tag:blogger.com,1999:blog-204836782024-02-07T23:17:13.657-03:00contos e outras históriasHaron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.comBlogger172125tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-26570782096371244232017-05-17T11:40:00.001-03:002017-05-17T11:43:22.157-03:00Queridos leitores, embora não esteja postando novos textos aqui, agradeço o grande número de visitantes ao blog. Creio que a boa literatura não envelhece, e os livros sobre os quais escrevo fazem parte deste universo. Continuo publicando resenhas no Jornal Rascunho, que podem ser acessadas através do site do jornal. Ao mesmo tempo, há três livros meus no mercado: Magalhães de Azeredo, série Essencial, editado pela Academia Brasileira de Letras; Estrangeiros, o anfíbio cultural na prosa brasileira de ficção, editora Ibis Libris; Apostas Perigosas, editora Opção, este um livro juvenil que frequenta o gênero policial. Obrigado, abraço a todos.Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-6173823420321379832015-11-29T10:39:00.003-02:002015-11-29T10:42:42.141-02:00Resenhas no jornal de literatura RascunhoLeia minhas últimas resenhas, no jornal de literatura <i>Rascunho</i>.<br />
Abraços a todos,<br />
Haron<br />
<br />
<a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/">Clique aqui</a><br />
<br />
<a href="https://www.google.com.br/#q=haron+gamal+rascunho">Clique aqui</a>Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-33405720082003228402015-07-14T13:09:00.001-03:002015-07-14T13:36:23.212-03:00Passageiro do existencialismo<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
O outro lado da sombra se destaca pelo duplo criado na relação entre dois irmãos em perene conflito</h4>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
À literatura não cabe qualquer tipo de missão. Caso se queira atribuir-lhe alguma funcionalidade, esta se caracterizaria pelo ato de levantar questões, ação essencial para o ser humano exercer a reflexão. É bom dizer que mesmo fazendo o inventário das questões humanas, a literatura não tem o dever de respondê-las. Se a literatura exercita a reflexão, está consequentemente estimulando a imaginação, direito essencial do homem à liberdade. Privar o ser humano da imaginação seria privá-lo da liberdade. Talvez, por isso, sempre será muito difícil substituir a literatura por qualquer narrativa que privilegie o audiovisual.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">O outro lado da sombra</b>, de Mariana Portella, é um romance que envereda pela reflexão ao narrar parte da vida do personagem Soren, um italiano em constante crise familiar e existencial. O nome do protagonista não nega a vinculação do livro ao filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855). Filho de pai bem-sucedido financeiramente, que desaparece num acidente aéreo, ele herda a sociedade de uma empresa, na qual não consegue adaptar-se, resolvendo então viajar por alguns países, entre eles a Irlanda e a França.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
O livro também traça, até certo ponto, a trajetória de Carlo, irmão mais novo do protagonista. Este mergulhado numa vida errante, ligada à criminalidade. Ambas as trajetórias cruzam-se em diversos momentos da narrativa, o que não deixa de causar prejuízo a Soren.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Narrado em primeira pessoa, o romance é ambientado na Europa, atestando a desterritorialização da atual literatura, inclusive da brasileira. Todo autor relata, na verdade, a própria experiência, e muitas vezes ela se encontra distante de seu país de origem, talvez este seja o caso da autora. Tal tipo de narrativa pode soar um pouco artificial apenas no princípio, pouco a pouco entramos na trama e constatamos que a literatura não possui nacionalidades. O mais importante neste livro, no entanto, é o duplo criado em função da relação entre estes dois irmãos em perene conflito. Na literatura de língua portuguesa, há exemplos muito pertinentes, entre eles, <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Esaú e Jacó</b>, de Machado de Assis e, mais recentemente, <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Dois irmãos</b>, de Milton Hatoum. A partir do duplo Soren e Carlo, desenrola-se o conflito existente no romance. Outro ponto digno de ser ressaltado é a família contemporânea, sempre dilacerada, com seus integrantes mergulhados na mais profunda solidão. Talvez a solução seja recorrer aos amigos, muitas vezes mais próximos do que os parentes sanguíneos. Isso também ocorre no romance. Há também Laura, uma ex-namorada de Soren. Ela faz de tudo para conquistá-lo; ele, porém, a todo momento tenta afastar-se dela.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
A discussão sobre a morte e sobre o suicídio não escapa a Mariana Portella, deixando sequelas não só no protagonista, mas também nos outros personagens, e também no leitor. O que faz o ser humano perder a vontade de viver? A existência é inviável, sem sentido algum? Qual a postura necessária em relação à morte e à certeza de que somos finitos?</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Fracasso existencial</b><br />
O livro de Mariana Portella constata o fracasso do projeto existencial empreendido pela pós-modernidade. Apesar dos bens materiais e espirituais, da arte e do consumo possível à classe alta e à parte da classe média, o ser humano sente-se vazio, sem esperança, temeroso. A saída seria o amor, mas até este não se apresenta, ou quando surge mostra-se vazio de significado. O ser humano acaba por não mais possuir qualquer sentimento de culpa, tornando-se, entretanto, a maior vítima de si mesmo. A história flerta em algum momento com a religiosidade. Soren narra uma conversa que, na infância, travou com um padre:</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Quando pequeno, durante o catecismo, perguntei ao padre se ele realmente acreditava na Bíblia, respondeu-me como nunca teria imaginado. “Respondo com outra pergunta, caro Soren, por que motivo você deveria não acreditar?” Olhei-o sem responder e ele prosseguiu: “Você vê, Soren, a esta pergunta ninguém encontra jamais a resposta, e sabe por quê? Porque não há! [...] Crer é sinônimo de pensar, refletir, e daquilo de que mais gosto: imaginar. Você imagina que na sua vida, quando acabar as baterias, o depois não será escuro, mais luz, menos não preto, mais branco. E não descuide disso, pois pode imaginar o Éden”.</i></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Talvez aqui a autora inclua a arte e por extensão a literatura como possibilidades para o ser humano. Se a imaginação é uma das razões para se crer, nada melhor do que contar histórias que nos apontem alguma saída.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
O livro também entra pela via do realismo fantástico quando Soren, tal qual Ulisses (o de Homero), vai dar no aparente mundo dos mortos. Não quero dizer com isso que adianto o desfecho da narrativa, muito pelo contrário, apenas próximo ao final o leitor descobrirá a função desta parte do livro. Quem procura nacionalismos na literatura talvez, neste momento, identifique o caráter latino-americano desta novela de ambiência europeia. O que há de mais positivo, acima de tudo, é o domínio da linguagem, seguido pela construção das personagens.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
“‘Meu amigo, você não está morto. Por isso pode ter sentimentos e aproveitar os seus sentidos’. Ouvir aquelas palavras fez-me esquecer tudo por um momento, senti-me leve, além do quarto escuro e da parede suja na qual apoiava as costas.” O trecho, além de exemplificar a viagem mencionada no parágrafo anterior, atesta a filosofia existencialista. Ao ser humano é possível todas as experiências, inclusive a de experimentar a morte. A passagem revela a vinculação da narrativa a um universo que poderia ser o do delírio ou o de um vislumbre espiritual. Mas a autora não nos dá a resposta, cabe ao leitor decifrar este enigma, se é que ele permite tal empreitada.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Mas, enfim, o que vale ao se falar de literatura é a linguagem, é ela que carrega todas as possibilidades de enredamento, e a autora sabe trabalhá-la como uma esmerada artífice. Na apresentação, Nélida Piñon diz que Soren, este “Kierkegaard moderno [...] encara as angústias de seu tempo. Todos partícipes de um cenário perturbador e ilusionista, que oscila entre a magia civilizatória e um voluntarioso niilismo”. Ousaria dizer que Soren (o do romance) tende mais para o niilismo do que pela magia civilizatória, e o que faz sobressair o talento da autora é a linguagem, que nos chega no tom exato, incluindo as soluções encontradas em passagens que se afiguram como becos sem saída. O personagem de índole europeia acaba por perder-se num caricato niilismo. No final, há uma tentativa de salvá-lo, o que poderia parecer uma mancha romântica, ou, quem sabe, a tentativa de encontrar um lugar que se sabe inexistente. Não por vivermos num período de crise ou de superação das utopias, mas por ser característica da condição humana. Mais uma vez é a construção linguística que sai ganhando, como diz a autora pela voz de Soren: “rasguei-a [a carta] e joguei-a no meio dos trilhos. Quando o trem partiu, alguns pedaços levantaram e voaram pelo ar caindo perto de mim. Dei um chute, afastando-os dali. E de repente o mal-estar havia sumido. Estava em paz comigo mesmo”. Na verdade, não é um chute que afastará a dor de existir. Toda prenúncio de solução também não passará de ilusório. O outro lado da sombra permanecerá mais sombrio do que nunca, e o bem-estar de Soren é passageiro. A linguagem — e por extensão a literatura — é que leva à possibilidade de reflexão sobre a existência. Apenas isso faz o ato de existir perene.</div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-16204999620788108422015-07-14T13:07:00.003-03:002015-07-14T13:57:48.885-03:00A um passo do abismo<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"></b></div>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<br />
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Dez centímetros acima do chão, </b>de Flavio Cafiero, é um livro constituído de quatorze contos, todos bem diversos entre si, mas a força narrativa de cada um deles e as questões que podem desencadear tornam o livro homogêneo. Apesar de vivermos um momento em que a narrativa curta tornou-se subestimada para muitos editores, o texto de Cafiero é bem-sucedido em algumas inovações, sobretudo no aspecto formal. Como temática, seus enredos apresentam na maior parte a perspectiva do abismo, prestes a levar de roldão todos os personagens. E que tome cuidado também o leitor. Uma das razões da boa literatura é a capacidade de surpreender e de tornar nova cada questão, apenas pelo modo como é colocada. Observemos isso em cada um dos contos.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
No primeiro, <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Estudos recentes</i>, o narrador informa-nos sobre uma experiência de busca do prazer decorrente de certo namoro com a morte, “é que a baleia chega a aguentar noventa minutos sem precisar buscar oxigênio na superfície. Não desafia a vida, não é nada disso, brincar com as fronteiras é um prazer genuinamente humano”. Todo o desenrolar da narrativa apresenta o personagem discutindo a questão enquanto a mulher está submersa e sem poder respirar. Ele vai desfiando uma história comprida, numa espécie de diálogo. A passagem do tempo provoca nele uma excitação cada vez maior e mostra que a experiência não está necessariamente relacionada a quem vive tal momento, mas também ao ato de expor o outro ao perigo e depois ouvir sua experiência-limite.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
O segundo conto, <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">O atirador de facas</i>, mescla culinária com uma vingança. Numa relação homossexual, aquele que não cumpriu a promessa é contratado anos depois para preparar um jantar. No desenrolar de sua tarefa, descobre o ex-amigo que se sente logrado, uma pessoa doente e perigosa. Um dos aspectos muito interessante neste conto é de natureza formal. Em notas de rodapé há um contra-conto, que dialoga e complementa a história principal.<i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"></i></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Cão</i> é outra narrativa que aborda o universo homoerótico. Há dois homens que se entreolham e aparentemente desejam-se. Como metáfora, os cães de uma cidadezinha relacionam-se entre si, assim como os seres humanos, até mesmo se rejeitando. Mulheres também desfilam no ambiente, mas é no amor entre os homens que a história fixa-se. A narrativa segue uma linha de sugestões, sendo convocado o leitor como um dos personagens a complementar a história.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
O que, talvez, encante nos contos de Cafiero é a versatilidade do artifício narrativo. Em <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Visitante</i>, o autor coloca em destaque um homem do povo como narrador, ele é uma espécie de guia turístico nativo, desses que pedem dinheiro após explanar sobre a beleza de parte de sua cidade, “uma contribuição espontânea, uma boa tarde para todos, e pro senhor também, alguém se sente estimulado a contribuir, alguém?” Neste episódio, Cafiero, mostra pleno domínio da variedade narrativa. Apesar das onze páginas que compõem a história, toda ela é apresentada em um só período, observando-se o ponto final apenas no seu encerramento.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Pungência</b></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Não fale com o fantasma</i> e <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Jesus e os terríveis</i> são histórias que jogam presente e passado. Enquanto na primeira um homem frequenta um bar impossível de existir no momento presente (a palavra fantasma já remonta ao pretérito), na segunda o narrador descreve o momento em que, quando criança, destrói um objeto ornamental da sala de visitas da própria casa. O garoto apela ao seu imaginário, transformando Jesus, sua mãe e alguns apóstolos numa banda de rock. Este diálogo, entre o tempo em que o narrador conta a história e o tempo em que ela aconteceu, torna-se o estopim que desencadeará o desequilíbrio, isto é, o poético, produzindo uma pungência que transcende a narrativa.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Cavo varo</i> descreve um caso de necrofilia, também com um narrador em primeira pessoa falando a linguagem daqueles que trabalham nos institutos médicos legais da vida. Um homem muda de turno porque chega um “grampo”, vocábulo que designa cadáver no necrotério público (talvez comparação do ser humano aos animais comestíveis expostos antes da comercialização). Conto corajoso e muito bem-sucedido, não recomendado a pessoas sensíveis.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Os pulgões</i> e <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Manual do homem do tempo</i> são histórias marcadas pela solidão. O que fazer depois de se ver abandonado pela pessoa que a gente ama? Em ambos há uma espécie de esperança, de solução. Esta pode surgir a partir da imagem de uma criança que desce de elevador, no colo da mãe, e acena ao personagem, ou através do desaparecimento de uma praga que mata pouco a pouco as plantas no apartamento.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
O conto mais forte e mais revelador é o que dá nome ao livro, decisão acertada, já que o próprio livro concorreu ao prêmio Cidade de Belo Horizonte com outro título. Nesta pequena narrativa de seis páginas assistimos a um adolescente conversando com seu cão. Dentro da família, o animal de estimação parece ser o único interlocutor que ele possui. E não se trata da vida de um rebelde sem causa. O que pega o leitor de surpresa é o que o rapaz está prestes a fazer. Sem querer desmerecer as outras histórias, este conto vale por todo o livro, e deve ser lido com bastante atenção.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
O conto final, <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">A uhtima aventura do erohi — episohdio 13</i> (é assim mesmo a escrita), apresenta uma aparente brincadeira, que deve, no entanto, ser vista com muita seriedade. Na literatura contemporânea, muitos autores abandonaram a experimentação, talvez por certo temor (tão vanguarda ainda o modernismo, vide Miramar e Macunaíma), talvez pela necessidade de comercializarem seus livros. Mas, aqui, Cafiero envereda por um caminho tentador. A história é ambientada num futuro distante, período de tempo suficiente para a língua portuguesa ter mudado substancialmente, sobretudo na sua grafia, e o conteúdo versa sobre um texto do passado, escrito provavelmente no início do século 21 e encontrado por pesquisadores. Através de notas de rodapé (elas sempre estão presentes no texto de Cafiero), editores e organizadores do tal futuro discutem que espécie de texto é aquele que receberam para a publicação. Nos debates, uns dizem que se trata de um roteiro de reality show, enquanto outros afirmam ser o exemplo mais peculiar da literatura da época (literatura “uber-pohs-moderna brazileira”). Logo no início do conto, na “nota do editor”, está escrito: “nesta edisaum espesiau para leitores, foram mantidos os erhos e/ou neolojismos encontrados no documento orijinau, asim como as regras ortograhficas e gramaticais vijentes na ehpoca, incluindo o uso de asentuasaum grahfica, e todos os recursos de destaqe utilizados pelo autor, como caixa auta e subliniados”. Em seguida vem o texto escrito com a linguagem do nosso tempo, e sempre as notas com a escrita do tempo futuro.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
No panorama da literatura atual, os contos deste autor carioca revelam-se ousados, procurando temas prementes e mesmo desagradáveis — assuntos sobre os quais não desejamos pensar muito. Cafiero não segue o hiper-realismo gratuito, presente e esgotado em muitos autores que clamam pela autoexposição. O que consegue, de verdade, é voltar ao conceito original de literatura (perdoe-me a redundância), discuti-lo e mostrar que tal definição é sempre provisória. Ela equilibra-se sobre um fio tênue, um passo em falso e o abismo, prestes a tragar não apenas esta impossível arte feita de palavras, mas todo o universo da cultura.</div>
</div>
</h4>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-20500795270574705162015-07-14T13:06:00.002-03:002015-07-14T13:59:12.509-03:00Areia movediça<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<br />
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Em seu novo romance, <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">A casa cai</b>, Marcelo Backes retoma a tradição da narrativa urbana, iniciada na literatura brasileira no século 19. Um narrador em primeira pessoa apresenta-se logo no início do livro dizendo: “Parecia mesmo que eu não ia conseguir voar”, frase enigmática que nos remete a várias direções, prometendo uma narrativa altamente metafórica. Na verdade, este personagem e uma mulher, que pouco a pouco ocupa cada vez mais espaço em sua vida, estão no interior do Rio Grande do Sul e, dali, têm a intenção de retornar ao Rio de Janeiro.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
