para o desenvolvimento e apri­moramento de nossas letras. Machado coloca – talvez uma peculiaridade de seu tempo – a crítica tal qual lanterna que sinalizaria em mar bravio, mostraria escolhos a serem con­tornados, evitando choques e naufrágios. Assim teríamos obras literárias maduras, aper­feiçoadas, condizentes a uma concepção de arte que daria ares superiores e universais a uma literatura, no nosso caso à brasileira. Machado se queixa de que na crítica contemporânea a ele predomina o ódio, a camaradagem e a indiferença (p. 798); sua exigência é de uma crítica honesta e sincera:
Saber a matéria em que fala, procurar o espírito de um livro, escarná-lo, aprofundá-lo, até encon­trar-lhe a alma, indagar constantemente as leis do belo, tudo isso com a mão na consciência e a con­vicção nos lábios, adotar uma regra definida, a fim de não cair em contradição, ser franco sem aspe­reza, independente sem injustiça [...] (p.800)
A reclamação de Machado não deixa de ter sentido pleno. Embora se saiba — até mesmo em termos de literatura universal – que muitas obras não foram consideradas pela crítica do próprio tempo, que só a posteridade conseguiu ver e lhes medir o verdadeiro valor, esse valor foi fruto de visão crítica mais séria, madura e aperfeiçoada. Ao que aspirava Machado, sobretudo no artigo “Ideal do Crítico” (1865), na verdade se concreti­zou; só que muito tempo depois: é a crítica já exercida há alguns anos pela universidade. Essa crítica procura ser isenta e prima sempre pela análise rigorosa e fundamentada. Muitos poderiam achar que o ideal preconizado pelo escritor teria uma função pseudopedagógi­ca e revelaria postura conservadora do próprio escritor; na verdade, porém, nada mais seria do que uma leitura equivocada feita por quem ainda não compreende seu pensa­mento sobre o assunto. Para comprovar a função salutar e fecunda de uma crítica ho­nesta, que o próprio Machado nunca deixou de reivindicar, tomemos um exemplo dos dias de hoje: a profusão de poetas e ficcionistas entre os professores universitários. Estes são os que em primeiro plano exercem a crítica e dão a verdadeira importância que ela merece.
O romance é tratado em tópico à parte pelo autor. Ele constata que esse tipo de gênero é o mais cultivado "atualmente no Brasil"(p. 804); procura mostrar as razões de sua aceitação. Encerra o primeiro parágrafo colocando-o como "obra d'arte como qual­quer outra, e que exige da parte do escritor qualidades de boa nota."(p. 804) No período em que Machado escreve esse texto, aparentemente já está superada a aceitação do ro­mance como obra de arte; o que estaria em questão seriam as qualidades do romancista, não só relativas à arte do bem escrever, mas também a respeito do modo como trabalha as questões locais e universais, que nunca deixaram de estar presentes nas representa­ções artísticas de qualquer época. O gênero literário não é o mais importante, mas a ge­nialidade do autor.
Machado volta à questão do que é representado pela maioria das obras brasileiras até então quando diz: "Aqui o romance, como tive ocasião de dizer busca sempre a cor local"(p. 804) Embora não censure a utilização dessa temática na literatura brasileira, acha que falta alguma coisa para que o gênero possa atingir o mesmo nível que já des­fruta em outras culturas:
Do romance puramente de análise, raríssimo exemplar temos, ou porque a nossa índole não os chame para aí, ou porque seja esta a casta de obras ainda incompatível com a nossa adolescência li­terária. (p.805 )
Machado concorda com Alencar ao retomar-lhe a expressão "adolescência literária". O criador do genial Aires ainda vai além:

