terça-feira, julho 20, 2010

Obras de Frank Wedekind revelam conflitos e anseios da adolescência

Haron Gamal*, Jornal do Brasil

RIO - No posfácio à edição brasileira de O despertar da primavera, escreve Marcus Tulius Franco Morais: “No drama, jovens desabrocham para a primavera dos sentidos e se amam no seio de uma paisagem onírica, opondo-se aos preconceitos e ao conservadorismo das instituições”. Na época predominava o naturalismo, mas o dramaturgo conseguiu, através de seu texto teatral, introduzir a discussão sobre o despertar da sexualidade nos jovens e sobre a consequente repressão a que esta discussão era submetida. O esperado debate que a peça desencadeou foi duramente reprimido, ficando o autor durante muito tempo sem poder encená-la. O texto de Wedekind, escrito entre o final de 1890 e a Páscoa de 1891, foi visto como algo capaz de abalar as instituições e a autoridade.

Inspirada na própria vida do autor, que não viveria para gozar o título de um dos mais populares dramaturgos da Alemanha, a peça aborda o percurso dos adolescentes Melchior, Wendla, Moritz, Otto, Robert, Zirschnitz, Röbel, Lämmermeier, Bessel, Thea e Ilse, e é composta quase que inteiramente de diálogos entre eles. Estão presentes suas instabilidades psicológicas em consequência da chegada da puberdade, idealizações e angústias. Aparecem também, como personagens, os pais de alguns deles e os professores, todos extremamente repressores. Frank Wedekind, quando adolescente, teve dois amigos que se suicidaram, tendo prometido a um deles contar sua história. É o que faz através do texto. Moritz Stiefel não consegue viver sua identidade sexual, atravessa vários tipos de conflitos e acaba por suicidar-se. Melchior Garbor também quase se suicida, mas é salvo no final por um personagem simbólico chamado de o Homem Disfarçado. Wendla, uma menina de apenas 14 anos, morre em decorrência de um aborto.

A peça, que já foi encenada várias vezes nos palcos brasileiros – a mais recente delas em forma de musical, com direito à polêmica da aparição do seio da atriz Malu Rodrigues, de 16 anos – possui três atos com cinco cenas no primeiro, e sete no segundo e terceiro. Wedekind quando a escreveu chamou-a de “tragédia infantil”.

Mine-Haha, que tem como subtítulo Sobre a educação corporal das meninas, inicialmente foi escrito para ser um romance, mas seu texto não chegou aos dias de hoje. Em 1903, Wedekind publicou-o como um conto, com três capítulos e mais uma pequena peça denominada o “Príncipe dos mosquitos”, que passou a integrar também o texto. Na edição brasileira, tem 60 páginas. O texto é apresentado como se Wedekind fosse, na verdade, o editor. A autoria do manuscrito é atribuída a uma senhora que, prestes a morrer, o entrega a ele. Ela conta seus primeiros anos de vida, passados num parque, onde vários grupos de meninas e meninos são criados, e toda a educação é voltada para o corpo. Em momento algum há menção a respeito da educação intelectual. Também não se fala sobre pais e mães. Na maioria das vezes, as crianças chegam ali bem pequenas e dentro de uma caixa. Elas cuidam uma das outras, sob supervisão de uma criança mais velha. A partir de determinada idade os meninos são separados das meninas. Estas são educadas fazendo constantes exercícios físicos, aprendem acrobacias e a tocar instrumentos musicais. Próximas da adolescência, trabalham num teatro, único meio de se relacionarem com o mundo. O texto também é simbólico, transparecendo a lascívia dos frequentadores do teatro quando observam sugestões de cenas de sexo ou de sadomasoquismo.

Wedekind denuncia neste texto a exploração a que são submetidas principalmente as meninas, que vivem uma situação de quase servidão. O final é enigmático. Saindo do local pela primeira vez ao chegarem à adolescência, são apresentadas ao mundo formando pares com os meninos que conhecem naquele instante, e sob a expectativa de uma multidão eufórica.

Tanto em Despertar... como em Mine-Haha o que se percebe é a preocupação constante do autor com a consciência do estar-no-mundo das crianças e dos adolescentes, suas primeiras manifestações da sexualidade e a repressão e exploração a que são submetidos por intermédio dos adultos.

À primeira vista, pode parecer que os textos são datados e que se tornaram anacrônicos. Caso se consiga perceber que crianças e adolescentes ainda se autodestroem, enxergaremos uma mordaz crítica ao neoconservadorismo dos dias de hoje, fundamentado nas religiões, no preconceito social ou mesmo num suposto cuidado com a saúde. Não só a sexualidade continua submetida ao controle do poder, mas todo um modo de vida. Ao invés de negar e reprimir assuntos que dizem respeito à sexualidade, como nos dias em que viveu Wedekind, nega-se hoje o esclarecimento sobre os mecanismos perversos de perpetuação da ideologia, expondo-se crianças e adolescentes ao lixo cultural, fruto do mais acirrado meio de incentivo à violência: a voracidade desenfreada do capital.