As quatro partes que compõem o livro são nomeadas: <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Final de 2011</i>, <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">hoje aurora</i>; <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">1968, Anteontem</i>; <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">2012, Sol a pino</i>; <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Início de 2013, hoje, crepúsculo</i>. Seguindo o curso de um dia, fazendo vez ou outra um flashback, o autor procura mostrar o desenvolvimento do personagem, de quem sabemos o nome apenas no final.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
O esdrúxulo protagonista pertencente à classe alta da sociedade aparentemente desiste das benesses que o dinheiro poderia lhe oferecer e ingressa num seminário em Petrópolis, onde permanece durante doze anos. A retirada do mundo, no entanto, não proporciona a ele maiores aprendizados, nem em relação à vida moral nem à social. Sua atitude pseudorreligiosa, segundo nos conta, foi uma atitude de vingança contra o pai, por tê-los abandonado, ele e a mãe, num apartamento em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro. Após a morte deste pai, o personagem, que é filho único, desiste do seminário e se volta à vida mundana, a desculpa é que precisa administrar sua herança. Ele descobre, então, que não precisará trabalhar; mas atitudes, como lidar com o advogado que administra o espólio e mesmo as operações com um simples cartão de banco, lhes são muito penosas.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Uma mulher chamada Lívia, com idade de ser sua mãe, inicialmente parece ser alguém interessada em ajudá-lo, mas logo depois passa a ser sua namorada e, mais adiante, sua esposa. A seguir, somos informados que ela também fora uma espécie de amante ou namorada do pai deste narrador. Portanto, ele não herda apenas o dinheiro e as propriedades, mas também a ex-mulher de seu pai.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
É sempre positivo que a literatura investigue as mazelas sociais, de preferência quando elas vêm à tona a partir do ponto de vista de um personagem pertencente à elite. Pouco a pouco, através da investigação num cofre que permanecia trancado no apartamento em que o pai morou até falecer, na Delfim Moreira, avenida litorânea situada no Leblon, o protagonista descobre várias ações nada legais levadas a cabo por seu progenitor junto com políticos desonestos e outras pessoas inidôneas, a intenção era enriquecer ilicitamente. Todas essas ações têm a ver com a expansão do mercado imobiliário do Rio de janeiro a partir dos anos 1960. Tais pessoas promoviam a valorização artificial de terrenos e imóveis da zona sul da cidade, chegando a ponto de se tornarem mandantes de incêndios criminosos ocorridos nas favelas, atitudes que visavam à consequente remoção da população de baixa renda para bairros afastados possibilitando, assim, a construção de condomínios de luxo nos terrenos desocupados.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Verdadeiros abutres</b></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Na tradição literária brasileira, quando deparamos com romances que apresentam personagens ligados à elite, não podemos esquecer Machado de Assis com seus dois principais livros,<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Memórias póstumas</b> e <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Dom Casmurro</b>, em que ele narra os desmandos e as mazelas praticadas por irresponsáveis que se achavam todo-poderosos. Em <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">A casa cai</b>, Marcelo Backes tenta nos passar a mesma problemática. Outro livro importante, que pode ter servido de modelo para retratar as angústias vividas por alguns personagens deste livro é <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Crônica da casa assassinada</b>, de Lúcio Cardoso, muito embora em Cardoso a introspecção seja bem maior do que no livro de Backes, e nos livros de Machado a transcendência e a pungência de alguns personagens sejam mais acentuadas e reveladoras. Em meio a uma sociedade plena de distorções, a classe A, residente na zona sul, principalmente em Ipanema e Leblon, passeia por vernissages, coquetéis e exposições de artes. Nomes de vários artistas contemporâneos desfilam pelo livro, juntamente com referências às obras de arte produzidas por eles. Nota-se certa ironia em relação ao panorama artístico brasileiro e mundial. O narrador, quando está entediado, viaja pelo mundo, e aproveita para criticar, assim como faz em relação aos seus conterrâneos, o modo de vida das pessoas de outros países. Em certa passagem do romance, ele resolve tomar um ônibus para ir à favela conhecida como Rocinha, que também fica na zona sul do Rio, local onde teria nascido sua mãe. É cômica a viagem que empreende pelo morro, tonando-se ele objeto de escárnio não só pelo modo como está vestido — uma espécie de dândi contemporâneo — como também a se surpreender a cada momento com as atitudes mais comezinhas da população local. Apesar de criticar o pai, o personagem passa a agir da mesma forma que ele, tornando-se, ele e seu advogado, verdadeiros abutres.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
O livro, em sua estrutura, é bem construído, revelando que o autor conhece a carpintaria romanesca. Outro ponto positivo é que se trata de obra ambiciosa, até certo ponto extensa, fato incomum entre os ficcionistas brasileiros contemporâneos. O principal ponto desfavorável é que o romance, em vários momentos, torna-se pretensioso. Talvez por Backes ser ótimo tradutor, tendo obtido o grau de doutor em germanística e romanística na Alemanha, por já ter vertido ao português grande parte do que há de mais canônico na literatura alemã e mundial, tenha se deixado enfeitiçar pelo excesso de erudição. Seu livro é pleno de referências a obras de artes, a doutrinas religiosas, a obras literárias de autores consagrados, à filosofia (até Nietzsche dá as caras), e a curiosidades de outras culturas. Há também referências a acontecimentos que frequentaram as páginas da imprensa nos últimos dois ou três anos, como o incêndio de uma boate no Rio Grande do Sul e o desabamento de um prédio no centro do Rio, entre outros acontecimentos, o que torna o texto datado. A linguagem utilizada pelo narrador ora trafega num misto de variante chula da língua portuguesa, utilizando palavrões em excesso, ora numa tentativa de demonstrar erudição. Talvez do ponto de vista da construção do personagem, a verossimilhança não esteja adequada. Mesmo se tratando de alguém oriundo de um seminário, onde se estuda a vida do espírito, suas atitudes em relação à vida prática são ingênuas demais. Um personagem de tal monta, pertencente às classes abastadas, agiria com mais dissimulação e não cometeria os exagerados e imprudentes atos inverossímeis que permeiam o romance, sobretudo o praticado por ele no final. Os ricos não são ingênuos. É isso que destoa no comportamento deste conflituoso (no mal sentido) narrador.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
A leitura deste livro não é para qualquer um, é preciso estar consciente de que a literatura não está para nos causar apenas prazer, mas muitas vezes para nos aborrecer, e tento dizer isto no sentido mais positivo possível.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
“Parecia mesmo que eu não ia conseguir voar”, voltando à frase inicial, pode-se dizer que Marcelo Backes, com este seu novo romance, conseguiu voar sim, mas é preciso lembrar que todo voo pressupõe uma rota a seguir. Em literatura, isto significa que não se pode falar de todos os assuntos ao mesmo tempo.</div>
</div>
</h4>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-45087339273873919442015-07-14T13:05:00.000-03:002015-07-14T13:13:57.214-03:00Perto do bruxo<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Ilusão e mentira</b>, de Godofredo de Oliveira Neto, é um livro composto por duas novelas; a primeira, <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">O galo Adamastor</i>; a segunda, <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Val e Lalinha</i>. Ambas, inseridas na tradição da novelística brasileira, bebem em fontes machadianas. <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">O galo</i> baseia-se em <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Ideias de canário</i>, <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Val e Lalinha</i> em <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Dom Casmurro</b>. A estrutura também não foge ao estilo de Machado de Assis, com capítulos curtos, diálogos e muita ironia. O que Godofredo acrescenta é uma inovação do ponto de vista do narrador.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
A primeira novela começa com um narrador em primeira pessoa descrevendo o personagem Miguel Santos, que seria web designer na vida profissional, mas nos alerta: “O designer, se não caiu inteiro na loucura, se aproxima perigosamente desse estado psíquico. Não há reunião ou encontro casual nas ruas em que ele não conte a mesma história do galo Adamastor”. A partir do segundo capítulo é da voz do delirante personagem que virão todos os acontecimentos. O narrador inicial retorna apenas no último capítulo, o décimo quarto, para fazer uma espécie de conclusão da narrativa.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Em <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Ideias de canário</i>, de Machado de Assis, há um pássaro falante, que discute com um homem sobre o que seria a liberdade: “O mundo, redarguiu o canário com certo ar de professor, o mundo é uma loja de Belchior, com uma pequena gaiola de taquara, quadrilonga, pendente de um prego; o canário é o senhor da gaiola que habita e da loja que o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira”. Este tema será retomado pelo galo de briga Adamastor, um imponente galo inglês fujão, que também discute o mesmo tema com o seu novo dono, Miguel Santos.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Além de abordar a liberdade, temática que norteia as organizações sociais humanas e que sabemos nunca ser total, Godofredo também coloca em questão a reescrita de narrativas, mostrando que sempre é possível “alargar”, ou tornar mais extensa a discussão. Na história de rua, narrada pelo impressionante personagem, há referências às novas tecnologias, como celulares e <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">tablets</i>, à<i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">internet</i> e às redes sociais. É interessante que, entre os ouvintes deste contador de histórias oriundo da cultura popular, estão excluídas (outra questão boa para se discutir na contemporaneidade) as crianças e os adolescentes que “zombam e riem do ‘lunático de circo’, como tive a oportunidade de ouvir uma vez de um grupo de adolescente com o fio do <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">iPod</i> grudado às orelhas e trajando uniforme de uma escola das cercanias”. Estaria o escritor nos alertando sobre o futuro da literatura ou seria mais uma das ironias bem ao estilo machadiano?</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
O que se pode criticar, nesta novela, é certo prosaísmo nas palavras do narrador circense. Ele utiliza poucas palavras do vocabulário popular e envereda pela norma culta da língua portuguesa. Em alguns momentos, utiliza o verbo no mais-que-perfeito. Seria esta opção também uma sátira aos artistas de rua contemporâneos?</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Artifício narrativo</b><br />
Já na segunda novela, <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Val e Lalinha</i>, a marca mais forte também é o artifício narrativo. Trata-se de um idoso, aposentado, que trabalhou a vida inteira como amanuense “numa instituição penal reservada a mulheres”. Ele gravava o depoimento das presas num velho aparelho <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Grundig</i> e guardava as fitas. No final da vida tem as gravações, mas devido ao clima úmido da cidade do Rio de Janeiro e das “peraltices” dos netos já não consegue ouvi-las. Ao completar noventa anos, ganha de uma sobrinha solteirona uma gravação recente obtida numa dessas instituições. “Transcrevo-a com a certeza de que os leitores farão dela bom uso.” O preâmbulo da narrativa, na voz do ex-amanuense, ocupa um parágrafo de quatorze linhas. O restante é a transcrição do diálogo entre uma presidiária e uma psicóloga judicial.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
O clima machadiano é ressaltado por uma citação retirada de <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Dom Casmurro</b> e apresentada no início da novela: “Releva-me estas metáforas; cheiram ao mar e à maré que deram morte ao meu amigo e comborço Escobar. Cheiram também aos olhos de ressaca de Capitu”. A epígrafe indicia o rumo da narrativa. Laudelina Santos Pacheco da Costa Souza, mais conhecida como Lalinha, praticara um homicídio; sua vítima, outra mulher, Valéria, chamada pelos vizinhos de Val. As duas disputavam o mesmo homem. Lalinha, mais velha; Val, uma adolescente que de repente tomou corpo de mulherão e caiu nas graças de Jonas, o amante de Lalinha.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Durante todo o diálogo, Lalinha conta seu passado e o modifica de acordo com o andar da carruagem. Isso acontece quando descobre pela voz da psicóloga que tanto Jonas quanto Edu, que também vivera com ela, receberam ordem de prisão. É preciso ressaltar que as duas mulheres moravam numa favela e que o crime aconteceu num beco. Outro ponto importante é que tanto Edu como Jonas são traficantes de drogas.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Godofredo encontra boas soluções em relação à linguagem de Lalinha, que não se mostra caricatural. Ela diz que estudou até o segundo ano do ensino médio, e que era ótima aluna. Por isso suas palavras são um pouco diferentes daquelas que sairiam da boca de uma autêntica favelada. Como se trata de literatura, acabamos aceitando a solução. Outro ponto introduzido pelo autor no decorrer dessa conversa judiciária é a presença de um diário escrito pela mulher acusada de assassinato. Ele se torna mais um artifício narrativo. Sua presença mostra que, enquanto escreve, Lalinha não comete crimes ou delitos. Godofredo acaba por nos dizer que o escritor realiza na literatura aquilo que não lhe seria permitido na vida real.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Além da temática machadiana, há também ares rodriguianos: “[...] o amor parece que traz mais infelicidade do que alegria. É bom por um lado mas machuca por outro, aperta o peito da gente, meio assim, uma coisa assim”, diz Lalinha. Nelson sempre afirmou que não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Dois aspectos discutidos por Godofredo em seu livro acabam proporcionando ao leitor bons motivos para refletir sobre o momento em que vivemos. O primeiro deles é a sobrevivência da narrativa popular. Até que ponto, em meio a inúmeros meios a servirem de canal para se contar uma história, o narrador, sobretudo o baseado na oralidade, pode sobreviver enquanto contador de histórias? O outro ponto é a interferência da tecnologia tanto na transmissão das histórias quanto como artifício narrativo. Na primeira novela, o personagem Miguel nos fala sobre celulares, <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">tablets</i>,<i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">iPods</i> e computadores; na segunda, há menção a um gravador <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Grundig</i> e suas fitas correspondentes, vem de acréscimo outra gravação, esta mais recente, que tem como objetivo preencher o tempo que resta de vida a um nonagenário.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Portanto, além de demonstrar o quanto os clássicos podem influenciar na literatura da contemporaneidade, Godofredo de Oliveira Neto nos dá de acréscimo toda uma discussão a respeito da sobrevivência ou não da literatura em meio ao incremento — maior a cada dia — do aparato tecnológico. No final, compreendemos o tanto que a voz melódica do galo Adamastor, a locução circense de Miguel Santos e a dicção ardilosa e dolorida de Lalinha se complementam e nos encantam, afirmando a supremacia da palavra no ato de contar histórias.</div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-36386243604459603312015-03-31T10:52:00.003-03:002015-03-31T10:52:53.783-03:00Bonecas nem tão bonecas<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle">
Bonecas russas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle">
Eliana Cardoso<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle">
Companhia das Letras<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle">
97 páginas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Eliana Cardoso traz à
cena mulheres que protagonizam seus próprios destinos<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O ser humano é um ser cultural, vive sempre criando
transcendências, sentidos e significados que vão além do caráter utilitário de
cada objeto – os próprios objetos em si tem seu fundamento metafísico. E a
literatura é a medida desse mundo da cultura, da transcendência. Mesmo que não
se queira mergulhar fundo, a atividade de escrita acaba por revelar conceitos
que estão muito além daquilo que pensamos quando escrevemos. Apenas por isso,
já se pode perceber a necessidade da imaginação. O consequente ato de contar
histórias não está dissociado deste universo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Outro fato interessante é que acabam sendo nomeadas como
arte e, no nosso caso, como literatura as obras que tocam o caráter trágico da
existência humana. Os personagens temperamentais, soturnos, que pouco sorriem,
normalmente são os que permanecem. Corrobora esse conceito os livros de Dante,
Shakespeare e Dostoievski, entre outros. O próprio personagem que visita as
três esferas, na Divina Comédia, Hamlet ou mesmo Otelo, Ivan ou Dimitri
Karamazov, são personagens pungentes e trágicos. Como situar a literatura da
sutileza nessa marcha conturbada de personagens que habitam a literatura
universal?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Acredito que haja resposta plausível. Na sutileza também é
possível encontrar o nível trágico da existência. Sua representação, portanto,
não se tornará menor. É o que acontece no romance <i>Bonecas Russas</i>, de Eliana Cardoso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A narrativa, que aborda a vida de várias mulheres, começa
com as duas primas, Leda e Lola, num diálogo em que, como revela o título do
capítulo, Leda aparece nua. Mas ambas já não são jovens. Leda pergunta à Lola:
“Quero saber o que você vê”, e Lola prontamente responde: “Uma velha pelada.”