Pelo que respeita à análise de paixões e caracteres são muito menos comum os exemplos que po­dem satisfazer à crítica; alguns há, porém, de merecimento incontestável. Esta é, na verdade, uma das partes mais difíceis do romance, e ao mesmo tempo das mais superiores. Naturalmente exige da parte do escritor dotes não vulgares de observação, que ainda em literaturas mais adiantadas, não andam a rodo nem são a partilha do maior número. (p. 805)
É o que ele, Machado de Assis, vai tentar fazer na sua obra de ficcionista. Investi­gará a natureza humana através da construção de seus personagens e dos acontecimen­tos à volta deles. Voltaremos ao tópico na segunda parte desse trabalho.
"As tendências morais do romance brasileiro" (p. 805) fazem, do mesmo modo, parte de suas preocupações. Nosso crítico repudia "os livros de certa escola francesa" que "não contaminaram a literatura brasileira". Machado reivindica para a arte, e em conseqüência para a literatura, status nobre e refinado, temas e maneiras de dizer que conduzam o leitor a reflexões e que lhe aprimorem ao menos o gosto. Em seus romances, nota-se que o autor se preocupará com a representação artística exemplar; e quando tra­balhará temas que nas mãos de outro escritor poderiam resvalar na vulgaridade, nas suas assumem ares que possuem a força trágica das obras clássicas.
Assunto também interessante, que Machado trará para suas obras de ficção e sobre o qual faz menção nesse texto, é a abordagem dos problemas do dia, do século e as crises sociais e filosóficas. Diz o autor: "Esta casta de obras, conserva-se aqui no puro domí­nio da imaginação [...]”. (p. 805) No que diz respeito à crise filosófica, em que não deixa de estar imerso todo o século XIX, nosso escritor não passará isento por ela; seus perso­nagens serão mestres a espelhá-la, para que possamos refletir não só sobre a época, mas sobretudo a respeito da natureza e condição humanas.
Apesar da enumeração de pontos que acha necessários ao aprimoramento do gêne­ro, Machado de Assis termina o artigo com algum elogio e esperança:
Em resumo, o romance, forma extremamente apreciada e já cultivada com alguma extensão, é um dos títulos da presente geração literária. Nem todos os livros, repito, deixam de prestar a uma crítica minuciosa e severa, e se a houvéssemos em condições regulares, creio que os defeitos se corrigiriam, e as boas qualidades adquiririam maior realce. Há geralmente viva imaginação, instinto do belo, in­gênua admiração da natureza, amor às coisas pátrias, e além de tudo agudeza e observação. Boa e fecunda terra, já deu frutos excelentes e os há de dar em muito maior escala.( p. 806)
Se não cometemos um pecadilho, somos tentados a dizer que o grande Machado aqui protege os seus pares de obra maior – a ficção – e dirige uma nova estocada à críti­ca literária da época. Na verdade, os textos de Machado sobre literatura sugerem que seu alvo não é apenas a obra apreciada, mas a crítica contemporânea a ele. Talvez ao exercer essa difícil missão, quisesse iluminar aqueles que pensavam e escreviam sobre arte e literatura.
Outro momento que revela a pujança crítica de Machado de Assis é o artigo em que resenha O Primo Basílio, de Eça de Queirós. São páginas excelentes, onde o texto machadiano atinge status exemplar, contribuindo de forma decisiva para elevar a crítica literária brasileira a nível jamais alcançado até então. O autor inicia sua explanação fa­zendo comentários sobre o livro anterior de Eça, O Crime do Padre Amaro, em que assevera que "não foi decerto sua (de Eça) estréia literária." (p. 903) Qualifica o estilo do autor português como "vigoroso e brilhante", mas mostra certo pesar pela escolha esté­tica – escola realista – feita por Queirós. Machado aponta o que nomeia de força "qui­mérica e impossível" a respeito do desenlace da narrativa: "não se compreende o terror do Padre Amaro, no dia em que do seu erro lhe nasce um filho, e muito menos se com­preende que o mate."(p. 904) Na verdade, na introdução à crítica de O Primo Basílio, Machado aproveita para fazer suas ressalvas ao realismo, e ao mesmo tempo mostrar o que vê de problemático no livro anterior de Eça.
Não se conhecia no nosso idioma aquela reprodução fotográfica e servil das coisas mínimas e ig­nóbeis. Pela primeira vez, aparecia um livro em que o escuso e o [...] torpe eram tratados com cari­nho minucioso e relacionados com uma exação de inventário. (p. 904)
Nosso autor acredita que há coisas que não precisam ser ditas, que o escritor não deve ser aquele "que não esquece nada, não oculta nada"(P. 904); em sua obra de ficção, não é difícil constatar tal fato. É importante ressaltar que a crítica de Machado ressalva as qualidades deste escritor, classificando-o como "um dos bons e vivazes talentos da atual geração portuguesa"(p.903); e chega a dizer que "o autor d'O Primo Basílio tem em mim um admirador de seus talentos" (p.913).
