segunda-feira, agosto 23, 2010

A bordo da Vespúcia(18/08/2010)
por Haron Gamal

Vespúcia do Sul, de Paulo de Paiva Serran, é um livro de aventuras. O narrador é um jornalista que vive constantemente na corda bamba, ameaçado de perder o emprego.Ao começar a contar sua história, diz: "Lá pela virada do milênio, quando eu tinha tudo na vida. Emprego, namorada, dinheiro, carro, eu tinha tudo.Menos vida".

A partir desse narrador decaído, que nos lembra detetives de romances noir, vamos saber a história de Emanuel, um velho caçador de tesouros, fanático por relatos de naufrágios. A narrativa se inicia em Cabo Frio, passa pelo Rio, depois segue para Pernambuco, aonde o personagem viaja com o intuito de produzir matéria sobre artes plásticas mas acaba investigando a suposta morte do velho capitão da embarcação Vespúcia do Sul.

O enigmático nome surge em homenagem a um dos primeiros desbravadores da costa brasileira, Américo Vespúcio. O continente, segundo Emanuel, deveria ter o mesmo nome do seu barco, porque, em todas as ocasiões, o sobrenome prevalece: "Pra começar: por que diabos América e não Vespúcia? Afinal de contas, não é Cristóvia, mas Colômbia. Não é Pedrália, mas Cabrália. O estreito é de Magalhães, e não de Fernão. Vespúcia combina muito mais e soa muito melhor!".

Na verdade Emanuel está atrás do tesouro que, segundo a lenda, vinha numa das naus da mesma expedição em que viajava Vespúcio, a nau capitaneada por Gonçalo Coelho, que naufragou nas proximidades de Fernando de Noronha. O tesouro, que estaria na nau capitânia, foi transladado para a nau de Vespúcio. Este, continuando a navegação rumo ao sul, teria costeado Cabo Frio e ancorado. Ali, teria desembarcado as peças valiosas dentro de uma arca e a enterrado nas imediações da antiga feitoria.

O autor segue a trilha aberta por Stevenson no clássico A ilha do tesouro, romance também de aventuras no mar em que o narrador Jim Hawkins passa por sérios perigos até alcançar seu objetivo. Em Vespúcia do Sul, João parte em busca não propriamente de um tesouro, mas de uma boa história capaz de lhe render algum lucro e de mantê-lo empregado no jornal. Na literatura brasileira, o périplo aberto por Stevenson encontra ressonância na obra do escritor brasileiro de nome dinamarquês Per Johns, sobretudo no livro Aves de Cassandra, ao qual o livro de Serran se filia.

Uma outra via que se pode seguir é a do romance noir, devido às peripécias vividas pelo narrador ao viajar para o Nordeste. A princípio, vai com o objetivo de fazer uma espécie de documentário sobre o artista plástico Francisco Brennand, mas casualmente se depara com um dos tripulantes que teria morrido no naufrágio da Vespúcia do Sul.Neste trecho da narrativa, ele vai se deparar com bandidos, prostitutas, pederastas, um menor infrator e até com uma senhora mafiosa que o intimará a deixar o Recife, caso não queira perder a vida. Não fica de fora o envolvimento amoroso, que acontece com Lindinha, mulher fatal, namorada e amante de vários outros personagens nada recomendáveis.

Vespúcia do Sul, segundo livro de Paulo de Paiva Serran, mostra a habilidade do autor em contar histórias com toda a riqueza que elas podem proporcionar, sendo estas tanto de extração histórica, de aventuras - devido às peripécias de Emanuel em busca de tesouros perdidos - de naufrágios, ou mesmo de natureza policial, o que move o fracassado jornalista ao perceber que os estranhos acontecimentos vivenciados por ele podem render uma boa reportagem.É bom deixar o restante como surpresa a ser descoberta pelo próprio leitor.

Também são dignos de louvor o cuidado gráfico e o fino acabamento editorial que o livro apresenta.

Fonte: Jornal do Brasil