Este início imprime à narrativa certa desmistificação a respeito do corpo
feminino e, ao mesmo tempo, insere a sutileza como componente catalizador do
que se poderia nomear de trágico. Adotando tal artifício, a autora não apenas
se contrapõe ao conceito contemporâneo de beleza e a como as mulheres são
vistas na sociedade, mas acaba conduzindo o leitor a um patamar acima, fazendo-o
flertar com o trágico, pois o envelhecimento e o perecimento estão à vista. No
âmbito da história, este desnudamento – podemos entender assim a alegoria – arrasta
consigo importantes consequências. As mulheres não serão somente microcosmos da
humanidade, mas se mostrarão nuas também em relação aos seus sentimentos e
angústias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Apesar de o romance começar com uma quase brincadeira, pouco
a pouco ele se vai revelando de uma intensa seriedade. O retorno à infância de
Leda e a descrição do mundo dos adultos sob a perspectiva de uma criança
alimentam buscas a tempo e atitudes perdidos. Estes, logicamente, não podem ser
recuperados. Sua mãe, Francisca, foi uma artista plástica, uma ceramista, e
Leda vivia em meio às obras de artes produzidas por ela. Mas a mulher não lhe dava
atenção, acabou trocando marido e filha pelo amante e partindo a seguir para o
exterior. Morando na França, onde permaneceu até o fim da vida, Francisca verá
a filha apenas uma única vez. Leda a visitará quando já adulta. E essa visita
acontece no mesmo ano em que Francisca vem a falecer. É um momento pungente da
narrativa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Dentre as possíveis leituras que o romance oferece, há a
trajetória das mulheres, suas escolhas e tentativas de serem donas do próprio
destino. Uma velha questão é abordada aqui. Como amar sem que o casamento ou a
maternidade escravize essas mesmas mulheres? Muitas vezes, no afã de optar pela
realização do desejo, elas são tomadas pela culpa, da qual jamais conseguirão
livrar-se. É o caso de Francisca em relação à Leda. Outro fator é que a
juventude um dia acaba, e todas as pessoas precisam se defrontar com os danos
causados pelo passar dos anos, sobretudo quando se começa e envelhecer e é
necessária a convivência com a juventude e o vigor presentes na nova geração.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br />
Quanto à forma, o romance é dividido em vinte capítulos,
todos com títulos, e construído por várias vozes. Quase todos os personagens
principais, e são muitos, têm o seu momento de narrador. Há também capítulos
compostos por com cartas e mensagens de e-mails. Essa estratégia torna a
narrativa difusa, acentuando as características de cada personagem e ressaltaltando
a fragmentação, já discutida e sempre retomada na literatura desde o início do
século 20.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O fantástico também se apresenta num dos capítulos do livro,
narrado a partir da perspectiva de Leda, que sempre gostou de inventar histórias.
Eis o resumo do trecho. Leda visita um excêntrico padre chamado Mateus, que
teima em afirmar que conversa com anjos e arcanjos. Em uma das histórias, os
anjos aglomeram-se sobre a cabeça de um alfinete e se põe a formar uma incrível
escada, o desafio maior é que mantenham a formação, uns sobre os outros. O fato
é possível enquanto do aparelho de som vem a música de Noel Rosa “Com que roupa”.
Aqui, por incrível que pareça, a autora procura desenvolver uma sedutora tese
sobre o tempo e o espaço: “o espaço não só pode ser multiplicado como também
dividido infinitamente, sem que se chegue ao nada. Bastava lembrar que era
possível dividir o tempo sem se chegar ao tempo zero e dividir o movimento sem
se chegar ao repouso.” No final das contas 308.428 anjos posicionam-se sobre a
cabeça de um alfinete. A alegoria pode ser interpretada de várias maneiras,
sobretudo num momento delicado para a instituição religiosa conhecida como
Igreja Católica Apostólica Romana. Mas o padre mantém a fantasia de Leda,
conversa com os seres invisíveis e traduz a conversa para ela. No final, a
ainda menina chega à conclusão de que ele acabaria expulso da igreja por
promover heresias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A metalinguagem é uma questão que tem sido trazida à tona em
muitas obras de arte, sobretudo quando se trata de literatura. Por outro lado,
há autores em que este artifício passa despercebido, privilegiando os
acontecimentos e conflitos com o intuito de manter o leitor preso ao enredo. Mas
neste romance, tal como a exposição do corpo feminino apresentado no início da
narrativa, a metalinguagem está a martelar sua presença exibindo-se cada vez de
modo mais intenso. Isso ocorre quando a história é centrada na imagem de Leda,
que está a escrever um diário ou, de modo mais amplo, quando a autora usa a
narrativa para falar sobre arte. Há também muitas menções a escritores e
artistas plásticos. Esta atitude gera duas consequências. A primeira é que a
narrativa pode ser permeada pela beleza das obras descritas, criando uma
atmosfera de requinte ao romance. A segunda consequência é temerária, porque
pode denotar certa insuficiência narrativa compensada com a referência a tais
obras. No livro de Eliana Cardoso há referências excessivas às artes, fato que
frequentemente desvia o foco do que está acontecendo. Portanto, cabe ao leitor
julgar a pertinência ou não da estratégia da escritora. Grande parte dos
autores da atualidade tende a abandonar o recurso da metalinguagem por acreditarem
que seu uso tornou-se desgastado nos últimos anos, pois inúmeras obras perderam
o sentido porque passaram a ter como foco elas mesmas. Por outro lado, um
exemplo de pertinência é a novela “Max Ferber”, de W. G. Sebald, em <i>Os emigrantes</i>. Nesse livro, no entanto,
a presença do pintor alemão com sua arte fuliginosa é o retrato da tragédia que
se abateu sobre sua família e sobre grande parte da Europa em meados do século
20.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eliana Cardoso<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nasceu em Belo Horizonte. Formou-se em economia na
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, concluiu o mestrado na
Universidade de Brasília e o doutorado em economia no Instituto de Tecnologia
de Massachusetts (MIT). Trabalhou para o Banco Mundial na China, na Índia, no
Paquistão, entre outros países da Ásia, e foi professora da Fundação Getúlio
Vargas (FGV). É autora de outros nove livros e tem mais de quarenta trabalhos
publicados em revistas acadêmicas. Atualmente é colunista do <i>Valor Econômico</i> e mora em São Paulo. <i>Bonecas Russas</i> é o seu primeiro livro de
ficção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Trecho:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Fui visitá-la em 2007 numa viagem a Paris.
Ela continuava elegante e se perfumou para caminhar comigo nos jardins de
Luxemburgo. Parecia mais jovem do que eu. Ainda gostava de ostras e champanha.
Tinha abandonado a cerâmica a pedido de “cher”, que perdera o “mon” e o “e”
prolongado. Perguntei sobre o vaso violeta e ela se mostrou surpresa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
– Rosália nunca mencionou a falta de um
vaso no vernissage. A exposição foi um sucesso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E se calou, fechada em lembranças nas quais
eu não estava. <i>Suamãe</i> morreu naquele
mesmo 2007. De repente. Como um vaso de barro que voa, rodopia no ar e se
estilhaça com a queda. Ainda hoje dói não ter sabido fazê-la minha.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Haron Gamal</div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-51966122318117863842015-02-26T18:45:00.004-03:002015-03-31T10:53:08.608-03:00Melancolia em trânsito<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">Alexandre V. Porto expõe à luz as angústias de um psiquiatra</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">HARON GAMAL</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">A literatura contemporânea segue por diversas vias. Alguns autores trazem para as letras a experiência autobiográfica, insuflando ares literários à história da própria vida; outros seguem o percurso da História, apresentando personagens ora reais ora fictícios; e há aqueles que optam pela via expressa da ficção, mostrando que não há mal algum em continuar inventando histórias. Além disso, poderiam dizer que dessas histórias possivelmente serão tiradas as teorias mais tarde estudadas pela filosofia, psicologia e, quem sabe, psicanálise. O livro de Alexandre Vidal Porto pertence a esta última.</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">Sérgio Y. vai à América (vencedor do Prêmio Paraná 2012) é um romance intrigante por vários motivos. O primeiro deles é porque aborda o dia a dia de um psiquiatra, o tratamento e a vida de um de seus pacientes. Tarefa difícil do ponto de vista do escritor, já que Alexandre não exerce a profissão de médico. Seu narrador, no entanto, descreve a clínica psiquiátrica com requinte. O outro motivo é porque o romance fala de personagens em trânsito. Isso mesmo, e essa palavra precisa ser reiterada. Num primeiro sentido, trata-se do trânsito entre as distâncias a serem percorridas pelas pessoas, já que muitas delas escolheram o caminho da imigração, tema abordado durante boa parte da narrativa. O segundo sentido, dentro do constante deslocamento que é a própria literatura, enfoca uma questão até certo ponto tabu, e muito discutida nos dias de hoje. A possibilidade de escolha da própria sexualidade. Na narrativa, o tema aparece em duas oportunidades e em relação a dois personagens distintos.</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">O livro começa com o narrador contando a história de sua vida. “Como falarei da vida alheia, é justo que também fale da minha. Meu nome é Armando. [...] Aparento mais idade do que tenho. Mas esta velhice precoce é comum entre os psiquiatras. Absorvemos os problemas dos pacientes. Envelhecemos por eles.” A partir deste segmento, o autor faz o personagem contar sobre sua vida pregressa, passando pelos pais, e o caminho que seguiu até se formar como médico. Armando é uma pessoa altamente preparada, tendo feito residência nos Estados Unidos, já tem setenta anos de idade e pode se dar ao luxo de atender em seu consultório apenas quem deseja. Como ele mesmo afirma: pacientes que lhe despertam interesse.</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">Mas a vida deste médico começa a mudar quando aparece no seu consultório o personagem que ele nomeia de Sérgio Y., um rapaz de dezessete anos. “Quero deixar claro que não gostaria, a esta altura da vida, de expor a intimidade de uma pessoa que confiou sua privacidade a mim. No entanto, se comento esse caso clínico e, de alguma maneira, falto com meu juramento profissional, é pela mais meritória das razões.” A partir deste trecho, Armando passa a relatar um interessante caso que clinicou.</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">Felicidade mínima</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">O jovem aparece por recomendação da diretora da escola onde estuda, uma antiga conhecida do psiquiatra. Não há nada demais com ele, apenas “queria garantir um futuro minimamente feliz”.</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">Sérgio frequenta algumas sessões. Num determinado dia, anuncia que vai passar uma temporada em Nova York. Cumpre o seu projeto. A viagem parece lhe fazer um bem imenso. Ao voltar, vai a mais uma ou duas sessões e anuncia que deixará o tratamento, pois o que procurava por meio da terapia já havia conseguido. Segundo ele, o psiquiatra lhe revelara algo que o fez tomar uma determinada decisão. Só que Sérgio não revela ao médico que palavras deste o ajudaram ver a vida com outros olhos. O rapaz, então, embarca em definitivo para a América e lá espera alcançar a sua felicidade. Somente alguns anos depois é que o Dr. Armando saberá o significado de tal felicidade.</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">Na vida do médico, a cidade de São Paulo aparece como pano de fundo, trazendo como lastro todos os seus problemas, como os de trânsito e os das enchentes. Armando observa esta paisagem do alto do edifício onde fica o seu consultório.</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">O livro se divide em duas dezenas de capítulos, todos com títulos que, de certa forma, insinuam o que será discutido em cada um deles. Um dos pontos essenciais do livro é a culpa que o psiquiatra passa a carregar a partir do momento em que descobre ter sido o responsável pelo que aconteceu ao seu paciente. Na verdade, uma das questões prementes no livro é a seguinte: qual a responsabilidade do terapeuta no destino de seu paciente? Pergunta incômoda em um mundo inundado cada vez mais por diversas formas de tratamentos, cujos profissionais lavam as mãos em relação ao futuro de quem atendem. Mas esse não é o caso do Dr. Armando. E essa é a deixa para entender talvez a única fragilidade do romance, o que é um médico nas mãos de um romancista.</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">Outro ponto interessante do livro é o estranhamento produzido pela transgressão à ideologia. A história narrada por Alexandre Vidal Porto, como aborda a questão da transexualidade, acaba por apontar o desconforto que o tema comporta. Mesmo numa sociedade em que o direito das minorias está assegurado (pelo menos no mundo desenvolvido), e que convivem pessoas esclarecidas, como o Dr. Armando, tal aceitação ainda é problemática.</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">O livro não deixa de observar que, no passado, a opção pela sexualidade desejada também era exercida, mas de forma disfarçada. E a sociedade, quando tinha conhecimento de algum caso, agia com hipocrisia se o envolvido era membro de sua família, e com escárnio caso se tratasse de família alheia.</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">Não faz muito tempo Lars Von Trier estreou o seu filme Melancolia. O cineasta dinamarquês nomeou simbolicamente de “Melancolia” um planeta que estava prestes a colidir com a Terra, levando, em consequência, a vida humana à extinção. Na verdade, segundo o autor, é a melancolia que pouco a pouco acaba com a vida das pessoas. Embora de outro modo, Vidal Porto aborda o tema, que é caro à psicanálise. Em Sérgio Y. vai à América uma forte dose de melancolia ronda todos os personagens, sobretudo o protagonista. Armando é oriundo de uma família respeitada, possuidor de recursos que a maioria dos cidadãos não usufrui, estudou nos Estados Unidos, possui uma filha que também trilha o caminho do sucesso; portanto, tem tudo para ser feliz. Não é isso, no entanto, o que acontece. Ele é um homem solitário, sem diálogo com a maioria das pessoas, e melancólico. Uma das poucas interlocuções que estabelece à sua volta é a prática da profissão. O personagem não tem a solução para o mal que o espreita e que, de certa forma, lhe corrói a alma.</span></span></h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, Times New Roman, Times, serif;"><span style="font-weight: normal; line-height: 16px;">A viagem de Sérgio Y. revela-se sem volta para o Dr. Armando, cuja vida afunila-se após o aparecimento e desaparecimento do paciente. É a literatura — sendo ela também um deslocamento — quase a perguntar: é possível a obra de arte salvar uma pessoa do enlouquecimento?</span></span></h4>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-9621666436757068722015-01-19T18:30:00.000-02:002015-01-19T18:30:29.152-02:00<h2 class="review_title" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 40px; font-weight: normal; line-height: 40px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
A arma possível</h2>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
“Safári”, romance de Luís Dill, discute a banalização da violência</h4>