Ao analisar o romance, Machado, de início, diz que o autor português "reincidiu no gênero"(p. 904) Atribui essa reincidência "ao requinte de certos lances, que não destoaram do paladar público."(pp. 904-905) Mas o que torna a crítica severa está em três pontos. O primeiro é a construção da personagem Luísa, a quem o crítico atribui "um caráter negativo" e a designa "um títere" (p.905); o segundo, acontece quando diz que o acessório substitui o principal, no episódio em que a criada se apodera de "cartas comprometedoras"; e o terceiro está na vocação sensual do romance, em que há o pre­domínio da sensação física (p.907). Machado a aponta como "medula da composição”.
Não é nosso objetivo estudar minuciosamente esse texto de Machado. É interes­sante, no entanto, levantar algumas questões a respeito desses tópicos, porque aqui já se insinua o rumo que a ficção machadiana percorrerá nas obras posteriores – segundo a crítica, seus melhores textos.
Machado condena na personagem feminina de Eça a volubilidade; chega a dizer que "Luísa resvala no lodo, sem vontade, sem repulsa, sem consciência, Basílio não faz mais do que empuxá-la, como matéria inerte, que é." (p. 905) Mais adiante, continua:
Para que Luísa me atraia e me prenda, é preciso que as tribulações que a afligem venham dela mesma; seja uma rebelde ou uma arrependida; tenha remorsos ou imprecações; mas, por Deus! Dê-­me a sua pessoa moral. (pp. 906-907).
A respeito da transferência, no transcurso da ação, do principal para o acessório,
Machado escreve:
Ora a substituição do principal pelo acessório, a ação transplantada dos caracteres e dos sentimen­tos para o incidente, para o fortuito, eis o que me pareceu incongruente e contrário às leis da arte. (p. 910)
Nesse ponto, percebemos que o autor brasileiro não descarta que a arte é consti­tuída por algumas regras ou leis que precisam ser observadas, o que revela uma concep­ção aristotélica a respeito da obra de arte; sobretudo quando levamos em conta que o filósofo grego fala em unidade de ação quando se refere, no caso, ao teatro; portanto quando há a substituição do principal pelo acessório perde-se a configuração às "leis da arte".
Em terceiro, o crítico condena de modo veemente a vocação para o sensual: "Parece que o Sr. Eça de Queirós quis dar-nos na heroína, um produto da educa­ção frívola e da vida ociosa: não obstante, há aí traços que fazem supor, à primeira vista, uma vocação sensual." (p.907) Ainda vai mais longe:
Os exemplos acumulam-se de página a página; apontá-los seria reuni-los e agravar o que há neles desvendado e cru. Os que de boa fé supõe defender o livro, dizendo que podia ser expurgado de al­gumas cenas, para só ficar o pensamento moral ou social que o engendrou, esquecem ou não repa­ram que isso é justamente a medula da composição. Há episódios mais crus do que outros. Que im­porta eliminá-los? Não poderíamos eliminar o tom do livro. Ora o tom é o espetáculo dos ardores, exigências e perversões físicas. (p.907)
A afirmação sobre o tom do livro é digna de ser destacada. A partir dela, pode-se entender, e Machado já o fazia de forma brilhante, que para se colocar em questão al­gum tema, não basta mencioná-lo; torna-se necessária a descoberta da intenção do autor, de como este trabalha a própria questão. Quando Machado de Assis escreve que não se pode eliminar o tom do livro, percebe-se a vocação da obra, que a seu ver vem mais a satisfazer o "paladar público" do que levantar questões; ato que permite à arte discutir uma época ou uma visão de mundo senão com superioridade, mas, pelo menos, com o mesmo rigor de obras que se dizem científicas.
Vamos, agora, à obra de ficção de Machado de Assis.
Em primeiro lugar, é importante observar que o escritor brasileiro não tem como doutrina o realismo; em seus romances há o predomínio da sugestão. Machado não diz tudo, apenas insinua. Em segundo lugar, Machado jamais representaria o torpe, o ignó­bil; se estes aparecem em sua obra, não é através de descrição realista, mas nos faz che­gar a eles através da insinuação de algum personagem.
Talvez Machado já discernisse o perigo que a arte en­frentaria em futuro não muito distante. A representação do ignóbil e do obsceno encon­traria grande aceitação entre o público, justamente na camada de pessoas que não teve a oportunidade de desenvolver o "gosto" e conhecer "as leis da arte".
Encontraremos em Machado certo refinamento que ainda não estava presente em nossa literatura. Em Dom Casmurro, como veremos mais adiante, até mesmo ao tratar o tema do ciúme e o do possível adultério, o escritor não sucumbe ao gratuito e proporciona ares de alta literatura.

