sexta-feira, junho 22, 2007

Bailarina
Sofia parece que morreu, dizia de quando em quando. Enquanto aguardava, Mariana avistou um quadro numa das paredes, a que ficava ao lado da janela principal. Retratava uma mulher que parecia rodopiar. O pintor dera-lhe leveza aos movimentos. Na verdade, tratava-se de uma bailarina. Dançava. E nua. Vestia apenas as sapatilhas. Era como se a mulher do quadro fizesse parte de um balé alucinado. A cabeça parecia atrasada em relação ao movimento do corpo. Mas aquele pequeno detalhe era o tom encantatório da obra de arte. A bailarina tinha um ar lânguido. Parecia que a dança era um rito preparatório. Vinha num crescer que, aos poucos, atingiria o momento de êxtase total. Alguém que dançava nua em direção, talvez, ao espectador daquela cena. O pintor conseguira tal sugestão. Mariana continuou com os olhos na pintura, viu-se na pele da mulher, pensou como se sentiria na mesma posição, diante de um pintor experiente. Um pintor que a explorasse em todos os detalhes, mínimos que fossem, adivinhando-lhe cada centímetro de corpo. Pintar-lhe-ia nua, por inteiro, acrescentando-lhe alguma tinta, já que sua beleza original, a da fase juvenil, ficava, pouco a pouco, para trás. Queria-se bailarina nua e jovem.
De uma das vezes que foi à janela, viu passar um rapaz. Foi quando tentava quebrar o encantamento em relação à mulher do quadro. Assim conseguiu, mas à custa de outro. Do rapaz que passava na rua. Rapaz, por sinal, muito bem vestido. Como àquela hora o sol já era baixo, vestia um paletó de linho, que lhe realçava a beleza. A vibração de Mariana foi tamanha, que ele percebeu-lhe o olhar. Retribuiu. Parou à esquina, como se esperasse alguém, mas, na verdade, tendia aguardar os próximos movimentos da mulher. Ela continuaria ali, mirando-o? Ah, Mariana! Ela falou em voz baixa consigo mesma. Voltou-se para o interior da sala. A mulher do retrato invadiu-lhe novamente o espírito. Tentou imitar-lhe os movimentos, mas vestida. Não conseguiria pensar o dia de modo independente, num estado de total neutralidade? Ora seria invadida pela bailarina nua, ora pelo rapaz da calçada? Mariana era flor prestes a abrir-se, mesmo com apenas uma gota d'água.
Os saltos de Sofia desceram a escada, compassadamente. Pronta! A amiga deu com Mariana em crise. O que há? Ainda teve tempo de perguntar. Ou a mulher nua, ou o rapaz da calçada! Que mulher nua, que rapaz?, perguntou Sofia. Mariana mostrou. A do quadro, o da rua, aquele, apontou. Ah! O quadro foi presente de alguns anos, o rapaz, não o conheço, mas é belo. Vamos, já é hora, insistiu Sofia. Espere, um instante só, suplicou Mariana.
Mariana respirou, curvou os ombros. O vestido escorreu ao chão. Sofia surpreendeu-se diante do nu total, ao vivo. Mariana levou o dedo aos lábios. Pantomima de silêncio. Sofia respeitou. A mulher nua na sala pôs-se na posição da bailarina. Só que de saltos. Conseguiu o mesmo ar lânguido, a cabeça atrasada em relação ao corpo. No momento em que tentava o rodopio, surpresa: o rapaz da calçada viu-lhe um bico de seio.