sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Uma chance para a literatura

No prefácio de Mercado de Pulgas, há um bom argumento para se publicar em livro muita coisa boa que aparece na internet. Segundo as palavras do autor, referindo-se a uma pesquisa do Google Analytics, um visitante fica em média num site apenas durante três minutos: “O problema, na internet, é o dedo indicador impaciente que, no mouse, está sempre em busca de algo a mais.” O livro, no entanto, é para ser lido com calma. Por isso, Renato Alessandro dos Santos publica em livro uma seleção dos melhores textos que colocou no seu site: www.tertuliaonline.com.br.

O livro começa com uma epígrafe de Andre Breton, “Sempre vou lá (no Mercado de Pulgas) à procura desses objetos que não se encontram em nenhuma outra parte, fora de moda, fragmentados, inúteis, quase incompreensíveis, perversos, enfim, no sentido que entendo e amo...”, e não deixa de ser muito interessante. Após a leitura, fica a saudade de um período da vida que a gente gostaria de viver de novo mas sabe que não mais voltará. O autor explora de modo sutil e pungente o velho gênero conhecido como crônica.

Dividido em oito partes, começando por blog, trecho em que relata fatos de seu cotidiano, passando por cinema, entrevistas, futebol, literatura, livros, música, Renato pouco a pouco conquista o leitor, que dificilmente não demonstrará uma ponta de insatisfação caso tenha de interromper a leitura. Há ainda uma última parte denominada Work in progress, com um belo conto. O livro é finalizado com um ensaio cujo título é: “A literatura como vício”.

Na verdade, como explica Alessandro da Silva, o site “Tertúlia” começou como um fanzine nos anos 1990. Desde então, ele põe em prática seu gosto pela escrita. Em 2009 o fanzine voltou, mas na rede.
Num livro de crônicas, é  sempre arriscado destacar algumas, corre-se o risco de apontar não as melhores, mas aquelas que caíram no gosto do resenhista.

O ponto alto do livro são as entrevistas que Renato fez com escritores brasileiros, a maior parte durante uma feira do livro em Ribeirão Preto; outras, durante a visita de alguns deles a bibliotecas públicas para encontro com leitores; e há ainda uma matéria em que ele acompanha uma palestra de Cristovão Tezza, o autor do premiadíssimo Filho eterno, numa sociedade psicanalítica do interior paulista. Entre os autores entrevistados encontram-se Milton Hatoum, Xico Sá, Pedro Bandeira, Marcelo Mirisola, Michel Laub, Lourenço Mutareli, Daniel Galera, Ignácio de Loyola Brandão e Moacyr Scliar.

Outra parte, muito sedutora, é a de livros e de literatura, praia do autor de 39 anos, já que ele é um leitor voraz e professor da mesma disciplina. Talvez aqui o texto de maior destaque seja: “A redoma de vidro de Silvia Plath”, onde o autor discute o único romance escrito pela poeta de língua inglesa, que se suicidou aos 30 anos. No começo do artigo, Renato pergunta: “o que quer uma poeta, utilizando um pseudônimo (Victoria Lucas), ao escrever não um livro de poemas mas um romance?” Através da vida da personagem principal, Esther Greenwood, ele aponta traços biográficos que coincidem com os de Silvia. “J. D. Salinger não mora mais aqui” aborda a obra e a vida reclusa do autor de O apanhador no campo de centeio: “quem nunca ouviu falar de Holden Caulfield, o pequeno diabo de Salinger. É um personagem inseguro, insatisfeito, questionador, inconformista, inquieto...” Um texto também fundamental é “O que você anda lendo ultimamente?”, onde Renato conta sua experiência de iniciação à literatura ainda na adolescência e enumera vários autores imprescindíveis para a criação do gosto pela leitura e formação do leitor. O já citado “A literatura como vício”, na parte final do livro, complementa este texto e apresenta, entre outros assuntos, não só a descoberta da literatura, mas também o poder que ela tem de se tornar motivo de vida de determinadas pessoas.

Apesar dos textos mais culturais (digamos assim), o livro emociona quando o autor nos conta sobre acontecimentos de sua vida familiar, como o nascimento de seu filho, a chegada das férias, ou o dia em que ensinou o menino a andar de bicicleta, experiências narradas com muito lirismo e sensibilidade. Referências a futebol também têm sua poesia, como na crônica sobre o dia em que o XV de Piracicaba foi a Batatais, cidade onde vive o autor, e venceu pelo placar de uma a zero a equipe da casa, o também Batatais, conhecido popularmente como o Fantasma da Mogiana.

Em meio a todo esse painel apresentado pelo livro, perdas e ganhos contabilizados, sobressai a intensa paixão pela literatura.

Mercado de Pulgas germinou na internet e lá pode ser adquirido. Basta que se entre no site do autor.

Mercado de Pulgas – uma tertúlia na internet
Renato Alessandro dos Santos
Download blogs – Ed. Multifoco, 269 páginas