Como Machado tornou ficção o que disse como crítico literário
Em Dom Casmurro há trechos em que o autor não deixa de apre­sentar algumas questões sobre literatura, alguns aspectos da vida brasileira e perso­nagens que representam pessoas típicas da época retratada. Tudo isso, de certo modo, contribui para estabelecer questões a respeito da cultura brasileira, do modo de vida na se­gunda metade do século XIX, do próprio país e, sobretudo, da natureza humana.

A literatura fala de si própria
O primeiro e segundo capítulos do romance, além da importância que apresentam no contexto geral da narrativa, são interessantes porque têm como tema a própria literatura. No primeiro, há uma passagem curiosa: o protagonista vai no trem da Central e é in­terpelado por "um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu" (MACHADO DE ASSIS, 1979, Vol. I, p. 809). O mesmo rapaz conversa com ele sobre os assuntos do dia, considerando tempo e política, e acaba por pedir a Bento Santiago que ouça seus versos. Descobrimos, então, o próprio Dom Casmurro represen­tando o papel de crítico literário!
O segundo capítulo se inicia com o narrador explicando os motivos que o levaram a escrever o livro. Descreve a casa em que mora, que é perfeita réplica daquela em que viveu na infância e na adolescência; a seguir, completa: "o meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência"(p. 810), o que na verdade não conseguiu: "Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui" (p.810). No parágrafo seguinte, o narrador diz não sentir falta desse passado, mas que conserva "alguma recordação doce e feiticeira"(p.810).
Diz o verdadeiro motivo de estar escrevendo o livro: "Ora, como tudo cansa, esta monotonia acabou por exaurir-me também. Quis variar, e lembrou-me escre­ver um livro."(p.810). Aqui, faz menção a outros assuntos que poderia ter abordado, todos relacionados a algum tipo de saber, mas alega "não me acudiram as forças necessári­as."(p. 810) Daí em diante, põe-se a contar algumas passagens dos tempos idos.
É interessante observar que a literatura, no caso a escritura de um romance, é colocada como algo mais fácil de ser executado do que qualquer outro tipo de obra escrita. É claro que se trata de fina ironia; não do narrador, mas sim do próprio Machado. A construção de um romance, por mais simples que seja – o que não é o caso em Dom Casmurro – requer tanto ou mais trabalho e cuidado como qualquer outro tipo de texto, mesmo que científico, além de exigir talento do escritor. Em um de seus textos críticos, Machado afirma:
Não se fazem aqui (falo sempre genericamente) livros de filosofia, de lingüística, de crítica histó­rica, de alta política, e outros assim, que em alheios países acham fácil acolhimento e boa extração; raras são aqui essas obras e escasso o mercado delas. (p.804, t. III)
O próprio autor diz que essas palavras não desmerecem o romance, muito pelo contrário, porque exige qualidades de quem o escreve.
Outro fato relevante é o grande efeito produzido por esse artificio narrativo que é a criação desse personagem-narrador, que escreve suas lembranças num tempo distante dos fatos acontecidos e num momento em que já não é a mesma pessoa. Seus comentá­rios revelam alguém que já não experimenta o mesmo entusiasmo a respeito do que viveu e a respeito de quem foi. Machado, ao criar esse narrador, aborda – talvez de modo indireto – a própria literatura, proporcionando-nos um memorialismo às avessas. Em primeiro lugar, é o personagem-­narrador que relembra o próprio passado; e, em segundo, esse personagem não é o mes­mo. Ao voltar no tempo, ele já não se identifica com aquele mundo; o próprio narrador vive um período irreconciliável àquele que retrata.
Outro elo entre o romance analisado e os textos críticos do autor é a tentativa – muito bem sucedida por sinal – de fazer o que ele nomeou de "romance puramente de análise". Não se pode deixar de observar que a análise da natureza humana se dá, so­bretudo, a partir do próprio protagonista; o narrador, ao se referir a comportamentos de outros personagens, acaba por revelar mais que tudo sobre si mes­mo.
O escritor como homem de seu tempo e de seu país
A literatura de Machado de Assis abre novos caminhos para a representação do nacional porque vem mostrar que existem outras formas de pensar a brasilidade. O indianismo de Gonçalves Dias e José de Alencar, o romance regionalista ou histórico deste último já não são as únicas representações daquilo que se poderia chamar, naquele momento, de literatura brasileira. Durante grande parte da narrativa, teremos, como cenário, o que poderíamos chamar de reconstituição do Brasil no Segundo Império, com os costumes da época e seus valores.
Dom Casmurro pode ser considerado uma narrativa em que há também a preo­cupação com a recuperação física e moral de um tempo que já se foi; isso se dá porque o próprio narrador, ao resgatar algumas vivências do passado, reconstitui toda uma época que, mesmo para ele, não mais existe.
Estabelecendo um paralelo entre os textos críticos do autor e os de ficção, sobretudo quando diz naqueles: "o que se deve exigir do escritor [...] é certo sentimento íntimo que o torne homem de seu tempo e de seu país” (p.804, t. III), retiramos alguns exemplos, no romance, que atestam a afirmativa.
O primeiro deles são dois capítulos em que o narrador nos apresenta o persona­gem José Dias. O agregado era um tipo de pessoa comum nas casas de famílias mais abastadas, na época; de modo geral era alguém de classe social inferior e que procurava a sobrevivência entre os mais ricos. O aparecimento de J. Dias se deu na fazenda do pai de Bento Santiago. Dizia ser médico homeopata e até mesmo chegou a curar alguns escra­vos, contudo era um charlatão. Mesmo depois de ter confessado a verdade, é convidado a continuar morando com a família de Bentinho. O pai do pro­tagonista até mesmo lhe deixa de herança uma apólice. José Dias não só conseguiu se estabelecer ali, como se fez ouvir dentro da própria família. É um personagem caricatural tanto no modo de vestir, como no de falar:
José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às idéias; não as havendo, servia a prolongar as fra­ses [ ...] (p.812). Era lido, posto que de atropelo, o bastante para divertir ao serão ou à so­bremesa, ou explicar algum fenômeno [...](p. 814).