<div class="author" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; clear: both; color: #111111; font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 12px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px 0px 20px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/?post_type=autor&p=17401" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: url(http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/themes/rascunho/style/images/hash_body.png); background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Tahoma, Geneva, sans-serif; line-height: 20px; margin: 0px 15px 0px 0px; padding: 0px 5px; text-decoration: none; vertical-align: baseline; width: auto;">HARON GAMAL</a></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Obras literárias sempre refletiram as intempéries de seu tempo. Entre nossos autores, é possível observar que, mesmo em períodos de relativa estabilidade política, econômica e social, contos, romances e poemas colocaram em questão os problemas mais prementes da época. Foi assim com José de Alencar e Machado de Assis. O primeiro criando um romance que estabelecia uma nova ordem brasileira sobre o poder e o modo de vida portugueses, de quem estávamos recém-libertos; o segundo, dando universalidade a uma vida de província. Castro Alves foi outro mestre neste caminho, soube alçar a escravidão ao patamar estético, ao mesmo tempo que seus poemas municiavam a sociedade pela abolição. Com os modernistas o engajamento continuou de modo ainda mais intenso. Lutou-se diretamente contra o colonizador estrangeiro, personificado no vilão de Macunaíma. Nos romances regionalistas dos anos 1930, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e mesmo um José Lins não se esqueceram de dirigir suas penas contra o atraso político, social e econômico a que era submetida grande parte da população brasileira.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Na contemporaneidade às vezes se chega a pensar que a literatura sucumbiu ao poder do dinheiro, levando escritores a construírem histórias mais amenas e de forte apelo mercadológico, com narrativas que envolvem mistério e magia, em que poderes ocultos teriam capacidade de livrar os humanos dos “diabólicos azares”.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Esta arte feita de palavras, no entanto, mesmo desfeitas as ilusões, jamais renunciou ao desejo de realizar alguma utopia. Sua própria existência é até certo ponto utópica. Hoje se sabe que não é possível através de narrativas, poemas ou dramaturgia mudar a economia, ou livrar o povo de tiranos. Para que isso aconteça é necessário outro tipo de preparo. Mesmo assim continuam-se escrevendo romances, novelas, contos e poemas que trazem à tona o desejo de esquadrinhar o presente e, já que não é possível apontar soluções, ao menos tocar na ferida, para que sangre de modo mais intenso.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
É isso que se percebe após a leitura de <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Safári</b>, de Luís Dill, um romance que nos faz mergulhar no cerne da violência urbana das grandes e pequenas cidades brasileiras e, quem sabe, também na de cidades de países desenvolvidos.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Trata-se de um romance bem urdido, em que convivem em harmonia duas vozes narrativas. A primeira, aparentemente impessoal, nos traz a trama; a segunda apresenta as reflexões e reminiscências de um narrador em primeira pessoa.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
O enredo tem como foco principal uma conceituada firma de advocacia cujo escritório localiza-se num prédio próximo a uma favela conhecida como Vila da Fumaça. Tal proximidade trará à luz as contradições existentes entre uma classe favorecida e outra pobre ao extremo. Esta, se não vive da criminalidade, precisa pelo menos conviver com ela. Sem dizer o nome da cidade onde a história transcorre, o autor coloca em questão o difícil relacionamento entre as várias camadas da população nas cidades, fato sempre mascarado pelos meios de comunicação, os quais gostam de semear a ideia de que em nosso país não existem preconceitos e, caso isso aconteça, são logo combatidos. A suposta igualdade de condições provoca a ira de segmentos mais abastados. Eles gostariam dos pobres longe da sua vizinhança. Outro aspecto discutido pelo livro é a facilidade de se conseguir armas, privilégio para os mais variados segmentos sociais. E neste livro não são apenas os traficantes que gostam de ostentar o poder de suas pistolas e fuzis. Trata-se de um romance que não é agradável aos espíritos mais sensíveis.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Força da ideologia</b>Já no início, o leitor é capaz de perceber a força da ideologia dominante a estabelecer comportamentos individuais extremamente bélicos. Nada a ver com a nossa luta política nem com ditaduras passadas. Trata-se de um embate em que o Direito leva a desvantagem, ficando a solução nas mãos da violência.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Desfilam ante nossos olhos uma fauna humana composta por pessoas de todas as classes sociais. A mais alta, no entanto, é a mais cruel. Como contraponto, Dill cria um personagem às avessas, um detetive verdadeiramente romanesco, que vai proporcionar alento ao sofrido leitor.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Quando se termina a leitura, pode-se chegar à conclusão de que qualquer narcotraficante, mesmo municiado pelas armas mais letais, estará abaixo do ardil e da sagacidade daqueles que tiveram acesso aos bens da alta cultura e os tomaram em proveito próprio.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Outro ponto importante revelado é a hierarquia de valores seguida por seus personagens. Sem querer estigmatizar qualquer tipo de cultura ou de reiterar o lugar-comum de criticar o modelo de vida norte-americano, o romance discute a obrigação de se ter de ganhar cada vez mais dinheiro, mesmo que seja necessário assassinar a ex-mulher para não se fazer a partilha dos bens. O resultado disso tudo é o estabelecimento de uma sociedade onde a competição atingiu tamanha magnitude que, sem exagero algum, podemos chamá-la de militar. Tal atitude provoca nas pessoas comportamentos similares, como num efeito dominó. Assim, não surpreende a possante arma usada por um dos personagens, com a qual exercita a sua justiça.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
A literatura sempre fracassou quando tentou mudar o mundo. Seus autores são melhores na descrição de cenários e na narração da barbárie, mesmo que perpetrada por agentes da civilização. Ela também não é a droga vendida e transportada pela tele-entrega dos traficantes deste <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Safári</b>. Nem é o projétil que sai certeiro da arma do atirador travestido de advogado.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Portanto, mesmo que o leitor sinta-se saturado da violência apresentada todas as noites nos telejornais, o livro de Dill não se mostra redundante. Ele serve como o fio de Ariadne, artefato que torna a arte essencial. O leitor que segui-lo com honestidade poderá transformar o seu modo de olhar o mundo. Aqui talvez entre o papel fundamental da literatura, que é o de revelar. O que fazer a partir dessa revelação é que se torna o grande problema.</div>
<img alt="" class="article_end" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/themes/rascunho/style/images/articleend_body.png" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: right; font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 12px; margin: 0px 15px 0px 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" />Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-31085183912433904662014-11-15T16:39:00.001-02:002014-11-15T16:41:33.066-02:00O poeta e a revolução<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
</h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
Em “Terra avulsa”, Altair Martins suspende o tempo cronológico e estabelece um universo atemporal</h4>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 16px; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
Haron Gamal</h4>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Altair Martins, em <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Terra avulsa</b>, constrói um personagem que se desdobra em vários outros. Este artifício, apesar de não ser novo na literatura, torna o livro muito interessante. Pedro Vicente é um tradutor que verte livros do espanhol para o português, e um desses livros é <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Arena viva</b><i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">,</i> de Javier Lucerna. Aqui cabem duas observações. A primeira é sobre Lucerna. Trata-se de um poeta nicaraguense nascido em Somoto, que lutou pela revolução sandinista. A segunda é sobre <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Arena viva</b>. Como o próprio autor explica em nota, é “um dos raros livros verdadeiramente de memória,<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Arena viva</b> foi escrito pelo recordar dos outros”. Ao mesmo tempo, este narrador em primeira pessoa, escreve um livro de poemas em parceria com Eudora, uma espécie de funcionária executiva da editora para a qual ele trabalha. A parceria entre ambos consiste na elaboração de um livro onde convivam imagens e poemas. Ele escreve poemas sobre objetos fotografados por Eudora. Os poemas e os objetos também aparecem no romance provocando uma bem-sucedida subversão da narrativa tradicional e o estabelecimento de um gênero misto, que na história da literatura às vezes acaba por deixar a palavra em segundo plano. Mas, em <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Terra avulsa</b>, isso não ocorre. As fotografias são propositalmente prosaicas; a poesia, no entanto, supera e transcende esse prosaísmo. Tentativas vanguardistas na literatura brasileira não são novidades. Um autor contemporâneo que se saiu bem ao estabelecer uma narrativa até certo ponto experimental é Luiz Ruffato. No final do século 20, ainda encontramos a pena furiosa de Ignácio de Loyola Brandão.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Pedro Vicente, o narrador, é uma pessoa reclusa, comportamento que se radicaliza, sobretudo, depois de sofrer um assalto praticado por uma dupla que vem em uma motocicleta. Roubam-lhe pouco dinheiro. O grande prejuízo, no entanto, é que lhe roubam não apenas os documentos, mas a própria identidade. O ladrão, apelidado de Rato pela vítima devido à semelhança ao Mickey Mouse, não apenas usará o documento do poeta, como também se utilizará de um poema encontrado junto aos objetos que estavam na mochila de Pedro, passando-se pelo autor. Munido de tal arma, conquistará Isabel, a balconista de uma farmácia. A partir desse episódio, narrador e ladrão farão uma viagem pelo universo da literatura.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Além de traduzir o livro de Lucerna, Pedro Vicente, de certa forma, assume a identidade do poeta, constituindo assim mais um duplo. Eis o início do livro: “de vez em quando me ocorre ser Javier Lucerna. Quase sempre, em verdade. Então nasço na Nicarágua, em Somoto, pelas mãos do Dr. Carlos Herrera, e me crio comendo o <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">gallo pinto</i> de minha mãe, Benite Solíz”. Saberemos, então, sobre o nascimento e a vida do poeta nicaraguense, seu despertar para a literatura, para a luta revolucionária e como <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Arena viva</b> veio a público. Os poemas que Pedro escreve para o livro em parceria com Eudora também são fortemente inspirados em Lucerna. Ao mesmo tempo, a tradução de <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Arena viva</b> sofre da impregnação da poesia deste tradutor-poeta. Tais fatos provocarão uma discussão entre os dois e o dono da editora.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
A contribuição maior de Altair Martins à literatura, com o romance, é a suspensão do tempo cronológico e o estabelecimento de um universo atemporal, suas possibilidades reais e o desenvolvimento deste por intermédio da literatura. Desde o momento em que o narrador sofre o assalto, ele se retira do mundo, veda todas as janelas — até mesmo o sol ele evita — e elimina a possibilidade de contato com o mundo e com o tempo exterior.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Nunca acreditei na linearidade do tempo. No apartamento opaco em que estive, nada do mundo externo — aviões a derrubar torres, um vazamento de óleo na costa do México, o rebaixamento do time de maior torcida —, nada constou naquele meu tempo interno. Lá a história tomou outros rumos, ou a história não existiu.</i></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
A literatura acaba por ser o seu alimento, daí a forte presença da poesia, já que esta não exige linearidade cronológica. O tempo de certa forma é recuperado, mas através de uma narrativa paralela: a história, imaginada por Pedro, do homem que o assaltou. O ladrão torna-se demasiadamente humano e, para manter sua conquista amorosa, percebe que tem de enveredar pelo mundo da literatura.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Nesta reclusão de dias e noites, o contato de Pedro Vicente com o mundo exterior se dá apenas aos domingos, quando Eudora aparece para lhe trazer roupas limpas e alguma comida. O narrador transforma seu pequeno apartamento num país imaginário e diz sentir-se estranho a qualquer outra nacionalidade. Eudora, a partir deste momento, começa a se interessar por este ser excêntrico.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Outra referência à literatura é o elogio à hipálage, figura de retórica que se caracteriza pela transferência de sentido; atribui-se a x algo que deveria pertencer a y. O próprio narrador refere-se à hipálage algumas vezes e salienta que neste trânsito entre a metáfora e a metonímia está o estranhamento, por paradoxal que seja, o não lugar é que revela o literário. Portanto, a língua é capaz de nos tornar estrangeiros, mesmo que na aparência falemos o mesmo idioma. Outro fato importante é considerar a opção do autor em escrever um romance cujo principal personagem seja Javier Lucerna. Na verdade, Altair trafega na contramão da ideologia da cultura contemporânea, que é a de recusar utopias revolucionárias. A referência, entretanto, é auspiciosa, sobretudo num mundo sob o controle dos RGs e CPFs, um universo que expõe todos à exacerbação do consumo, tolhendo-nos qualquer esperança utópica e negando outros sentidos para a vida. A referência a movimentos revolucionários, ainda que malogrados, indica a necessidade da existência do sonho e da esperança, mesmo que, no fim, sobreviva apenas (se é lícita a palavra) a poesia.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
No final do romance, um obrigatório encontro com o editor traz novamente Pedro Vicente à realidade, já que para se ganhar algum dinheiro fazem-se necessárias algumas formalidades, como a de ter documentos. Ele empreende, então, uma viagem de volta à cidade natal em busca da certidão de nascimento, necessária para obter as segundas vias dos papéis levados pelo ladrão. Lá, porém, mais uma surpresa o aguarda.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Altair Martins é professor de literatura. Portanto, não é de espantar tantas referências a autores clássicos e também a autores do segundo time, fato que não deixa de ser lucrativo para todo tipo de leitor. A busca de novas saídas para o romance atesta a constante angústia de quem não quer sucumbir aos modelos cristalizados pela tradição.</div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-85794185343851911622014-09-28T11:28:00.001-03:002014-10-27T18:29:27.186-02:00A grande enfermidade<div class="MsoNormal" style="line-height: 30.0pt; margin-bottom: 11.25pt; mso-outline-level: 2; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, serif; font-size: 12pt; line-height: 12pt;"><b>Baseado na oralidade, "O doente", de André Viana, discute as tragédias particulares que permeiam a vida</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 9.0pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/?post_type=autor&p=17401"><span style="border: none windowtext 1.0pt; color: #111111; font-family: "Tahoma","sans-serif"; mso-border-alt: none windowtext 0cm; padding: 0cm; text-decoration: none; text-underline: none;">HARON GAMAL</span></a><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Em <b><span style="border: none windowtext 1.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; padding: 0cm;">O doente</span></b>, André Viana (Cosac Naify,
128 páginas) narra a maior parte da história baseando-se na oralidade. Não que
ele recorra ao conhecido artifício dos velhos contadores de histórias, como faz
Guimarães Rosa por intermédio de Riobaldo, em <b><span style="border: none windowtext 1.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; padding: 0cm;">Grande sertão: veredas</span></b>.
