quinta-feira, maio 20, 2010

O Hotel

Há mais de vinte anos estive na cidade de M. Fora enviado pelo jornal; estava no início de carreira e já não lembro o que fui fazer lá. Ao caminhar no final da tarde na direção da rodoviária, um senhor bastante idoso, com ares de profeta, colocou-se à minha frente impedindo-me o caminho. Subitamente, pediu que pagasse um lanche. Não sou de fazer favores a pessoas necessitadas, confesso, tanto mais num lugar desconhecido como era aquela cidade. Mas acabei cedendo. Faltava mais de uma hora para o ônibus que me levaria de volta ao Rio. Entramos numa padaria. O homem após receber seu sanduíche e um copo de café com leite me agradeceu fervoroso. Tomei apenas um café, e já ia me afastando quando ele me pegou por um dos braços e disse:

“Espere!”

Assustei-me com o seu tom de voz; parecia uma ordem. Tentei me desvencilhar; seu olhar, porém, era firme, mastigava e mantinha os olhos voltados para os meus. Deu mais uma mordida no pão, limpou um dos cantos da boca e falou:

“Em gratidão, quero lhe fazer uma profecia.”

“Profecia?”, assustei-me.”

“Sim, uma profecia”, dessa vez sua voz soou afetuosa. “Não tema, não é nada de mal; se fosse, eu não diria.”

Assenti através de um ligeiro movimento com a cabeça.

“Vê aquele armazém, no outro lado da rua?”, pousou a xícara sobre o balcão e apontou na direção.

“Vejo, o que há de mal nele?”

“Em breve, vai deixar de existir.”

“E daí?”

“E daí que vai deixar de existir, ora.”

“Era essa a profecia?”

Mordeu o pão mais uma vez; após alguns movimentos com a boca, prosseguiu:

“Há mais uma coisa.”

“O que, então? Fale.”

“Calma, já vou falar.”

Tomou mais um gole de café com leite, levou a xícara mais uma vez, vagaroso, até o balcão.

“Vejo o senhor”, completou, “numa altura de mais ou menos quarenta metros, no espaço aéreo.”

Olhei para ele. Só podia ser louco. Joguei uns trocados ao empregado, paguei a despesa e parti.

Quando ia do outro lado da rua, ainda ouvi a sua voz:

“Quarenta metros, no espaço aéreo!”

Vinte anos depois voltei a M. A cidade havia-se tornada a capital brasileira do petróleo. Fora cobrir um evento importante, onde várias personalidades da área política e econômica compareceriam.

À noite, após tudo terminado, fui para o hotel. Retornaria ao Rio apenas na manhã seguinte. Afastei a cortina, olhei por trás da janela fechada e vi a cidade lá embaixo. Estava toda iluminada, em alguns pontos era possível ver prédios muito altos. Em determinado momento, jurei que via a padaria onde pagara o lanche ao profeta anos atrás. E o armazém, onde estaria? Tinha realmente desaparecido? Após procurá-lo com insistência, doeu-me a cabeça. Doeu-me ainda mais quando deduzi que poderia ter-se transformado no hotel onde eu estava. E eu me encontrava no décimo andar, a quarenta metros do solo, no espaço aéreo...