O personagem Pádua, pai de Capitu, é outro típico representante do homem comum, funcionário público, que tenta sobreviver em meio às contradições da segunda metade do século XIX. Sua casa, obtida através de um golpe de sorte “um meio bilhete de loteria” (p. 825), se situa ao lado da dos integrantes da família Santiago, mas ele não pertence à mesma classe social dessa família. Através dele, pode-se perceber um outro tipo de brasileiro: aqueles que não são privilegiados mas, ao mesmo tempo, também não são agregados, como é o caso de José Dias. Pádua era um empregado “em repartição dependente do Ministério da guerra” (p. 825). Seu trabalho mostra como funcionava a burocracia do Império e como esta proporcionava meios de vida a algumas pessoas da população. No capítulo, “O administrador interino” (p. 825) há um saboroso relato sobre o pai de Capitu. Além de sabermos mais sobre o funcionamento da repartição onde trabalhava, Machado já nos apresenta pequena investigação sobre a natureza humana.
O fato se dá quando o personagem assume um cargo interino – que julgava seu por tempo indeterminado –, passa a receber mais e a usufruir de um modo de vida mais confortável. Quando o chefe retorna, porém, e novamente tem de voltar ao posto anterior, Pádua não quer perder a pose e ameaça suicidar-se. O peso da opinião dos conhecidos o atormenta. Ele, que galgara alguns degraus acima da condição ordinária – inclusive com sapatos de verniz –, sente a vaidade ferida. No fim do capítulo, tudo se resolve não só devido à intervenção de D. Glória, mãe de Bentinho, como também pela presença de amigos. Mais tarde, a interinidade se transformara em motivo de orgulho, porque é citada por ele em conversas informais como referência temporal aos fatos que lhe ocorreram à volta. O cargo provisório, mesmo que exercido e findo, ainda lhe proporcionava uma ponta de orgulho.
O capítulo sobre “Tio Cosme” é outro exemplo do modo de vida de quem trabalhava, agora em meio às profissões ligadas à Justiça. É importante observar que o bacharel em direito já é uma figura importante no Brasil, desde o Império, e Machado não deixa de apontá-lo. Tio Cosme emite algumas opiniões sobre a vida política contemporânea a ele e sobre a anterior, a da Regência, no caso a do Governo Feijó: “Governou como a cara dele.” (p. 812)
O personagem revela quase sempre bom-humor e também opina sobre assuntos inerentes à religiosidade, como a promessa da irmã: “[...] – Mas, olhe cá, mana Glória, há mesmo necessidade de fazê-lo padre?” (p. 812).
Essa mesma religiosidade, presente de modo geral nos brasileiros, permeia grande parte do romance. Além da promessa de D. Glória, há a freqüência do padre Cabral, como amigo da família e professor de Bentinho, à residência dos Santiago; encontramos referências ao meio eclesiástico, como a padres, bispos e até ao papa. Bentinho, durante a infância, brinca de celebrar missas com Capitu; e, por fim, a solução arranjada para livar o personagem da carreira sacerdotal é interessante porque se percebe as acomodações religiosas em meio às necessidades de não desagradar a classe dominante, que proporcionava boas doações à Igreja.
No romance, grande parte de tudo que compõe o Brasil está presente. Temos até mesmo o Imperador a interceder, embora de modo imaginário e na mente do narrador, a favor de nosso herói. Há, portanto, todo um painel do tempo.