A narrativa de Viana começa com a palavra “transcrição”, numa página em branco;
na seguinte, seguem-se travessões que se repetem por seis linhas, só então
aparece a primeira palavra do romance, a preposição “de”. Após a incomum
abertura, o leitor depara-se com o seguinte trecho:<i><span style="border: none windowtext 1.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; padding: 0cm;"> </span></i><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; vertical-align: baseline;">
<i><span style="border: none windowtext 1.0pt; color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; padding: 0cm;">Começou a gravar? Então antes eu gostaria de ler
uma frase pra você. Se um dia alguém escrever minha história, seria uma
possível epígrafe.</span></i><span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Logo, trata-se de uma gravação, e os travessões significam aquele espaço
de tempo durante o qual esperamos ouvir algum som após ligar o aparelho. A
história, no entanto, ainda não começa. Lemos (sempre como se estivéssemos
ouvindo) apenas comentários desse irônico protagonista. A narrativa, quase
durante todo o livro, segue a estrutura de uma gravação sem a consequente edição,
com espaços em branco repetindo-se ainda com mais travessões e algumas páginas
em branco, ou com apenas duas ou três palavras. No final, são transcritas duas
cartas, que completam o sentido da história.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O protagonista, cujo nome jamais sabemos, ao invés de buscar um
psicanalista, como ele mesmo afirma (“No fundo, acho que não faço análise não
porque não acredito, mas justamente porque tenho medo do que posso
encontrar.”), procura alguém de sua profissão, um jornalista, e conta a ele sua
vida. Este interlocutor, que está ali porque adora ouvir histórias, não se
expressa em momento algum. Tudo o que sabemos a seu respeito é através dessa
voz, que nem podemos afirmar ser de um narrador, mas simplesmente a voz de uma
gravação. Assim, sempre na casa desse excêntrico personagem, o jornalista
escuta e grava tudo, a varar madrugadas, regadas a muito uísque.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Mas não se trata de uma narrativa vã, ou mesmo festiva. No início, já se
percebe o tom trágico. A voz da gravação diz: “Vamos lá. Se um dia eu
escrevesse minha história, ela teria como ponto de partida a morte do meu pai.
No dia do meu aniversário de onze anos”. Também não significa que a história
desse personagem será piegas ou mesmo não terá valor diante de tantas histórias
tão ou mais trágicas que existem por aí. Mas sim pela importância dada à
singularidade e ao fato de que cada história de vida seja, talvez, se não a
mais importante, pelo menos digna de ser contada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Além de muitas referências à psicanálise, o narrador cita vários livros
de literatura, de filosofia, e filmes famosos. Há também uma trilha sonora que
acompanha o diálogo entre os dois personagens. A principal referência literária
é o romance <b><span style="border: none windowtext 1.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; padding: 0cm;">A montanha mágica</span></b>, de Thomas Mann
(1875-1955), incluindo a epígrafe do livro de Viana: “O homem é essencialmente
um enfermo”, que aponta para o tema principal do romance.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O tema da doença também é recorrente no livro de Thomas Mann. Mas não
porque se trata de um romance ambientado numa estação de cura de tuberculosos.
Quem se destaca no livro do escritor alemão é Hans Castorp, chamado de filho
enfermiço da modernidade por Setembrini, um intelectual de moldes clássico que
sucumbe em consequência da mudança de valores provocada pelo alvorecer da
modernidade. Voltando ao livro de André Viana, não mais estamos diante dessa
mesma modernidade, mas num momento histórico em que todas as possibilidades
discutidas no livro de Mann já se encontram esgotadas. O romancista nascido em
Lübeck, ganhador do Nobel em 1929, ainda moldava uma sociedade em que os seres
humanos tinham como suporte existencial os conceitos clássicos da filosofia e
da literatura, mas que desaparecem ante a inclemente violência provocada pela
Primeira Guerra Mundial.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; vertical-align: baseline;">
<b><span style="border: none windowtext 1.0pt; color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; padding: 0cm;"><br /></span></b>
<b><span style="border: none windowtext 1.0pt; color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; padding: 0cm;">Fim das utopias<br />
</span></b><span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Quanto ao livro de Viana, o ponto alto é a discussão da doença gerada
pelo esgotamento de uma modernidade tardia e o fim de suas utopias. À medida
que o autor introduz o cinema no romance, percebe-se a necessidade de criação
de novas mitologias que gerariam sentidos outros à existência, sobretudo num
momento de predomínio da cultura de massa, cujo único sentido é o elogio ao
consumo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; vertical-align: baseline;">
<b><span style="border: none windowtext 1.0pt; color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; padding: 0cm;"><br /></span></b>
<b><span style="border: none windowtext 1.0pt; color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; padding: 0cm;">O doente</span></b><span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">, no decorrer da voz narrativa,
envolve outros personagens. Além do protagonista, um alcoólatra inveterado que
também precisa fazer uso de ansiolíticos, há sua mãe, mulher profundamente
depressiva (principalmente após a morte do marido), e seu irmão, que na
adolescência recebe o diagnóstico de esquizofrênico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Toda boa literatura é desagradável. No livro de Viana, isso acontece
quando a narrativa toca o tema da loucura e suas consequências na família do
narrador. Mas Viana propõe uma espécie de solução que ameniza as
características pessimistas do romance. Tal perspectiva acontece quando
sabemos, sempre pela voz desse estranho narrador, sobre Charles Fourier
(1772-1837).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span>
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Tal menção estende-se por várias páginas e é introduzida como por acaso,
durante o diálogo entre o protagonista e seu interlocutor. As páginas são
reveladoras para quem não conhece o pensamento e a obra deste autor francês
considerado por muitos um socialista utópico. Já que o assunto do livro de
Viana é sobre uma espécie de doença provocada pela civilização, Fourier, muito
antes de Freud e Reich, propõe uma revolução sexual, mas cujo princípio era a
abolição da monogamia e a experiência de um prazer praticamente total. André
discute a falsa permissividade da sociedade contemporânea, e até mesmo a
falaciosa proposta de realização do desejo colocada pela psicanálise. Ainda
citando Fourier, o protagonista afirma: “Se não é geral, a liberdade é
ilusória”, ou “Não é de moderação que são feitas as grandes coisas”. Inclusive
há uma referência a um livro de Leandro Konder: <b><span style="border: none windowtext 1.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; padding: 0cm;">Fourier,
o socialismo do prazer</span></b>. Mas o protagonista não defende nenhum tipo
de socialismo, refere-se apenas à realização do desejo sexual e à formação de
vários outros tipos de família, todos fora dos padrões vigentes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">A morte do pai, como tema da psicanálise, também é aprofundada no livro.
O personagem refere-se ao assunto diversas vezes e fala do peso que precisa
carregar por herdar os problemas que passam a lhe afligir a partir do momento
em que sua mãe já não dá conta de manter o pequeno negócio da família nem de
cuidar do filho doente. Na verdade, ao contrário do que esta morte significaria
em termos simbólicos (pois a morte do pai proporcionaria o desenvolvimento e
independência do filho), aqui ela aparece só como dor e obstáculo ao prazer.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O romance acaba por discutir o adoecimento de toda a sociedade, que
muitas vezes é mascarado pelos excessos, sejam eles a partir do álcool, das
drogas e até mesmo dos medicamentos antidepressivos, considerados por muitos
como solução à dor existencial. A negação da liberdade e a não realização plena
do amor, ainda segundo o narrador, seriam as causas de uma vida arruinada,
condenada às amarras da doença e do enlouquecimento.<o:p></o:p></span></div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-62589335635309170532014-08-27T20:56:00.002-03:002014-08-27T20:57:44.528-03:00O mar do planalto central<div class="MsoNormal" style="line-height: 30.0pt; margin-bottom: 11.25pt; mso-outline-level: 2; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: Georgia, serif; font-size: 12pt; line-height: 12pt;">“Terra de casas vazias”, de André de Leones, traz Brasília como uma das
personagens centrais</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 9.0pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/?post_type=autor&p=17401"><span style="border: none windowtext 1.0pt; color: #111111; font-family: "Tahoma","sans-serif"; mso-border-alt: none windowtext 0cm; padding: 0cm; text-decoration: none; text-underline: none;">HARON GAMAL</span></a><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">“Brasília tem umas ruas bem largas — diz Aureliano. Tudo é muito
quadrado e muito igual [...] Você se acostuma. Meu pai nunca se perdeu lá. Nem
minha mãe. Nem eu.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; vertical-align: baseline;">
<b><span style="border: none windowtext 1.0pt; color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; padding: 0cm;">Terra de casas vazias</span></b><span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">, de André de Leone
(Editora Rocco), é um romance em sua maior parte ambientado em Brasília. Seus
personagens, ao contrário do que afirma Aureliano quando garoto ao seu primo
Arthur, vivem perdidos e, mesmo que se desloquem continuamente, não conseguem
encontrar-se. O fato de a história se desenrolar em Brasília durante boa parte
da narrativa é bastante auspicioso, porque a cidade, quase sempre renegada por
intelectuais, escritores e mesmo por políticos, torna-se também uma excelente
personagem. E por mais que o narrador se refira a ela como “um apocalipse
higiênico”, não é isso que ele próprio representa. Retomando a tradição do
romance urbano brasileiro, a capital, com todas as contradições que os grandes
centros apresentam, mostra-se humana, e há Aureliano a amá-la na sua fala de
menino, a dizer à mãe, quando os pais estão prestes a separar-se, que não quer
mudar-se para Goiânia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">André de Leones ambienta a narrativa também em outras cidades, todas se
identificando com o momento retratado. Passeamos por Silvânia, onde nasceu o
próprio autor, São Paulo, Goiânia e até Jerusalém, local em que o romance
termina. Mas é Brasília que fica como âncora. Tanto é verdade que, numa das
cenas finais do livro, enquanto Arthur fotografa o Mar Morto, em Israel, a
sombra de Brasília ainda lhe turva a visão; sua mulher é quem diz: “O mar da
Galileia não me interessa, [...] Arthur fotografava o nada diante de si”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">A narrativa é dividida em cinco partes, todas elas correspondendo às
cidades percorridas. Brasília ocupa duas partes e mais um trecho da parte
final, numa espécie de narrativa intercalada. Estes cenários têm como
protagonistas pelo menos quatro casais, cujas vidas entrecruzam-se. A trama
envolve perdas, solidão, traições, corrupção, doença, loucura e um amor
homossexual entre duas mulheres.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Além de todo esse itinerário narrativo e mesmo poético, o que deixa o
leitor intrigado são as marcas da violência que também fazem parte deste livro
de ficção. E a ficção acaba por espelhar a realidade. A periferia de nossas
grandes cidades é um bom exemplo disso. Toda essa violência despertará em
Aureliano, quando menino, o desejo de ser policial. E ele cumpre a sua palavra.
