Um problema contra o qual toda a intelectualidade se depara atualmente
e não vê saída é a tal espetacularização da cultura. Somos bombardeados dia e
noite por chamados à audiência, sejam eles oriundos das mídias impressas,
audiovisuais convencionais (se é que ainda se pode usar essa palavra) ou mídias
digitais. Os apelos são tão intensos e colocados através de estratégias de tamanha sedução que acabam por convencer que o espetáculo é imprescindível.
Chega-se a pensar que ele é totalmente natural e que não se pode pensar em outra forma de sociedade.
Outro problema que expande a questão acima é o crescimento do aparato
tecnológico, como smartphones, notebooks, tablets e tudo mais que tem surgido
através do desenvolvimento da microtecnologia. Está claro que não devemos nos opor ao
progresso, mas nos dias de hoje quase não há reflexão sobre se a atualização constante e o consumo de todo esse aparato é mesmo imprescindível.
Quando observamos a utilização que a maioria das pessoas faz da tecnologia, ficamos assustados. São poucas que a utilizam com o real sentido
de galgar conhecimentos que realmente lhes serão úteis, como os advindo do
mundo acadêmico, o universo onde há método e fundamento para pesquisa e estudo.
Querendo ou não, a escola é uma ramificação da cultura
erudita, pois para se lecionar é necessário ter cursado a universidade. Mas eis
que a tecnologização acaba levando as pessoas a utilizarem esses aparelhos não
com fins de pesquisa, mas como distração e mesmo como meio de autoafirmação.
Veja-se o narcisismo presente nas redes sociais; quase todos se tornam (pseudo) atores e atrizes da espetacularização de suas próprias vidas, buscando também a audiência.
Quem há de se enfronhar numa biblioteca, sobretudo nos anos
de formação, para ler um livro por puro prazer ante a avalanche de apelos ao consumo de instrumentos que proporcionam imagens em movimento, som, comunicação em tempo real, jogos, efeitos especiais e interatividade? Quem ainda desejará tatear o mundo da alta cultura como um meio de
obter conhecimentos para a sua profissão ou mesmo para a reflexão sobre a vida? Melhor talvez fazer parte do oba-oba que as mídias alardeiam tentando envolver
a todos, fazendo acreditar que, assim, cada cidadão é participante ativo da
nova sociedade.
Ao invés do incentivo à leitura e ao estudo, o que vemos, no entanto, quando analisamos a questão, é a
formação de um forte mercado consumidor de tecnologia muitas vezes desnecessária,
o que acaba afastando ainda mais o ser humano do que ele realmente precisa.
Quem há de se colocar contra o apelo da
tecnologização excessiva da cultura e sua consequente espetacularização? Quem há de
mostrar que os argumentos utilizados por essa indústria apontam mais a pseudoverdades? A problemática em que estamos inseridos ainda é a mesma da
discutida por Theodor Adorno e pela Escola de Frankfurt em meados do século
passado, quando utilizaram como objeto de análise o cinema americano do período.
O pensador contemporâneo tem o dever de denunciar o exagero de
tal empreitada consumista e mostrar que está imbuído do espírito de
pesquisa e de crítica. Caso não o faça, sonegará à intelectualidade o papel de colocar as coisas nos seus devidos lugares.
Em qualquer sala de aula dos colégios de hoje, mesmo no
ensino público, a maioria dos alunos possui grande parte desse aparato tecnológico, além de muitos também terem acesso à internet. Até aí tudo bem. Muitos professores, porém, já não conseguem convencer que internet não significa apenas jogos e redes sociais, traduzindo:
divertimento.
É preciso sempre desenvolver o pensamento crítico e mostrar
que o apelo da indústria tecnológica e cultural não é levar as pessoas ao
mundo da alta cultura, um patamar em que a reflexão possa ser mais intensa e
daí surgirem soluções para os problemas do mundo atual, inclusive soluções
conceituais e de valores. Mas a intenção da ideologia é aproveitar o silêncio dos inocentes e impingir a produção e o consumo avassaladores.
Por isso as palavras do professor Muniz Sodré, no programa
Roda Viva.