Paixões e caracteres
“Pelo que respeita à análise de paixões e caracteres” (p. 805, v. 3) como pleiteava Machado, o capítulo XII, “Na varanda”, é revelador. Bentinho se põe a descobrir, depois das palavras de José Dias, o envolvimento afetivo com a amiga Capitu. É interessante a personificação de elementos da natureza: um “coqueiro velho”, está a conversar e opinar, assim como “pássaros, borboletas e uma cigarra”; na verdade, contudo, é o próprio protagonista que está a dialogar consigo sobre a descoberta do amor e de seus sentimentos pela menina (pp. 820 - 821).
Os capítulos 31, 33, 37 e 38 traçam a personalidade de Capitu. Nessas passagens quase não se nota um descolamento (ou afastamento) dos fatos narrados (enunciado), por parte do narrador. Aqui, não é o ensimesmado e velho Casmurro, já contaminado pelo ranço do passar dos anos, mas alguém embevecido com a descoberta do amor.
Os pequenos gestos e artimanhas de Capitu nos auxiliam a compreender a construção da personagem. Em alguns momentos, o narrador ressalta atitudes que revelam algum caráter ardiloso da menina ainda na fase adolescente. Mas a narrativa em primeira pessoa torna tudo suspeito; o que se pode constatar é o caráter complexo e ambíguo (Machado o utiliza como mais alta literatura) que o autor estabelece através das palavras do narrador. A metáfora “olhos de ressaca” poupa a Bento Santiago explicações maiores sobre a adolescente. E há de se sublinhar que a metáfora marítima revela toda a insegurança dele, que teme se ver arrastado. Daí que a definição atribuída a Capitu define mais que tudo o temor do narrador em se ver dominado e levado pela incerteza ou, talvez melhor dizendo, pela intempérie do caráter feminino. Ele não admite ser conduzido:
[...] Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Trazia não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como uma vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía dela vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. (p. 843)

No mesmo parágrafo, há dois vocábulos reveladores, são eles: felicidade e suplício.
Quantos minutos gastamos naquele jogo. Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração da felicidade e dos suplícios. (p. 843)

Nessa passagem, as duas palavras – que são de significados contrários – se referem ao que experimentou Bentinho naquele momento; o personagem percebe o perigo em que se encontra, mas não deixa de se sentir atraído. Há também, nas linhas que se seguem, uma genial referência a Dante:
[...] Há de dobrar o gozo aos bem aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade de delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as dores dos condenados ao inferno. Esse outro suplício escapou ao divino Dante; mas eu não estou aqui para emendar poetas. (p. 843)

