terça-feira, março 30, 2010

Livro de Richard Rorty defende o pragmatismo

Haron Gamal, Jornal do Brasil

RIO - Partindo do princípio de que os seres humanos deveriam dedicar todas as suas energias para o aumento da felicidade humana, expressão que não é propriamente sua, mas de pensadores tanto materialistas como também de pensadores místicos, Richard Rorty (1931-2007) desenvolve em Filosofia como política cultural uma espécie de pragmatismo. Segundo ele, deveríamos nos preocupar com as finalidades e não com reflexões abstratas, que, ainda conforme suas palavras, não levariam a nada. Como exemplo, um artifício utilizado no início do livro para sustentar sua argumentação descarta a perspectiva de classificar os seres humanos segundo raça, privilegiando uma abordagem geneticista. Em vez de “falarmos sobre raças diferentes, vamos falar sobre genes diversos”. Portanto, segundo Rorty, não deveríamos falar sobre coisas que não fazem sentido.

A espécie humana caracteriza-se pelo desenvolvimento do raciocínio e, a partir dele, pela construção tanto de obras concretas – como as possibilitadas pelas ciências físicas – como também pela elaboração de outro tipo de obras, estas abstratas, que existem apenas na imaginação e se concretizam em forma de textos, literários ou não. As teorias filosóficas, que se caracterizam pelas sutilezas do pensamento, muitas vezes servem mais como demonstração da engenhosidade humana do que como meios de estabelecer um propósito propriamente físico. Não é de se admirar que filósofos como Platão e Aristóteles tenham escrito obras com a intenção de que o ser humano obtivesse alguma vantagem. Mas mesmo tendo desencadeado intermináveis discussões, muitas delas de caráter controverso, não se podem abandonar as perspectivas abertas por esses filósofos, desejando que se discuta apenas o que possui lógica interna, útil para a melhoria da vida humana.

A própria discussão filosófica também serve como uma espécie de melhoria ao permitir às pessoas o desenvolvimento do pensar. Afinal, a obra dos grandes filósofos, mesmo que contestada, não deixa de ser um tipo de obra de arte, que merece apreciação em toda a sua plenitude. Na história da humanidade, todo homem que desenvolveu algum tipo de filosofia talvez tenha pensado que os seres humanos teriam como resultado um mundo melhor. O que acontece é que não se pode utilizar essa afirmação com o objetivo de demonstrar a perenidade e validade do pragmatismo.

Ao defender sua tese, Rorty pergunta: “Como deveríamos dividir a cultura em áreas para as quais a política cultural seria relevante e áreas que deveriam ser mantidas livres dela?”. Neste livro, com artigos elaborados, sobretudo, na última década, o filósofo norte-americano tenta responder a questão por meio da filosofia, mas despindo-a de qualquer resquício metafísico.

A primeira parte do livro tem o título “Religião e moralidade de um ponto de vida pragmatista”. No primeiro capítulo, Rorty afirma que se deve abrir mão da discussão sobre as crenças para que se possa esboçar um tipo de “comunidade cooperativa global entre as nações”. O descarte do apego às crenças e mesmo a existência ou não de Deus não deveria ser levado em conta quando se tem como meta o estabelecimento de um mundo em que o ser humano saia beneficiado. Voltando a John Stuart Mill e a Wiliam James, e seguindo o pensamento deste último, “a crença certa a ser adquirida é aquela que fará mais pela felicidade humana”.

No segundo capítulo, o livro quer demonstrar que a visão de mundo pragmatista está mais próxima do politeísmo romântico que do monoteísmo secular. A argumentação de Rorty, sempre voltada para a realização da felicidade, se bate às voltas com o discurso religioso como forma de afastar o homem do caminho da vida secular. Valeria a pena não se preocupar tanto com os fins religiosos, os quais preconizam a salvação numa outra vida, optando pelo aqui e agora, de modo que as nações convivessem de forma harmônica.

Na segunda parte, considerando pensadores canônicos, o autor afirma: “Quando Copérnico e Galileu extinguiram a imagem do mundo que havia confortado Tomás de Aquino e Dante, Espinosa e Kant ensinaram à Europa como substituir o amor de Deus pelo amor à verdade, e como substituir a obediência à vontade divina pela pureza moral. Quando as revoluções democráticas e a industrialização nos forçaram a repensar a natureza do vinculo social, Marx e Mill se apresentaram com algumas sugestões”. São discutidas questões que levam em conta mais uma vez a crença e opção materialista da vida humana. Rorty afirma que “as classes educadas da Europa e da América se tornaram complacentemente materialistas em sua compreensão de como as coisas funcionam. (...) Também se tornaram utilitaristas e experimentalistas em suas avaliações das iniciativas sociais e políticas propostas”. O autor traça um percurso filosófico em que prevalece a opção pelo descarte de princípios tanto teológicos como filosóficos que mantenham o ser humano afastado de fazeres que não privilegiam a vida em sociedade.

Na última parte, ele propõe a discussão entre a filosofia analítica e conversacional. O princípio de pensamento que não leva em consideração o diálogo e a interação com outras linhas de pensamentos não estaria condizente com o estabelecimento daquilo que ele chama de política cultural. Rorty refuta o conversacionalismo de Habermas, o qual, segundo ele, não atinge a proposta pragmatista ao não seguir perspectivas historicistas na mesma linha do autor de Filosofia como política cultural.

Após a leitura, fica a impressão de que os ensaios tentam responder a questões pontuais da cultura norte-americana. Ao procurar estabelecer uma forma de pensar que leva em consideração apenas soluções de problemas práticos, que na verdade privilegiam apenas as ciências físicas, não haveria lugar para a crítica que se mostrasse fora de um modelo de vida predominantemente tecnicista. Poder-se-ia dizer que o desenvolvimentismo empreendido pelos Estados Unidos deveria servir de modelo bem sucedido para toda a humanidade.

O que se pode estabelecer como crítica é que o pensamento pragmatista, preconizado por Rorty, não leva em conta as contradições sociais, negligenciando questões como a luta de classes e, sobretudo, os interesses de países que tentam alcançar o mesmo patamar das nações desenvolvidas. Através da mundialização atual, pode-se concluir que ser pragmático seria pensar e agir de modo a beneficiar seu próprio país e sua consequente população. Mas o que fazer quando levamos em consideração o acirramento dos interesses e a intensificação dos conflitos, sem ainda considerar a extensão do fundamentalismo tanto do Ocidente como do Oriente?

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