quinta-feira, julho 18, 2013

A ilha do tesouro

“É um contradição aparente.”

“Aparente?”

“Sim.”

“Por quê?”

“Porque você vem à escola e logo quer deixá-la; você vem para aprender alguma coisa, mas parece que não o deseja. No final, feitas as contas, creio que, mesmo assim, ainda sobra alguma coisa a seu favor.”

Jhonatan olhava os livros que estavam amontoados sobre uma das mesas da biblioteca; depois voltou a face para o professor, como se quisesse perguntar alguma coisa, mas o exemplar da Ilha do Tesouro, de Stevenson, com a capa colorida e algumas figuras quase em alto relevo, despertou-lhe a atenção. O livro remeteu-o ao mar que havia em frente à cidade e à visão das duas ilhas existentes diante da costa. Eram dois animais disformes que sempre quisera identificar, perfilados lado a lado, mas nunca conseguira; em uma delas, a montanha, um tanto escarpada, se destacava.

Professor Júlio também voltou os olhos para a mesa; tomou, em seguida, o livro nas mãos, folheou-o de modo displicente e disse:

“É um bom livro.”

Foi o suficiente para que o rapaz se desinteressasse. Esquivou-se esticando o olhar por sobre o peitoril da janela, em direção a um ponto indefinido na paisagem exterior. Passado algum tempo, o professor deixou livro e aluno e pôs-se a percorrer outras estantes.


O corpo da adolescente lhe escapava das mãos, o céu ia sem estrelas, as areias da praia dificultavam seus passos, pois não fizera como ela que tirara o calçado. Perseguia-a; a moça, porém, conseguia escapar e se ocultar nas sombras. O vento sacudia a vegetação rasteira; ao longo da única via, postes ostentavam lâmpadas apagadas e alheias ao prenúncio de tempestade. Quando decidiu tirar os sapatos e procurar Soraia, ela desaparecera sem deixar qualquer vestígio. Olhou na direção de onde ambos vieram, mediu a distância que percorreram e tudo se misturou à escuridão persistente.

Quando a convidara para passear, levá-la na garupa de sua pequena motocicleta, imaginou cenas indescritíveis, coisas que nunca fizera com mulher alguma - histórias existentes apenas em narrativas de colegas que tinham a mente cheia de imaginação. Ao ouvi-la aceitar o convite, não pôde mais duvidar de coisa alguma; a moça mais bela e desejada da escola seria sua, ao menos naquela noite, ainda que apenas por algumas horas.


Quando o olhar do professor cruzou com o seu novamente, percebeu que Soraia conversava com ele. Sorria e mostrava o livro que estava lendo. Com a presença dela, a biblioteca clareara, tornara-se mais viva e a escola mais agradável, mesmo numa cinzenta manhã de segunda-feira. A moça o encarou, deixou-lhe ligeiro aceno; agia como se nada tivesse acontecido.


Jhonatan esperou encostado a uma falésia. Preferiu o frio da madrugada a voltar para casa. A preamar trazia-lhe respingos esporádicos. Em determinado momento teve a impressão de que uma mulher saía nua do mar; ah, imaginações, pensou. Continuou com os olhos voltados para o mar escuro, na direção das ilhas que não podia enxergar àquela hora.

Ao amanhecer, a maré vazava. Foi então que percebeu que não estava sozinho. Soraia sorria e trazia os cabelos molhados. Mas estava vestida e agasalhada.

Voltou-lhe a mulher nua saindo das águas.