Tais divagações discutem a complexidade da natureza humana, que não deixa de ser contraditória. Do mesmo modo, podemos observar que a felicidade e suplício também dão o tom de todo o livro. Não podemos negar que Dom Casmurro seja uma narrativa de um relacionamento amoroso que transita nessa via. A referência a Dante impregna a obra de atmosfera universal, já que é oportuna, embora o narrador diga que não está a “emendar poetas”. O argumento apresentado por Machado é pequena pérola que dá ao romance foros de literatura universal.

O sensual em Dom Casmurro
Machado de Assis, ao criticar Eça em O primo Basílio, diz que um dos principais problemas deste romance é a personagem Luísa. O autor brasileiro a nomeia de títere, alguém manipulado totalmente pelos outros, personagem que não possui “músculos” ou “nervos”. Pelo contrário, as personagens machadianas primam pela personalidade. A principal criação feminina em Dom Casmurro, Capitu, demonstra determinação desde a idade juvenil. Grande parte da trama para que Bentinho se veja livre do seminário é arquitetada por ela e, durante todo o tempo em que ele se vê no colégio, a moça cumpre bem um papel muito político, que é o de conquistar a simpatia de D. Glória. (“Intimidade” p. 877). Se há alguém que, em determinado momento, se deixa levar é o narrador. Ele não age diretamente, não quer ferir a mãe, espera por pessoas como José Dias, que não é de total confiança. Mas não podemos dizer que esse narrador é uma marionete. Ele tem certeza de que foi traído (ao menos para ele) e toma atitudes extremas, que resultam no exílio de Capitu e do filho.
O caráter inexplicável de algumas atitudes das personagens machadianas comprova o aprofundamento do romance de análise. Percebe-se isso em dois momentos. O primeiro ocorre no capitulo em que Capitu não se defende da acusação de adultério, aceitando passivamente o exílio; o segundo, quando Sancha aperta a mão de Bento Santiago de modo sensual e enigmático.
Machado aproveita alguns enigmas relativos à própria natureza humana que talvez nunca tenham sido decifrados e os utiliza sem também os tentar decifrar ou nos dar respostas.
Ao criticar O primo Basílio, de Eça, o autor brasileiro diz que há na narrativa um certo sensualismo e que este é a “medula” do romance; não perdoa as cenas “cruas” que focalizam as personagens. O que nos interessa para finalizar essa apreciação é o modo como o universo das sensações se dá em Dom Casmurro. Entende-se aqui, aliás, sensações como percepções ligadas aos sentidos físicos.
No romance de Machado há, em primeiro lugar, os beijos que Capitu proporciona a Bentinho; o primeiro ocorre quando este acaba de pentear-lhe os cabelos; o segundo, num momento em que o pai da moça está prestes a entrar no cômodo onde os dois se encontram.
Vejamos o primeiro em: “O penteado” (cap. 33):
– Levanta, Capitu!
Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim, a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e...
Grande foi a sensação do beijo; (p. 844)

A cena revela a descoberta de algo novo, algo ainda inefável para a idade que tem Bentinho. A passagem não resvala num sensualismo vulgar, mas mostra a descoberta do amor, de um sentimento que vai torná-lo ainda mais próximo à amiga.
[...] Capitu ergueu-se rápida, eu recuei até a parede com uma espécie de vertigem, sem fala, os olhos escuros. Quando eles clarearam vi que Capitu tinha os seus no chão. Não me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse, faltava-me língua. Preso, atordoado, não achava gesto nem ímpeto que me descolasse da parede e me atirasse a ela com mil palavras cálidas e mimosas... ( p. 844)

