sábado, setembro 25, 2010

Entre a paixão e o pensamento
Resenha do livro de poemas de Ronaldo Lima Lins

Mais do que a areia menos do que a pedra é o novo livro de Ronaldo Lima Lins. Conhecido ensaísta, romancista e professor de teoria literária da UFRJ, ele lança seu primeiro livro de poesia. Para quem já se acostumou à refinada prosa de reflexão presente tanto em seus romances como em seus livros de crítica da cultura, seus poemas não traem o pensamento filosófico do autor e contribuem para enriquecer o atual panorama da literatura em língua portuguesa.

Todo poeta certamente deseja que sua produção seja original e, ao mesmo tempo, apresente com maestria os temas que sempre frequentaram a alta literatura. Uma vez que a gênese do autor é a filosofia, teorias que discutem questões existenciais e/ou sociais, seu texto poético também parte do pensamento crítico. Mas nele não deixa de estar presente uma grande dose de emoção. Os poemas de Ronaldo Lima Lins sugerem que, para a consolidação do pensamento crítico, o autor precisa trafegar também na via da poesia. Sempre que as perspectivas de soluções engendradas pelo método ameaçam naufragar, a poesia surge plena de possibilidades, mostrando que na criação estética está uma das principais saídas para o ser humano. Isso não quer dizer que, além da prevalência do caráter estético, poemas não levariam o homem a um novo patamar de indagações. Talvez aqueles que no decorrer da vida conseguiram atingir a maturidade nas suas reflexões tenham percebido que a poesia é a forma que nos resta para tentar uma espécie de salvaguarda existencial, a partir do momento em que caíram por terra muitas das perspectivas filosóficas.
O poema é uma construção estética que não tem compromisso com a explicação de sistemas nem com a apresentação de respostas. Sua necessidade estaria no fato de o poeta captar o “eu” dilacerado do ser humano para que, através desta arte feita de palavras, rearticulasse a humanidade perdida.

A filiação literária de Lima Lins remonta aos trovadores, navega nas mesmas águas de Camões, passa ao longo da modernidade por Baudelaire. Na literatura brasileira, estão presentes, como também afiança o prefaciador J. M. Neistein, Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade e mais discretamente João Cabral de Melo Neto. Da filosofia, dentre muitos autores – difícil enumerar todos eles – , percebe-se a forte presença da teoria crítica. Adorno foi um autor que fez a crítica da cultura através da arte. Ronaldo Lima Lins segue seus passos, somando sua visão de mundo bastante pessoal.

O livro é dividido em três partes: “Mais do que a areia menos do que a pedra”; “O direito pelo avesso o avesso pelo direito”; e “Chegar para partir”.
Já na epígrafe de Victor Hugo, é anunciada a proposta poética do professor Ronaldo: “Pois a poesia verdadeira, a poesia completa, está na harmonia dos contrários”. Sua construção poética vai gravitar na tensão imanente em que trafega a própria literatura: forma e conteúdo, metonímia e metáfora, antíteses, paradoxos, diálogos entre os temas da literatura e da filosofia, diálogos com outros autores e, enfim, a dialética da dor e de uma espécie de esperança, que somente a arte poderia acalentar.

Na abertura, o poema “Odores” apresenta os sentidos não em oposição ao espírito, à imaginação, à memória ou ao sonho, mas como meio de despertá-los. “Algumas lembranças surgem / perfumadas. / Evocam momentos. / Eternizam instantes”. Mais adiante: “Se fosse possível / construir/ um sonho, / eu / começaria abrindo esse frasco / De magia.” Resta a possibilidade de tentar a palavra impossível, o sonho de todo poeta: “deixaria que os odores me viessem / com tudo / que não pode ser dito. / Só com eles atingiria o infinito. [...] Lá onde o sol não se põe / e as estrelas cintilam no horizonte.”

O poema “Chocolates de Pessoa” retoma Fernando Pessoa de uma forma lúdica, e mostra “os ideais traídos”: “Os chocolates de Pessoa / têm um sabor amargo. / Não se dissolvem na boca, / não lembram festas juninas. / [...] São doces da maturidade / cozidos com ingredientes / exóticos entre pitadas de / sal e frutos da consciência. / Formam navios à deriva de / navegações sem farol sobre os / mares em fúria de ideais traídos.”

Em “O momento”, o autor descobre que somente a paixão é capaz de movê-lo, e isto se dá através de um aparente paradoxo, a observação de uma escultura: “Um beijo de mármore / de uma estátua de Rodin / roubou-me / do veneno da / paralisia.”

Dois poemas, na parte final, são bastante representativos ao apresentar uma realidade que não acontece ao acaso e que exige do ser humano o cumprimento do seu papel no vasto teatro do mundo. São eles “Catástrofes” e “Ouvir tambores”. Eis alguns versos do primeiro: “Catástrofe / é o que se dá / quando um mundo desaba / e leva a vida de roldão. / Os homens / são arquitetos, / vanguarda da sua ação. / Armados marcham, / queimam e devastam / o que lhes impede o caminho. / [...] Homens que se afastaram / por um tempo, / ao voltar, / encontraram ruínas: / casas, ruas, famílias, / templos e credos / sob escombros. / Quase desmoronaram. / Mas um deles, / com argamassa / e pá de pedreiro, / começou a empilhar os tijolos. / Não dizia nada: agia. / Outros o acompanharam. Uma febre.”

No segundo poema há, no início, o chamado através do bater de tambores: “Ouvi tambores. / Eles batiam sincopados, / como se me chamassem. / Tum! Tum! Tum.” Uma série de vidas, toda uma tradição visita o poeta: “Fisionomias conhecidas, / que me visitavam, / com gestos / e movimentos de corpo, / montavam um teatro / que só existia para mim. / Tum! Tum! Tum! [...] Escorreguei / num fio de esperança. / Senti que caía / numa rede de distâncias / e aproximações. / À maneira de um trapezista, / com um passo em falso, / num clamor de espanto / voei para o abismo.” No final é a consciência que irá predominar, ainda que despertada pelos sentidos: “Um gosto / de morangos silvestres / despertou meu paladar. / Tum! Tum! Tum!” Enfim, o poeta encontra uma porta para ao menos um sinal de salvação, que, na verdade, está no pensamento e nele mesmo: “O pensamento que me ocorre / é mais duro, mais forte / e mais definitivo do que eu.”

Talvez a poesia seja isso: tambores. Uma espécie de chamado que desperta e procura na dialética entre as paixões e o pensamento uma síntese do humano.

Mais do que a areia menos do que a pedra
Ronaldo Lima Lins
7 Letras
281 páginas