sexta-feira, maio 18, 2012

A paixão pelo jornalismo

Resenha: Os imperfeccionistas, de Tom Rachman

Os bastidores de um jornal e as perspectivas de sua sobrevivência num mundo de extrema competitividade, onde a internet passa a predominar cada vez de modo mais avassalador, são o tema de Os imperfeccionistas, livro de Tom Rachman. O jornal em questão é um diário internacional sediado em Roma e publicado em língua inglesa, com o objetivo de ser vendido no mundo inteiro. Qualquer semelhança com uma publicação fácil de ser encontrada nas bancas de Copacabana, Ipanema ou Leblon não é mera coincidência.

O autor, que já foi jornalista, retrata sem qualquer idealização a rotina e o ambiente confuso de uma redação. Aqui e ali pululam ambições e mazelas, falsas amizades, casos amorosos e traições. Há desde o correspondente em Paris, alcoólico, que já não consegue vender suas matérias, até o editor viciado em trabalho, primeiro a chegar e último a sair da redação, o que faz sua esposa abandoná-lo e ir morar com um italiano. As mulheres, como profissionais de jornalismo, também vivem os dois lados da moeda, como a repórter de economia Hardy Benjamin, eficaz no trabalho mas desastrosa nos relacionamentos; Kathleen Solson, que deixa a promissora carreira num diário de Washington para assumir o cargo de editora-chefe – numa noite regada a caipirinha ela acaba flertando com um jornalista de quem fora amante porém agora trabalha como assessor de imprensa de Berlusconi –; Ruby Zaga, além de egocêntrica, problemática e desprezada pelos colegas de trabalho, também naufraga na bebida e numa vida extremamente solitária. Outro curioso personagem é Winston Cheung, jovem americano de origem asiática que não sabe o que quer da vida nem jamais escrevera uma linha sequer em jornal algum. Ao descobrir que está vago o cargo de correspondente no Egito, tenta aproveitar a oportunidade. Entretanto esbarra em dois problemas: mal sabe árabe e lhe aparece pela frente um famoso jornalista americano que não consegue se fixar em jornal algum por ser temperamental. Ele, assim como Cheung, quer o cargo no Cairo.

Em cima de manchetes curiosas, que chegam a proporcionar ao romance ares humorísticos – “mentiroso mais velho do mundo morre aos 126 anos”, “aquecimento global é bom para sorvetes”, “a vida sexual de muçulmanos extremistas” etc. –, os capítulos são construídos sempre sob a ótica e a vida de cada personagem, podendo ora ser a editora-chefe, ora o correspondente em Paris, ora a repórter de economia, ou mesmo a leitora assídua que não perde um exemplar do periódico, obrigando a empregada a guardá-los exatamente em ordem cronológica para poder ler na íntegra todos os números.

Como um diário desse tipo se mantém? Não seria necessária a pergunta, mas ele é fundado e circula durante muitos anos por causa da paixão. Foi ela que, muitas vezes, moveu o jornalismo. E, aqui, é tão intensa que, apesar das constantes crises financeiras, mantém a publicação por várias décadas, fazendo o diário passar de pai para filho. O último, neto do fundador e integrante mais jovem da família que controla vários negócios entre eles o jornal, é enviado de Atlanta a Roma com a missão de reerguer e manter a publicação. Ele, porém, esbarra na falta de recursos, na falta de vocação e se perde no amor por seu cachorro. O livro nas suas 380 páginas retrata também a vida europeia contemporânea e, em fragmentos, os principais acontecimentos vividos pelo continente desde os anos 1950 até meados da primeira década do século 21.

Devido à reformulação por que passa toda a imprensa atual, o livro torna-se tanto mais interessante. Muitos jornais mundo afora desapareceram ou tendem a desaparecer, mantendo apenas exíguas versões digitais, como ocorreu com o Jornal do Brasil. É interessante perceber que muitas dessas publicações são apenas a ponta de lança de grandes grupos empresariais, situação que não torna melhor o jornal nem possibilita sua permanência caso ele não se mostre lucrativo.

Outro fato que também pode ser discutido a partir da leitura deste livro é a liberdade de imprensa. Como sua existência seria possível se os principais anunciantes são, na maioria das vezes, empresas cujo principal objetivo é o lucro rápido e fácil, deixando de lado questões como o meio ambiente, a qualidade de vida e os direitos humanos?

O livro Os imperfeccionistas, no entanto, não se prende a essas questões nem se preocupa em defender causa alguma. Num mundo que já não prima pela verdade, a trajetória de um jornal e a vida dos personagens que o produzem são seu foco principal.

Os imperfeccionistas
Tom Rachman – tradução de Flávia Carneiro Anderson
Ed. Record – 380 páginas

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