Mais tarde, como uma espécie de inspetor de polícia, ele nos proporcionará
histórias curtas que, mesmo sem fazer parte diretamente do romance,
mostrar-se-ão bem urdidas, muito contribuindo para o enriquecimento da
narrativa e para a construção do personagem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; vertical-align: baseline;">
<b><span style="border: none windowtext 1.0pt; color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; padding: 0cm;"><br />
</span></b><span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O ponto alto do livro é a memória, e talvez seja o que autor melhor
saiba trabalhar em todo o romance. A obra de André de Leones poderá vir a se
firmar caso o autor aproveite este filão. Um bom exemplo disso está na terceira
parte. O narrador volta ao tempo em que Arthur é apenas um menino e está
naquela fase turbulenta entre o final da infância e o começo da adolescência. O
garoto vive com os pais em Silvânia, e se esconde dentro de um armário. O local
funciona como uma espécie de refúgio do resto do mundo. Ali, mergulhado em
pensamentos, ele reflete sobre a mãe, sobre o pai, sobre o casamento desastrado
entre ambos. Considera a possibilidade de um futuro melhor para si próprio. Num
determinado dia, o primo chega para passar uns dias com a família, o menino
desembarca sozinho para uma espécie de férias, enquanto seus pais resolvem a
respeito da separação. Este é o momento mais pungente da narrativa. O <i><span style="border: none windowtext 1.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; padding: 0cm;">flashback</span></i> apresenta ao leitor as dúvidas dos dois
garotos, Arthur e Aureliano, suas esperanças e tentativas de entender o mundo
dos adultos. Na sequência de chegada, o narrador introduz um passado ainda mais
remoto, apresentando uma foto da mãe de Arthur na praça que existia ali antes
da construção da pequena rodoviária: “sorriso aberto não para a máquina, mas
para aquele que segura a máquina, talvez já estivessem de casamento marcado”,
mais adiante: “Arthur gosta de fuçar nos armários da casa, pegar as caixas onde
guardam as fotografias antigas e observá-las uma por uma, os cabelos, as
roupas, as calças boca de sino, a ideia assombrosa de um tempo em que ele ainda
não existia”. Aureliano, enfim, desembarca e, segundo o pai de Arthur, não
parece estar em lugar algum, pois transmite uma estranheza e acanhamento que
revelam a dificuldade do seu estar no mundo. Durante a convivência entre os
dois meninos, esta discussão será aprofundada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; vertical-align: baseline;">
<b><span style="border: none windowtext 1.0pt; color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-border-alt: none windowtext 0cm; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; padding: 0cm;"><br />
</span></b><span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O que se pode criticar no livro é certa dispersão em relação aos
personagens. O romance, apesar de sempre estar ancorado no casal Arthur e
Tereza, traz à tona vários personagens que, com seus dramas, tornam-se tão
importantes quanto os protagonistas. As explicações que antecedem cada uma das
partes do livro também se mostram desnecessárias e um tanto didáticas, não
permitindo ao leitor fazer suas próprias descobertas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Outro ponto que se dilui na narrativa é um conto atribuído à personagem
Marcela A., escritora brasileira que, assim como o casal Arthur e Teresa,
também passa uma temporada em Israel. A pequena narrativa ambientada parte na
Rússia, terra de origem de Dúnia, a protagonista, parte em Israel, não se
encaixa dentro do romance, e a única questão que apresenta é o papel secundário
da mulher nas sociedades russa e israelense. A autoria pretensamente feminina
pode envolver André de Leones numa desnecessária polêmica sobre o papel das
escritoras brasileiras e o lugar delas na nossa literatura.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 13.5pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 15.0pt; vertical-align: baseline;">
<span style="color: #111111; font-family: "Georgia","serif"; font-size: 9.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Conflitos humanos e a psicologia de cada personagem são questões sempre
discutidas pelos romancistas brasileiros da atualidade. Sabe-se que a grande
literatura passou a ser chamada assim porque seus autores souberam apresentar e
especular com maestria os conflitos da alma humana. Vemos isso desde Dante,
passando por Shakespeare, desaguando num Dostoievski, num Machado de Assis, num
Tolstói e mesmo em James Joyce, entre outros. Portanto, desenvolver este tema
na literatura brasileira de hoje requer maturidade, aprofundamento e vagar,
para que a obra não empalideça diante dos grandes clássicos, requintados especuladores
da natureza humana.<o:p></o:p></span></div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-34634578617301619472014-07-06T16:55:00.001-03:002014-07-06T17:01:03.435-03:00<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<h2 class="review_title" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; float: left; font-weight: normal; line-height: 40px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<span style="font-size: x-large;">
Pavlov e o poeta romeno</span></h2>
<h4 style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; float: left; font-weight: normal; line-height: 16px; margin: 0px 0px 15px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
Em “Esquilos de Pavlov”, Laura Erber cria fronteiras inusitadas para o debate sobre arte e liberdade</h4>
<div class="functions_buttons" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border-top-color: rgb(17, 17, 17); border-top-style: dotted; border-width: 1px 0px 0px; float: left; font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; height: 20px; line-height: 12px; margin: 0px 0px 30px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
<a class="fontsize font_mais" href="https://www.blogger.com/null" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #97262d; cursor: pointer; float: left; height: 20px; line-height: 20px; margin: 0px 0px 0px 10px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"><img alt="" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/themes/rascunho/style/images/fontsize_up_button.png" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; float: left; margin: 5px 0px 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" /></a><a class="fontsize font_menos" href="https://www.blogger.com/null" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #97262d; cursor: pointer; float: left; font-size: 12px; height: 20px; line-height: 20px; margin: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"><img alt="" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/themes/rascunho/style/images/fontsize_down_button.png" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; float: left; margin: 5px 0px 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" /><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #333333; font-family: Tahoma, Geneva, sans-serif; font-size: 9px; margin: 0px 22px 0px 7px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Tamanho da fonte</span></a><a class="addthis_button_print" href="http://www.addthis.com/bookmark.php" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border-left-color: rgb(17, 17, 17); border-left-style: dotted; border-width: 0px 0px 0px 1px; color: #97262d; cursor: pointer; float: left; font-size: 12px; height: 20px; line-height: 20px; margin: 0px; padding: 0px 0px 0px 4px; text-decoration: none; vertical-align: baseline;" title="Print"><img alt="" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/themes/rascunho/style/images/print_button.png" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; float: left; margin: 5px 0px 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" /><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #333333; font-family: Tahoma, Geneva, sans-serif; font-size: 9px; margin: 0px 22px 0px 7px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Imprimir</span></a><a class="addthis_button_email" href="http://www.addthis.com/bookmark.php" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border-left-color: rgb(17, 17, 17); border-left-style: dotted; border-width: 0px 0px 0px 1px; color: #97262d; cursor: pointer; float: left; font-size: 12px; height: 20px; line-height: 20px; margin: 0px; padding: 0px 0px 0px 4px; text-decoration: none; vertical-align: baseline;" target="_blank" title="Email"><img alt="" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/themes/rascunho/style/images/sendemail_button.png" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; float: left; margin: 5px 0px 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" /><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #333333; font-family: Tahoma, Geneva, sans-serif; font-size: 9px; margin: 0px 22px 0px 7px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Enviar por email</span></a><a addthis:title="Pavlov e o poeta romeno" addthis:url="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/pavlov-e-o-poeta-romeno/" class="addthis_button_facebook" href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/pavlov-e-o-poeta-romeno/#" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border-left-color: rgb(17, 17, 17); border-left-style: dotted; border-width: 0px 0px 0px 1px; color: #97262d; cursor: pointer; float: left; font-size: 12px; height: 20px; line-height: 20px; margin: 0px; padding: 0px 0px 0px 4px; text-decoration: none; vertical-align: baseline;" title="Facebook"><img alt="" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/themes/rascunho/style/images/recommend_button.png" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; float: left; margin: 5px 0px 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" /><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #333333; font-family: Tahoma, Geneva, sans-serif; font-size: 9px; margin: 0px 22px 0px 7px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Recomendar</span></a><a class="addthis_button_twitter" href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/pavlov-e-o-poeta-romeno/#" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border-left-color: rgb(17, 17, 17); border-left-style: dotted; border-width: 0px 0px 0px 1px; color: #97262d; cursor: pointer; float: left; font-size: 12px; height: 20px; line-height: 20px; margin: 0px; padding: 0px 0px 0px 4px; text-decoration: none; vertical-align: baseline;" title="Tweet"><img alt="Twitter" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/themes/rascunho/style/images/twitter_button.jpg" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; float: left; margin: 5px 0px 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" /><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #333333; font-family: Tahoma, Geneva, sans-serif; font-size: 9px; margin: 0px 22px 0px 7px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Twittar</span></a></div>
<div class="author" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; clear: both; font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 12px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px 0px 20px; vertical-align: baseline; width: 540px;">
<a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/?post_type=autor&p=17401" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: url(http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/themes/rascunho/style/images/hash_body.png); background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Tahoma, Geneva, sans-serif; line-height: 20px; margin: 0px 15px 0px 0px; padding: 0px 5px; text-decoration: none; vertical-align: baseline; width: auto;">HARON GAMAL</a></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; font-size: 12px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Laura Erber, no seu primeiro romance,<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"> </b>apresenta a questão inerente a toda boa literatura: o estranhamento. O personagem principal de <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Esquilos de Pavlov</b>, Ciprian, é romeno, e toda a narrativa, ambientada na Europa, passa ao largo de referências ao Brasil. Este aspecto poderá levar o leitor brasileiro a uma pergunta difícil de ser respondida: o que caracterizaria, nos dias de hoje, uma literatura nacional? Talvez o que se possa dizer é que, quando se trata de boa literatura, ela escapa a definições generalizantes. Outra resposta poderia ser que tal estranhamento ocorre não necessariamente pelo fato de a narrativa ambientar-se em outros países, mas pela margem de novos sentidos que tanto a ficção como a poesia é capaz de oferecer. Além disso, a arte, quando tem o poder de fazer refletir sobre o nosso (não) lugar no mundo, torna todos — autores e leitores — estrangeiros.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; font-size: 12px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
O romance começa com uma reflexão que o narrador em primeira pessoa atribui à própria mãe, embora ela se mostre incapaz de colocá-la em palavras. Trata-se da necessidade da continuação da espécie; apresentada naquele momento, no entanto, sob a retórica do regime comunista ainda vigente na Romênia, e que justificaria a vinda ao mundo deste mesmo narrador. Ciprian acrescenta, falando do seu nascimento: “É o início de uma nova década e dizem que a pintura vai acabar. Dizem que a nova beleza está na forma das cidades e no rosto das pessoas. E dos carros”. O livro, já então, revela ao que vem. Tratará da arte contemporânea. O narrador continua, “não pensava em ser artista embora cursasse belas artes. [...] Por sorte ou por miopia do partido comunista a biblioteca pública me empregou como secretário e larguei a faculdade”. O personagem passa a fazer nas bibliotecas o que chama de intervenções, atitudes que lhe vão permitir diálogo com os artistas de “vanguarda”. Estes sempre estarão à sua volta. Ele prossegue: “na biblioteca era mais fácil encontrar personagens que eu gostaria de ter sido ou encontrado. Pensamentos que gostaria de ter pensado ou escrito. E todo o nosso desenredo. O jovem que só era feliz na biblioteca foi uma espécie de cinéfilo dos livros”.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; font-size: 12px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Mas Ciprian tem a trajetória alterada devido a uma bolsa de residência que obtém para se fixar temporariamente em alguns países da Europa. Ele deixa a Romênia e transita pela Alemanha, Dinamarca, França e Suécia. É na Dinamarca, porém, onde ocorre grande parte das peripécias do romance. O personagem, sempre que necessita, inclusive em se tratando de assuntos policiais, recebe misteriosa ajuda da maçonaria, fato para o qual nem mesmo ele sabe o motivo. Será por que seu pai fora um dia maçom?, ele se pergunta.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; font-size: 12px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Seu pai merece um parágrafo à parte. No final dos anos trinta, travou contato com o surrealismo. Mas o mau encontro que teve com o movimento artístico perturbou-o até o fim da vida. Spiru é o seu nome, assinando vez ou outra alguns textos como Pulga, fato que o filho só descobre anos mais tarde. Spiru chegou a trabalhar com homens que viriam a se tornar famosos, como Paul Paun, Gellu Naum e Ghérasim Luca. Recolheu sucata para este último, que elaborava uma nova teoria da “circulação do desejo, incluída no livro <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">O vampiro passivo</i>, publicado pelas Edições do Esquecimento em 1945”. Spiru torna-se conhecido por publicar regularmente episódios de <i style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">As aventuras do ursinho metalúrgico</i>, obra que escreve por questões de sobrevivência. Não era através de narrativas edificantes, protagonizadas por um personagem que glorifica a ideologia sob a qual a Romênia ainda estava imersa, que Spiru buscava a fama. Mas um dia, ao fazer intervenções nas fichas do acervo de uma biblioteca particular na França, Ciprian descobre a verdade sobre o pai.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; font-size: 12px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
A questão principal do livro, no entanto, é a seguinte: o que é arte nos dias de hoje? Quais são as instituições que ajudam o artista contemporâneo e por que motivo elas atuam nesse sentido? O que é uma bolsa de residência num país estrangeiro? Percebe-se, ao mesmo tempo, o caráter mercantilista da arte contemporânea, e mesmo o descarte de alguns artistas por outros mais jovens. Muitos acabam produzindo fachadas de azulejos para milionários, e assim ganham dinheiro. Há também aqueles que contratam candidatos a escultores como assistentes e os exploram sistematicamente.<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"></b></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; font-size: 12px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"> C</b><b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">ondicionamento e liberdade</b>A referência a Pavlov, num primeiro momento, aparece em Ulrikka Pavlov, uma mulher que discursa aos artistas conclamando-os a abandonar a vida artística: “[...] abandonem as obrigações desse sistema que não faz mais do que impedir o artista de se desenvolver plenamente”. No final, a personagem acaba por agradecer Ole Ordrup, uma espécie de mecenas da arte de vanguarda na Dinamarca. Mas ela não lhe agradece pelo suporte, e sim pela invenção de um delicioso drinque que ela mesma teve a “honra” de batizar Esquilos de Pavlov.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; font-size: 12px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Por outro lado, o narrador refere-se ao Experimento Pitesti, um programa de reeducação empreendido pelos comunistas romenos nos anos 1940 e 1950 contra os dissidentes do regime. O experimento era uma espécie de condicionamento comportamental em que a subjetividade era violentamente aniquilada. Tal programa empregava torturas difíceis de acreditar, mas o romance as descreve minuciosamente. As vítimas teriam sido, sobretudo, estudantes nacionalistas. Tudor de Gherla, um excêntrico poeta romeno que também participa de uma bolsa de residência na Dinamarca, teria sido uma delas. Em determinado momento do livro, a autora faz Ciprian dizer: “Tudor não era chamado de Tudor de Gherla pela poesia que escreveu na sua cidade natal ou sobre ela, e sim pela poesia que nunca conseguiria escrever”. A partir deste momento, a referência a Pavlov alcança outros patamares. E, portanto, a aspiração à liberdade não deixa de permear todo o romance, aparecendo sempre como necessária.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; font-size: 12px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Estando em seu próprio país, a Romênia, antes da queda do comunismo nos países do leste, Spiru, o pai do narrador, defronta-se com uma rede de espiões e com a temida Securitate (uma espécie de braço da KGB soviética na Romênia). Já na Dinamarca, Ciprian se vê sob olhar desconfiado da polícia e dos habitantes locais, o eterno problema dos imigrantes e dos artistas de vanguarda. Neste país escandinavo, pintores, escultores e o que mais se pode chamar de artista reúnem-se em torno de uma bolsa concedida por um milionário que, na verdade, tem objetivos estranhos à arte. Na França, onde enfim Ciprian se estabelece e escreve suas memórias, ele já entrou pelos quarenta anos de idade e se considera um artista que sempre esteve patinando, sem conseguir decolar; nesse momento, já não é aceito como candidato a qualquer tipo de bolsa.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; font-size: 12px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Laura Erber entremeia seu livro com fotos e gravuras, proporcionando-nos além da narrativa romanesca uma espécie de passeio por uma exposição. Tal fato não apenas dá um bom resultado, como também mostra o poder da autora em fazer um contraponto entre literatura e imagem, dois tipos de arte muito diversos e nem sempre amistosos.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; font-size: 12px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
</div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-79708813512917768842014-06-02T19:37:00.001-03:002014-06-02T19:37:46.514-03:00Malhas que o império tece<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A literatura portuguesa contemporânea sempre nos brinda com
boas obras, e <i>Peregrinação de Enmanuel Jhesus</i>
(Editora Tinta da China), de Pedro Rosa Mendes, segue a mesma trilha. Trata-se
de um livro que descreve todo o percurso que resultou na independência do
Timor-Leste do domínio da República da Indonésia, em 1999. Mas para os amantes
da literatura a vantagem é que a História é narrada em forma de ficção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Já no capítulo de abertura, Matarufa, veterano da
resistência timorense, relata o dia em que a ONU anunciou o resultado oficial
do plebiscito que reconheceu a pequena ilha como país independente: “Às 9 horas
da manhã de sábado, 4 de setembro de 1999, no Hotel Ma’hkota, em Díli, Ian
Martin, chefe da missão internacional, anunciou os resultados da consulta
popular em Timor-Leste: 21,5 por cento tinham votado a favor da autonomia, 78,5
por cento votaram contra.” É preciso esclarecer que “a favor da autonomia”
significava permanecer como região “autônoma” da Indonésia, o que não foi a vontade
dos habitantes de Timor-Leste, pois a maioria optou pela independência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O romance possui um eficaz artifício literário. Começa como
um auto de missão levado avante pelo bispo Per Kristian Kartevold, da Igreja da
Noruega (outubro/novembro de 1999). Isto quer dizer o seguinte: trata-se de uma
investigação sobre o suposto paradeiro de um nativo, afilhado deste bispo, que
teria desaparecido no Matebian (montanha sagrada conforme a tradição local),
exatamente no dia do plebiscito na ilha.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em forma de inquérito, são enumerados vários personagens que
teriam concordado em falar sobre o desaparecido, sobre o país e, enfim, sobre
tudo que estava relacionado à luta pela libertação. Não escapam narrativas
sobre as tradições dos vários povos que formam a etnia timorense, mesmo aqueles
que antecederam a chegada dos portugueses. É sempre bom lembrar que a chegada
de Portugal à região data do segundo decênio do século 16. Entre os personagens
que depõem neste inquérito literário, encontram-se pessoas que estiveram ao
lado da resistência timorense e outras que atuaram junto à administração da
ilha sob o domínio da Indonésia ou fizeram parte do seu serviço secreto. Como
se sabe, a Indonésia invadiu o Timor logo após a saída dos portugueses, em
1975.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ao apresentar testemunhos de personagens que estiveram em
ambos os lados da luta pelo domínio do Timor, a narrativa acaba por tornar-se
polifônica. São oito pessoas (sete homens e uma mulher, entre os homens há um
padre) que contam a história do país, cada um sob a sua perspectiva. O romance
de Pedro Rosa Mendes, com isso, filia-se à narrativa de António Lobo Antunes, ficcionista
que melhor soube ousar nas letras lusitanas. A influência de Antunes pode ser
observada não apenas na forma (organização dos parágrafos, diálogos e pontuação),
mas também na repetição dos mesmos acontecimentos sob pontos de vista
diferentes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Além desses aspectos estruturais, é possível perceber no
romance o mal que toda espécie de colonialismo foi capaz de causar mundo afora.