* Professor e doutor em literatura brasileira pela UFRJ

Obra de Rüdiger Safranski analisa o romantismo alemão

Haron Gamal*, Jornal do Brasil

RIO -

No prefácio de Romantismo: uma questão alemã, Rüdiger Safranski diz: “O romantismo é uma época. O romântico é uma postura de espírito que não está limitada a um tempo”. Seu livro vai seguir exatamente essa estrutura. Na primeira parte, trata o romantismocomo período histórico e literário, abordando, sobretudo, a questão alemã desde Herder, passando por Schlegel, Tieck, Novalis, Schleiermacher, Hölderlin entre outros, até E. T. A. Hoffmann. Na segunda parte, o autor tratará do espírito romântico, que, na verdade, transcende o período do romantismo histórico.

As origens do romantismo, na Alemanha, começam com Herder lançado-se ao mar, isto é, embarcando num navio que o levaria para longe do seu país. Como diz o autor: “Fazer-se ao mar significou para Herder trocar o elemento vital: o firme contra o fluido, o certo pelo duvidoso; significou ganhar distância e amplidão”. A fuga da realidade encontra solo fértil na temática das viagens. O pastor luterano, ao despedir-se de sua comunidade, tinha a intenção de ver o mundo de um maior número de lados. Na verdade, a viagem ocorre devido à necessidade de busca de inspiração, fato que o racionalismo, que dominou o período anterior, não proporcionava. O pensamento romântico tem sua origem na idealização e no sonho.

Pode-se recorrer a uma frase de Hegel, uma geração mais tarde, quando ele fala sobre Kant: “O medo de errar poderia ser o próprio erro”. O homem romântico não se preocupará com o julgamento moral, mas tentará através de atitudes profundamente sintonizadas ao espírito encontrar um novo campo de significações.

A atitude de Herder acabou por incitar o culto ao gênio do Sturm und Drang (tempestade e ímpeto). Aquele que consegue fazer desabrochar sua criatividade seria considerado gênio. O próprio Goethe, num momento de reflexão tardia sobre aqueles anos, “impiedosamente” definirá o gênio como o termo geral para aquela “notória época literária de escolhidos e amaldiçoados, na qual uma massa de homens jovens surgira com toda a coragem e ousadia”.

Apesar de a revolução significar para alguns poetas o início da vulgarização que a modernidade expandirá, não há dúvida de que a Revolução Francesa serviu como estímulo para a derrubada do clássico nas artes. Mesmo que não se fizesse na Alemanha a revolução política, era possível fazer a revolução estética. A queda da monarquia, na França, era a queda do modelo clássico em troca do culto pelo nacional, pelas lendas, pelo folclore, enfim, pela mitologia local.

O olhar sobre a cultura e civilização, passando pela educação estética como um jogo – ohomo ludens, na definição de Schiller – apresenta uma das características marcantes de um período que tenta se afastar da visão estática preconizada pelo clássico. Na perspectiva da linguagem, esse jogo culminaria com a ironia, concepção romântica que permite ao homem aventurar-se com mais profundidade no terreno da linguagem. Além disso, o jogo e a figura do jogador sempre exerceram fascinação sobre o leitor. Na aposta, a vida e a sorte não deixam de estar por um fio. O jogo e a ironia vão se contrapor apenas aparentemente às concepções de religião pura e de amor exacerbado pela pátria. Uma vez que temos em muitos autores do romantismo a vida dupla, a ironia e o jogo estariam de acordo com este modelo de vida.

Outro ponto que preocupava os escritores era a questão da utilidade da arte. Chega-se à conclusão de que a arte é útil apenas a si mesma, e de que toda a sua conceituação fora desse âmbito nos remeteria ao que conhecemos na contemporaneidade como mercadoria. O romantismo foi um período em que se defendia com unhas e dentes uma arte pura, cuja magia emanasse da alma em toda sua plenitude.

Em contrapartida, o autor nos apresenta um capítulo em que há o subtítulo: “O século com nódoa de tinta”. Isso demonstra o ritmo intenso em que andava a produção literária, ou mesmo subliterária, chegando entre 1790 e 1800 a aparecerem 2.500 romances no mercado. Se por um lado existe a preocupação em combater os prenúncios da modernidade através do desprezo da vida real e de tudo que é considerado útil, por outro a máquina editorial cresce e proporciona lucros.

Um dos pontos altos da primeira parte do livro é o seguinte: “A despreocupação romântica antecipa sob certos prismas o posterior pós-modernismo. A diferença é apenas que aqui se brinca com o sentimento de ainda ter muito diante de si, enquanto o pós-modernismo acredita ter quase tudo atrás de si”.

Romantismo e pós-modernismo também se assemelham porque em ambos, apesar das vozes contrárias, tenta-se associar a arte ao lucro, apesar de, no romantismo, as vozes contrárias preconizarem a recusa à modernidade e à arte como mercadoria.

O autor discorre sobre os movimentos românticos existentes na história do Ocidente; agora, como atitudes de vida. Dentre estas posturas, aparecem reação a qualquer tipo de realismo; mobilizações nacionalistas que desencadearão a Primeira Guerra; peregrinação de grupos de jovens que ocorreu na Alemanha nos anos 20 visando a um modelo de vida baseado no dionisíaco; muitos anos depois, o Maio de 1968.

Apesar das contradições que o período traz em si, o que se pode observar é que toda vez que há afirmação violenta do racionalismo, movimentos românticos vêm à tona trazendo no bojo a perspectiva da fantasia. Talvez tenha sido essa a maior contribuição do romantismo: despertou no homem a urgência do sonho e da imaginação num momento em que a intempérie capitalista se anunciava e viria, um século depois, concretizar-se na forma mais avassaladora.

*Doutor em literatura pela UFRJ.