São poucas as vezes em que o tocar de corpos apresenta-se na narrativa machadiana e quando isso acontece é porque trata-se de passagem que se suprimida faria muita falta no universo do romance. A cena do beijo consagra a determinação e personalidade de Capitu, características fundamentais na construção da personagem e no desenrolar da intriga, enquanto monstra um Bento Santiago ainda ingênuo e sem a possibilidade de domínio do próprio destino.
O final do capítulo 37, "A alma é cheia de mistérios", focaliza novamente outro beijo dado por Capitu a Bentinho. A cena se desenvolve de modo muito parecido com a anterior, só que aqui é o narrador que de mãos dadas à menina tenta beijá-la. Mas ela não cede, pelo menos por momentos, fazendo-o apenas quando o pai está na iminência de surpreendê-los.
[...] Capitu, antes que o pai acabasse de entrar, fez um gesto inesperado, passou a boca na minha boca , e deu de vontade o que estava a recusar à força. Repito, a alma é cheia de mistérios. (p. 849)

No trecho, não só há um reforço à personalidade de Capitu, como encontramos insinuações do narrador de que a moça é plena de ardis; a inteligência dela suplanta as habilidades desse mesmo narrador, o que vai dar margem a que, mais tarde, quando Capitu já for sua esposa, se pense de forma desabonadora em relação a ela.
Os capítulos 102 e 103 tratam da lua de mel dos dois. Machado investe nesses capítulos não com a intenção de nos relatar a intimidade do casal, não há sequer uma cena de beijo entre eles. Apresenta-nos o cenário da Tijuca, como de ideal acolhimento para tal tipo de retiro; mostra-nos a natureza se alternando entre chuva e sol. E o máximo de – o que se poderia chamar de sensualismo – aproximação física que se dá entre eles é o momento em que Capitu tem entre as mãos o rosto de Bentinho. Mas na verdade trata-se de um gesto de mais pura inocência. O ambiente é tão familiar que, em plena lua de mel, eles recebem a visita de José Dias.
Pelo menos outros três momentos poderiam ser apontados como de sensualismo no romance. O primeiro está no capítulo 105, “Os braços” (p. 910), em que o narrador sente ciúmes dos braços nus de esposa, durante os bailes que freqüentam. Capitu acaba por dizer a ele que passará a sair com os braços cobertos. Mas é o ciúme do narrador que já se põe a crescer logo após estarem casados e viverem a felicidade dos primeiros anos. O outro episódio que revela o sensual é a qualificação que Bento dá ao olhar de Capitu quando ela olha o defunto Escobar, já no caixão e prestes a ser levado. Diz Bento:
Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã. (p.927)

Além de aqui haver a volta dos olhos de ressaca, talvez o que mais insinue o elemento sensual seja o vocábulo "tragar". Mais uma vez é importante salientar que tudo é dito por alguém que é parte interessada nessa narrativa; assim, tudo que poderia ser chamado de sensual, torna-se necessário para acentuar a natureza do personagem-narrador, um ser mergulhado em um ciúme doentio.
Por último, temos o episódio a que já nos referimos; o do olhar e toque de mãos entre Bento e Sancha (cap. 118, “A mão de Sancha”), no dia anterior à tragédia. Pode-se perceber através desse capítulo todo um desdobramento mental do narrador a respeito do significado dos gestos da mulher do amigo. Tal passagem é importante porque embaralha as concepções de Santiago a respeito de insinuações amorosas e possíveis traições, o que nos leva a tornar suspeita a interpretação dele à respeito da possível traição da esposa.


Através desses trechos da obra de ficção de Machado de Assis, percebe-se a realização de tudo aquilo que o autor especulou nos seus escritos de crítica literária. É indiscutível que o escritor brasileiro tenha como obra maior os romances – sobretudo os publicados num período em que predomina o amadurecimento de sua obra –, mas não deixa de ser interessante perceber que Machado conseguiu realizar no árduo terreno da crítica literária um receituário e uma preparação, para que ele próprio atingisse a realização plena, tornando-se um autor que atuou com sucesso em praticamente todos os campos da escrita. O que imprimiu como modelo de obra de arte a ser perseguida, perseguiu-o ele próprio, com empenho e genialidade.
Da mesma forma, não se pode dizer que o autor brasileiro deixou de lado as cores de seu país. Talvez o que não perceberam alguns de seus críticos é que ele tenha dado a elas contornos universais.
Referências bibliográficas:
MACHADO DE ASSIS. Obras Completas. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1979, vol. I.

MACHADO DE ASSIS. Obras Completas. Org. Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1979, vol. III.