Até mesmo a presença portuguesa, que acabou por predominar porque permaneceu durante
muito tempo no local e deixou como herança a língua, é discutida pelo autor.
Portugal colocou uma centelha a mais na já conturbada rivalidade existente na
região à época das grandes navegações. Povos de Java e de Sumatra havia muito pretendiam
o domínio da região.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
No final do romance, o autor empreende uma viagem à Noruega,
aonde vai ao encontro do tal bispo que seria o autor do relato que nos
apresenta. Após boas observações sobre o país nórdico, os contrastes com
Portugal e com o Timor, o suposto “editor” (este seria o papel de Pedro Rosa
Mendes na organização do livro) estende sua viagem ao Polo Norte, exatamente à
cidade onde o bispo reside, localizada em território russo. Ali encontra o religioso
com a saúde já bastante debilitada, mas ainda capaz de lhe fazer revelações que
proporcionam novo alento às suas investigações.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Talvez, o maior êxito do romance seja a bem sucedida
exposição do caráter mágico relativo à resistência das hostes timorenses contra
os opressores, sejam eles de onde quer que tenham vindo. Tais segmentos lembram
o realismo mágico das literaturas da América Latina. Na luta pela liberdade,
até mesmo os ancestrais estão sempre de prontidão, habitando um passado que de
certa forma revela-se sempre presente, ou um presente que não se atemoriza
diante de um duvidoso futuro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Outro ponto digno de nota é a descrição das atrocidades
perpetradas pelas forças de ocupação da Indonésia, que, segundo a narrativa,
não pouparam velhos, mulheres e crianças, condenando todos à fome, à miséria, à
morte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A estada de Pedro Rosa Mendes no Timor-Leste, a título de
fazer uma série de reportagens sobre a perspectiva da região após a
independência, acaba por revelar não apenas a escolha do povo local pela independência
e pela língua proibida pela Indonésia enquanto esteve no poder, o português,
mas ainda esclarece que, no mundo atual, cultura alguma é capaz de ser
autossuficiente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Trecho do romance:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Tenho uma memória
pequenina de meu pai. Ir aos ombros dele quando, ao descermos do Matebian, um
soldado indonésio nos fez parar e ordenou</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Dá a criança à tua
mulher porque tu ficas aqui,<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>é essa recordação que
tenho, um soldado de boina vermelha, arrancando-me aos braços de meu pai,
falando em indonésio, e dando ordens através de um intérprete timorense,<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Larga o rapaz, tu és
preciso aqui para ajudar as milícias.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Eu nasci em 1974,
tinha três ou quatro anos na altura, não entendia nada do que estava a
acontecer. O meu pai não queria dar-me. O soldado indonésio arrancou-me e
deu-me a minha mãe. Vieram separá-la de meu pai também. Lembro-me dos gritos
nossos e deles misturados. Uma bulha. Depois, mais nada. A minha mãe, os meus
irmãos e eu continuámos descendo a encosta. Meu pai ficou para trás. Parámos
mais abaixo para dormir e esperar se viria ter conosco. Pelas doze da noite
ouvimos uns disparos e a minha mãe disse<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>O vosso pai já morreu.
Vamos embora.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O autor:<o:p></o:p></div>
Pedro Rosa Mendes nasceu em 1968. É autor de uma obra
heterogênea que engloba ficção, ensaio e reportagem, com incursões no teatro e
na poesia. É autor de quatro romances – <i>Baía
dos tigres</i> (1999, prêmio Pen de narrativa), <i>Atlântico</i> (2003), <i>Lenin oil</i>
(2006) e <i>Peregrinação de Enmanuel Jhesus</i>
(prêmio Pen de narrativa 2011). Atualmente Pedro Rosa Mendes vive em Genebra,
na Suíça.<br />
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-80026431881897426682014-04-16T22:58:00.000-03:002014-04-16T22:59:37.863-03:00A literatura e o logro<div class="MsoNormal">
<b>Primeiro romance de
Alberto A. Reis apresenta um narrador suspeito</b></div>
<div class="MsoNormal">
<br />
O leitor de romances não gosta de ser enganado. Essa verdade
é mais fácil de ser observada na literatura policial. Entre os cultores do
gênero, sobretudo entre os escritores, é regra que o narrador não poder ser o
personagem que praticou o crime. Ainda outro ponto: o bom narrador desse gênero,
junto com o seu detetive, segue pistas que levarão ao criminoso. Quando este é
descoberto, parecerá ao leitor que o próprio narrador vem a reboque do seu
herói-detetive. O autor de literatura policial não deve, no final da narrativa,
apresentar uma solução em que nas páginas anteriores tenha enganado o leitor. Apesar
de alguma controvérsia, em toda a literatura tal concepção de certo modo
vigora. Ninguém quer ouvir história de uma voz que, no final do relato, o terá
passado para trás. Na literatura brasileira, temos a questão do narrador
suspeito. Mas ela geralmente vigora em narrativas em primeira pessoa. Caso este
narrador participe da trama e ele seja o protagonista, muitas vezes há de se
perdoar o logro. O personagem quer salvar os seus interesses. Neste caso, no
entanto, mesmo assim, o logro não será total. O bom leitor olhará com suspeição
este tipo de narrador desde o início.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
No romance histórico <i>Em
breve tudo será mistério e cinza</i>, de Alberto A. Reis, o leitor
experimentado não sairá da narrativa logrado, mas perceberá o pecadilho que
cometeu o autor. Ao optar por um narrador em terceira pessoa, narrador
onisciente, que paira acima da trama, o autor tenta ludibriar o leitor no
começo da história.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O livro tem início na Paris da segunda década do século XIX.
Um casal de franceses embarca para o Brasil. A mulher é filha de um joalheiro
que dirige uma casa famosa à época, a Gerbe D’0r. François Dumont é convencido
pelo sogro a se aventurar no interior do Brasil, precisamente nas Minas Gerais,
em busca de diamantes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A aventura é suspeita. Pois não é praxe ser oferecida tal
missão a um homem até certo ponto medíocre, não acostumado a aventuras, tanto
mais quando se trata de um bom frequentador do fastio parisiense. Mas François
aceita a missão e, depois de uma tempestuosa viagem, desembarca com a mulher no
Rio de Janeiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Após ser informado da morte trágica do sogro ocorrida em
Paris, por intermédio da Missão Diplomática Francesa no Rio de Janeiro, Dumont
cavalga como o amigo Fernando Murat, de volta à chácara onde este último o
hospeda. Em meio a uma conversa entremeada por longos momentos de silêncio, o
narrador interpõe um flashback remontando a Paris no momento anterior ao
embarque de François. Neste trecho, somos informados de um grande roubo na
Gerbe D’Or. Trata-se do desaparecimento de quatro graúdos diamantes
pertencentes a uma condessa. Na página 79, o narrador em terceira pessoa (é bom
sempre reafirmar esse ponto) engana o leitor: “François, no entanto, estava
triste. Sentia-se só no mundo. Havia perdido, em poucos segundos, o sentido de
sua viagem e a herança do sogro.” Mas próximo ao final, principalmente a partir
da página 489 (capítulo chamado Pedras Mortas), na conversa que tem com Dona
Beja (ela mesma, a tal deusa da beleza de Araxá), François Dumont fará uma
contundente revelação. O leitor, então, perceberá que não foi exatamente isso
que o narrador proferiu no começo do livro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Outro ponto negativo refere-se aos diálogos. Com exceção de
uma palavra ou outra, mesmo quando trata da fala de escravos, eles seguem um
padrão único. Em determinadas passagens é difícil de acreditar no discurso
indireto livre de personagens como Maquim, Rosa Xangana e Duzinda. Algumas dessas
reflexões beiram problemas filosóficos, difíceis de serem atribuídos a
personagens que estiveram ainda recentemente ligados à vida tribal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas a narrativa não deixa de ter virtudes, principalmente
por se tratar de uma obra com 564 páginas onde a trama principal e histórias
paralelas se desenvolvem e se resolvem satisfatoriamente. O romance é dividido
em cinco livros (ou partes), cada um deles possui título: “Por terras e por
mares”, “Tempo de guerras”, “Batalhas cívicas”, “Rebeliões” e “Passim”. O
primeiro aborda, em sua maior parte, a viagem de François Dumont e a esposa. Também
se situa neste trecho parte da história da joalheria Gerbe D’Or e de seu
proprietário, o sogro de Dumont; a chegada do francês ao Recife e ao Rio de
Janeiro depois de muita intempérie; e a rede de influentes contrabandistas, que
inclui pessoas de renome. Elas facilitam o envio de pedras preciosas para a
Europa, conseguindo a inserção de ouro e diamante no mercado, uma espécie de
lavagem de dinheiro da época. O segundo livro já enfoca a questão da escravatura
e como os brasileiros brancos lidavam com ela; depois introduz política e
aventura na busca desenfreada pelos minérios mais valiosos. “Batalhas cívicas”
e “Rebeliões” descrevem a tentativa de um mundo ainda rústico ter como fiel da
balança o Direito, mas tudo de modo combinado e fingido. Quando as coisas fogem
do controle, desemboca-se nas rebeliões. Na última parte, há o suplício do escravo
Maquim, e a já citada revelação (objeto de controvérsia na escritura do
romance) que o narrador põe na voz de Dumont.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Como romance histórico, o livro nada acrescenta,
proporcionando a personagens reais apenas traços caricatos. A narrativa prima em
apresentar a sensualidade das escravas negras, do cortejo de Dona Beja, em
Minas, e a voluptuosidade de padres homossexuais e pedófilos, sendo alguns
entre eles ricos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Como todo livro tem um quê de romance policial, <i>Em Breve tudo será mistério e cinza</i>
também vai por esse filão, mas o narrador em terceira pessoa, ao se colocar sob
a perspectiva ideológica do protagonista, elimina qualquer sutileza de
surpreender o leitor em relação ao problema principal que motiva a viagem do
casal Dumont ao Brasil.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Trecho do livro:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<i>François, no entanto, estava triste. Sentia-se só no mundo.
Havia perdido, em poucos segundos, o sentido de sua viagem e a herança do
sogro. Mas de que lhe valeria? Ele nunca teria uma parte significativa daquilo.
Mesmo que a tragédia não tivesse ocorrido, tudo iria bem para Louis e Hubert.
No melhor dos casos, ele e Honorée recolheriam apenas algumas migalhas da
riqueza do sogro. Talvez ainda pudesse escrever ao tio da esposa. Tentar salvar
ainda alguma coisa. Ficaria no Brasil. Acharia enquanto isso seus diamantes e,
em breve voltaria para Paris rico, muito rico, cheio de histórias parecidas com
aquelas que até pouco antes absorvia no clube de leitura de Mme. Baudot.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sobre o autor:</div>
<div class="MsoNormal">
Alberto A. Reis nasceu em Belo Horizonte em 1947. Mudou-se
para Paris em 1968, onde se graduou em Psicologia Clínica. Lecionou na Argélia
e foi professor da Faculdade de Medicina da PUC – SP. Atuou como psicanalista e hoje é
livre-docente da USP, universidade em que coordena o Laboratório de Saúde
Mental Coletiva. É autor de numerosos artigos e livros sobre psicanálise, saúde
mental e saúde pública. <i>Em breve tudo
será mistério e cinza</i> é seu primeiro livro de ficção. <o:p></o:p></div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-5560985648078973922014-03-04T18:08:00.001-03:002014-03-04T18:09:25.602-03:00“Talvez a gente só escreva sobre o que nunca existiu”<div class="MsoNormal">
<b><br /></b>
<b>Livro de Verônica
Stigger discute o caráter sempre em trânsito da cultura brasileira</b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Opisanie Swiata</i>,
que em polonês quer dizer descrição do mundo, é quase um livro de viagens. Mas
depois se percebe que a volta ao Brasil empreendida pelo protagonista para uma breve
visita ao filho, que ele não conhecia, é quase que definitiva. Se há
possibilidade de retorno à Polônia, ela é bastante remota. Começara a Segunda
Guerra Mundial.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O romance se inicia com uma carta de Natanael ao pai. Dentro
do envelope vai também a passagem. O filho vive na Amazônia. Na carta, Natanael
insiste para que o pai venha, pois deseja conhecê-lo. Revela que está doente,
que não demore, não sabe se viverá até o dia de seu regresso. A medicina ainda
não encontrou os meios de detectar a sua doença. Ainda dita ao pai algumas
recomendações que deve observar durante a viagem, e diz que o espera
ansiosamente. Daí em diante, podemos perceber as questões que o romance
apresenta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A primeira delas é a saudade. Pois Opalka, o polonês, deixa
sua cidade para trás, e o leitor começa a desconfiar de que ele dificilmente a
verá de novo. Em segundo: por causa da guerra – e sem saber dela –, ele está prestes
a se tornar um imigrante, um dos elementos fundadores da cultura brasileira. Em
terceiro, ainda há outros sentimentos, como o amor e uma espécie de nostalgia,
mas agora pelo filho que ele não conhece e pela precariedade da saúde dele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Para completar, num dos primeiros momentos da viagem,
enquanto aguarda o trem que o levará ao porto, Opalka se depara com um
personagem inusitado, homem divertido e atrapalhado, cheio de malas e bugigangas,
alguém que vive viajando pelo mundo. Trata-se de Bopp, um brasileiro. Quando
descobre que Opalka fala português e toma conhecimento do motivo de sua viagem,
abre-se em sorrisos, faz mais um amigo e deseja acompanhá-lo no seu retorno ao
Brasil, mais propriamente à Amazônia, onde Bopp diz já ter vivido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A narrativa, ao abordar esses dois personagens, apresenta
tipos que a princípio seriam antagônicos, mas depois se percebe que um é quase
o complemento do outro. Enquanto Opaka viaja a partir da Polônia, o brasileiro apresenta-se
como alguém em constante trânsito, conhece ambas as Américas, a Ásia, e acaba
de chegar de Vladivostok, na Rússia. O polonês deseja sossego para ler o
jornal. Bopp fala constantemente e o atrapalha na leitura. Opalka já estivera na
região norte do Brasil nos primeiros anos do século XX. Bopp nessa época mal
havia nascido. No final, o leitor perceberá que a influência de Bopp perdurará
sobre o seu taciturno e recente amigo polonês.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tanto na viagem de trem, como na de navio, ocorrem fatos que
flertam com o fantástico. Isto talvez revele o objetivo da autora em reiterar
que tudo é literatura. Tais momentos se concretizam com a chegada da italiana
Priscila e o desaparecimento de sua aranha Maria Antonieta; depois, no navio,
com o sádico batismo executado pelo comandante àqueles que ainda não haviam
cruzado à linha do Equador; e no momento em que todos a bordo acenam a outro
transatlântico, El Durazno, que navega continuamente proporcionando a seus
passageiros uma vida fora do mundo, liberada de todos os preceitos e
preconceitos morais (é a época da guerra, há de se convir), é para ele que fogem
as irmãs andaluzas Olivinhas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A narrativa não possui apenas uma voz. Ela se dá ora em
primeira ora em terceira pessoa, e também há várias cartas que contribuem para
o avançar da trama. Um poema próximo ao fim do romance contribui para mesclar
os vários gêneros que compõem a narrativa, fazendo o livro beirar o
experimental. Gravuras anunciando produtos ou serviços, todos eles da primeira
metade do século XX, ilustram a narrativa e propiciam ao leitor conhecimentos
da publicidade à época, além de ainda servirem como suporte para a narrativa.
