quarta-feira, abril 19, 2006

Salomão e o Shabat

Salomão voltava a pé da sinagoga após a oração inicial do Shabat. Vinha intrigado devido à conversa que ouvira de dois velhos que sonegavam a reza em troca de algumas palavras. O assunto girava em torno do próprio dia sagrado dos judeus. Ele, que sempre respeitara a tradição e exigia que sua mulher também o fizesse, estava surpreso pelo que ouvira. Salomão não tomava ônibus durante o Shabat, sequer acendia luz, televisão muito menos; a esposa preparava tudo de véspera: arrumação e limpeza da casa, compras no pequeno mercado e, enfim, o preparo da comida frugal da qual se serviriam durante o dia seguinte. Mas a conversa entre os dois velhos produzira nele alguma inquietação.

No sábado pela manhã, Salomão acordara cedo, como de costume, e já ia adiantado no percurso costumeiro; seus pensamentos flutuavam soltos até que se deparou com Isack. Este descia do ônibus nas proximidades da sinagoga. Ah, esse Isack, não sabia viver o Shabat, tomava condução, não seguia direito a religião e, além de disso, não respeitava a alimentação kosher; de que adiantava freqüentar a casa de orações se não fazia nada direito? Nada falaria, não se meteria na vida alheia, mas que era um acinte, era, que não lhe dirigisse a palavra.

Após a oração, Salomão procurou um dos dois senhores cujo diálogo o afligira na véspera.

- Por favor, Yahud, sei que não faz parte da boa educação manter ouvidos atentos à conversa dos outros, mas considero você meu amigo, gostaria que me esclarecesse sobre o assunto que você e o seu Moisés conversavam ontem, no momento da oração.

Yahud emitiu um sonoro pigarro, olhou seu interlocutor de viés retornando a seguir à posição em que se encontrava antes de ser abordado.

- Que conversa? Não costumo falar no momento das orações.

- A conversa versava sobre um tal elevador, algo que existe em determinada sinagoga de Israel; você disse ao seu Moisés que era permitido ao rabino tomá-lo, mesmo durante o Shabat.

Yahud levantou a cabeça e tentou conter um início de gargalhada.

- Ah, quer dizer que você ouviu; por que está preocupado com isso?

- Não se deve tomar elevador durante o Shabat, muito menos um rabino deve fazê-lo.

- Salomão, esqueça essa história, é melhor conversarmos sobre futebol; será que podemos travar esse tipo de conversa no Shabat?

- Não brinque, Yahud, quero saber a verdade.

- Que verdade?

- A do tal elevador.

- Salomão, se você quer saber, eis a história: o elevador existe, é verdade; e é permitido ao rabino subir através dele, mesmo durante o Shabat.

- Mas, como?

- Como? Ele entra no elevador e o elevado simplesmente sobe.

- Não entendo a que ponto as coisas estão chegando; pois não somos judeus ortodoxos?

- Salomão, entenda-me bem; este elevador é muito moderno; o rabino não precisa premer botão algum. Ele pára diante da porta, esta abre automática, fecha e leva o rabino até o andar de cima, sem que ele necessite fazer coisa alguma, basta entrar e esperar.

Salomão franziu o cenho, parecia deter-se em meditação sobre o que acabara de ouvir.

Então foi a vez de Isack se aproximar.

- Desculpe-me a intromissão – acabou por dizer -, mas ouvi a conversa e achei tal invento válido e interessante; escutem só, hoje aconteceu a mim algo semelhante: eu me encontrava diante do ponto de ônibus, parei para descansar, na verdade não esperava condução; mas o ônibus parou à minha frente, abriu a porta, então entrei. Quando o veículo se aproximava do ponto, aqui bem próximo à sinagoga, percebi que ele parava de novo sem que eu tivesse dado sinal algum, de repente abriu a porta, então, saltei!