Há também recomendações para o desconfiado viajante europeu que se aventura
pela América Latina de então.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O microcosmo étnico, formado por pessoas de várias
nacionalidades, representa bem a humanidade do período do entreguerras, sublinhando
os aspectos mais marcantes de cada personalidade, confere a jovem italiana, o
russo, os alemães, os ingleses e, por fim, o próprio brasileiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Na chegada à Amazônia, Opalka se vê diante de uma situação
pungente. E sempre incentivado pelo amigo, resolve escrever “opisanie swiata”,
isto é, a sua descrição do mundo. Na verdade é o brasileiro que revela a ele: “–
Tome – disse Bopp, estendendo-lhe um caderninho preto. – É um presente. Serve
para fazer anotações. Para que o senhor escreva o que passou. Ajuda a superar.
E a não esquecer. A gente escreve para não esquecer. Ou para fingir que não
esqueceu. Bopp se calou e, depois de um tempo, acrescentou: – Ou para inventar
o que esqueceu. Talvez a gente só escreva sobre o que nunca existiu.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Procurar uma filiação literária para Verônica Stigger é algo
problemático. <i>Opsanie Swiata</i>, ao
transitar na direção oposta, isto é, do exterior para o Brasil, trazendo no
enredo o retorno de dois personagens (um à sua terra natal; outro à terra onde
deixara um filho) nos soa como algo antropofágico. Pois não se trata apenas de
a cultura brasileira absorver o que vem de fora, mas também uma cultura
brasileira que já transitou por outros países e agora retorna mais robusta e
feliz ao seu país de origem, pois também se tornara alimento a completar e deixar
marcas em outras culturas. Portanto, filiar este livro à ideologia modernista
seria torná-lo menor. O que há aqui é um trânsito entre culturas, deixando no
mesmo patamar de tantas outras a cultura brasileira, algo talvez impensável à
época dos dois Andrades.<o:p></o:p></div>
<div style="background: white; line-height: 14.4pt; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 4.8pt;">
<br /></div>
<br />
<div style="background: white; line-height: 14.4pt; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 4.8pt;">
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">Verôncia Stigger nasceu em !973, é gaúcha radicada
em São Paulo desde 2001. Doutora em história da arte, crítica de arte e
professora universitária, defendeu tese sobre a relação entre arte, mito e
modernidade, enfatizando as obras de Kurt Schwitters, Marcel Duchamp, Piet
Mondrian e Kasimir Malevitch. Em seu pós-doutorado estudou, entre outros, os
artistas brasileiros<span class="apple-converted-space"> </span><a href="http://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11439/Maria-%5Bedi%C3%A7%C3%A3o-de-colecionador-em-portugu%C3%AAs%5D.aspx"><span style="color: windowtext; text-decoration: none; text-underline: none;">Maria Martins</span></a><span class="apple-converted-space"> </span>e<span class="apple-converted-space"> </span><a href="http://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/10214/Fl%C3%A1vio-de-Carvalho.aspx"><span style="color: windowtext; text-decoration: none; text-underline: none;">Flávio de
Carvalho</span></a>. Seu primeiro livro,<span class="apple-converted-space"> </span><em>O trágico e outras comédias</em>,
foi publicado pela editora portuguesa Angelus Novus, em 2003 e, no Brasil, pela
7Letras, em 2004. Pela Cosac Naify, publicou<span class="apple-converted-space"> </span><em>Gran cabaret demenzial</em><span class="apple-converted-space"> </span>(2007) e<span class="apple-converted-space"> </span><em>Os
anões</em><span class="apple-converted-space"><i> </i></span>(2010).
Alguns de seus contos foram traduzidos para o catalão, o espanhol, o francês e
o italiano.</span><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-bidi-font-family: Arial;"><o:p></o:p></span></div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-26859298514278273902014-01-27T20:28:00.002-02:002014-05-10T18:44:50.687-03:00A viagem maior<div class="MsoNormal">
<b>Júlio Ricardo da Rosa
aprofunda o duplo na literatura através de disfarce permitido pela internet</b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A existência do duplo sempre foi presente em toda a história
da literatura. Na poesia, por exemplo, através da tensão entre linguagem
figurada e linguagem referencial; na narrativa, sobretudo, através da dialética
entre autor e narrador. Tais artifícios não só expandem a possibilidade de
leitura de cada texto, como também ampliam suas perspectivas de representação e
de criação de realidades.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sabe-se que autor e narrador são entidades que ocupam
instâncias diferentes. Portanto, ao criar um narrador marginal, não se supõe
que o autor também viva à margem da sociedade. Quando o autor expande esse
duplo ao estabelecer um narrador-autor que cria ainda outro narrador, podemos
dizer que foi instituída a narração em abismo. Trata-se, então, de três
histórias: a do autor em relação a todo o romance, a história que o narrador
nos conta, e a do autor “fictício”, criação do narrador, que também está a nos
propor mais uma história. É o que acontece em <i>O viajante imóvel</i>, de Júlio Ricardo da Rosa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não é difícil perceber o ardil, na verdade já a partir do
segundo capítulo. No primeiro, o romance começa com uma aventura no deserto.
Félix Kölderlin presencia uma batalha entre os tuaregues, povo nômade de etnia
árabe, que transita pelo norte da África. Já no segundo capítulo, apresenta-se
outro narrador, cujo nome é Vitor Assis. Este sim, o viajante imóvel. Daí em
diante, quase em capítulos alternados, acompanharemos a trajetória desses dois
personagens. O primeiro a aparecer é escritor de livros de viagens radicais,
mas (ao menos no início) trata-se de um personagem sobre quem é impossível se
fazer publicidade pessoal. Ele nem sequer conhece o seu editor, envia-lhe os
textos por correio eletrônico, em meio às suas aventuras em torno do mundo. O
segundo, Vitor de Assis, é uma pessoa infeliz, alguém que permanece trancado num
apartamento fazendo traduções do alemão para um homem chamado Turco, um
tradutor juramentado. Assis vive vigiado e até certo ponto aprisionado pela
ex-mulher, como já se pode perceber desde o início do livro. Tal fato o
incentiva a tramar um plano espetacular de vingança e de libertação. Ele cria
então o escritor-viajante, que lhe permite faturar com o sucesso de suas
aventuras transformadas em livros. Se essa situação vai perdurar ou se a ficção
será desmascarada, compete ao leitor descobrir.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Uma vez que no mundo das ideias tudo poder ser viável,
analisemos a obra partindo do seu criador, Júlio Ricardo da Rosa. O autor soube
aproveitar muito bem o recurso imprescindível da atualidade, a internet. A rede
possibilita, mais do que em qualquer outra época, que em poucos minutos se
possa tomar conhecimento sobre qualquer assunto (ainda que de modo superficial).
Permite também a qualquer mortal chamar alguma atenção sobre si. Outra
possibilidade da internet é incentivar certo namoro com a fraude,
principalmente quando há a criação de pessoas fictícias. Até que ponto se pode
forjar uma nova identidade e conseguir documentos “oficiais” através de sites pertencentes
ao submundo da rede? Quanto se precisa pagar por isso? Qual o risco que se
corre? Rosa nos mostra um caminho divertido e perigoso, que pode ser até mesmo
verdadeiro. Ao mesmo tempo que consegue dar a Vitor Assis bastante
verossimilhança, o autor cria um Félix Kölderlin titubeante, uma espécie de
falsário amador, que acaba bem sucedido devido à ganância do mercado editorial.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
No universo de Kölderlin, o autor das histórias radicais,
quase tudo é possível. O perigo e o risco de morte sempre rondam os
personagens. No de Assis, a aparência é de imobilidade, mas no final há um
exagero surpreendente, maior do que o do autor das aventuras à beira de
vulcões, batalhas, escarpas e ondas gigantes. Como a literatura, no entanto, é
feita muitas vezes de situações que extrapolam a realidade, situações estas em
que o exagero é necessário, entra-se na fantasia e é possível acreditar no
desfecho, que beira o inverossímil.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Há dois momentos no livro que creditam ao autor a qualidade
de saber aproveitar narrativas paralelas. Apesar de não fazerem parte da
história principal, acabam por apresentar boas questões. A primeira é narrada
por Vitor Assis, em meio ao seu trabalho de tradutor. Trata-se do episódio da
vida de um ex-agente do serviço secreto da Alemanha no período em que o país
estava dividido. O homem, após ter vivido no lado oriental, foge para o
Ocidente, e no final vem dar no Brasil. Não devido à profissão que exercera,
mas sim por estar fugindo de duas mulheres. Morara e dormira com ambas
simultaneamente, numa espécie de casamento a três. Um dia descobre que elas
tentaram envenená-lo. O motivo: a herança. O trabalho de Assis é traduzir a
peça jurídica que deverá ser assinada pelo tal homem. Uma das mulheres, a verdadeira
esposa, reclama uma pensão, pois alega ter sido abandonada pelo marido, que, a
seguir, teria fugido para o Brasil. Outro episódio interessante é relatado pelo
narrador-aventureiro. Chama-se: “Na rota da Guerrilha”. Aqui, Júlio Ricardo da
Rosa discute a resistência aos regimes autoritários na América Latina,
incluindo um ex-agente do exército nazista que teria fugido no final da guerra
para a América do Sul. Ele passa a ajudar os guerrilheiros que combatem as
ditaduras locais. Talvez o lado negativo de tantas narrativas seja dar ao livro
um ar de romance total, mas revela a habilidade do autor em inserir histórias
paralelas e demandas diversas a uma narrativa maior.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O título do livro, <i>O
viajante imóvel</i>, permite especulações e diálogos com uma longa fila de
autores, começando por Xavier de Maistre em <i>Viagem
à roda do meu quarto</i>, passando por Machado de Assis, que cita Maistre
várias vezes, até desembocar em Joyce que, com o seu <i>Ulisses</i>, cria o duplo Leopold Bloom / Stephan Dedalus. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Além da alternância entre os dois narradores, com trechos quase
sempre intercalados, há um longo flashback – necessário para conhecermos a vida
pregressa de Vitor –, onde a história se desenvolve por um narrador em terceira
pessoa. No capítulo 8, denominado “Identidade Kölderlin”, voltamos ao narrador
Vitor Assis, permanecendo assim até o final, o que também acontece nos
capítulos intercalados onde há a narração empreendida pelo escritor aventureiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Como epígrafe do romance, Rosa cita Ernesto Sabato: “A arte
é quase sempre um ato antagônico, e um homem parado pode ter muito mais
imaginação do que outro que percorre o planeta.” A citação antecipa o
desenrolar da história, que aponta a literatura como a viagem maior, tanto mais
quando lembramos que muitos dos escritores viajantes não lograram fisicamente
ir muito longe, mas suas obras, além de atingirem estâncias inauditas, nos
perseguem e nos mantêm presos a essa eterna peregrinação.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Trecho do livro:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<i>O Lascar estava
adormecido por mais de dez anos e, em sua última manifestação, as cinzas haviam
atravessado a Argentina e chegado até o sul do Brasil. O calor aumentava, e um
leve tremor sacudiu o chão. Luc e Sabine verificaram os aparelhos. Trocavam
frases curtas, os olhares fascinados. O vulcão cuspiu as primeiras chamas, e o
tremor foi maior, quase roubando meu equilíbrio. Enterrei o chapéu na cabeça
enquanto me firmava para retomar a caminhada. Não queria parecer medroso, mas a
situação ultrapassava o razoável. Deveríamos nos afastar e não prosseguir em
direção ao topo. Novo tremor, e uma golfada de lava jorrou do alto da montanha,
alcançando as raras árvores da paisagem e queimando o solo enquanto as cinzas
desciam sobre nós. Gritei, chamando meus companheiros de volta, e Sabine
replicou sem me olhar, enquanto continuava avançando:</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>– É apenas uma
explosão, não corremos perigo, vai passar logo. (Trecho de <b>Terra em chamas</b>, o mais recente livro de Félix Kölderlin). </i>(O
viajante imóvel, Júlio Ricardo da Rosa)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sobre o autor (Júlio Ricardo da Rosa):<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Nasceu em Porto Alegre. Durante os anos 80, escreveu sobre
cinema para os jornais Zero Hora, Correio do Povo e Jornal do Comércio. É o
responsável pela seleção de Filmes Bourbon, que se realiza todos os anos em
novembro. Publicou os livros <i>Beijo no
escuro</i> e <i>Veludo</i>.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle">
<br /></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle">
O viajante imóvel<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle">
Júlio Ricardo da Rosa<o:p></o:p></div>
Editora Dublinense, 253 páginas<br />
<div class="MsoNormalCxSpMiddle">
<o:p></o:p></div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-31641731183305536242013-12-20T17:54:00.002-02:002013-12-20T17:54:49.481-02:00A literatura que não deve nada a ninguémResenha de “Barba ensopada de sangue”, de Daniel Galera, Companhia das letras, 423 páginas.<br />
<br />
Daniel Galera tornou-se um escritor respeitável nos últimos anos. Após três livros de muito boa repercussão (“Até o dia em que o cão morreu”, “Mãos de cavalo” e “Cordilheira”), o autor lançou, em 2012, “Barba ensopada de sangue”, romance extenso, algo incomum entre os autores contemporâneos. O livro é digno de ser lido não apenas pela história narrada, mas pelas questões que apresenta. Galera é um escritor auspicioso para a nossa literatura, porque se revela um autor maduro, que não se deixa levar pelas exigências de mercado.<br />
<br />
O livro começa com uma espécie de prólogo onde um narrador em primeira pessoa fala sobre a morte de um tio que ele nunca conheceu pessoalmente e que viveu a maior parte da vida no litoral catarinense, em Garopaba. O narrador está na cidade com a família devido à morte desse tio. Portanto, desde o início, percebe-se que o personagem principal do romance já está morto. Esse fato incomoda um pouco, mas não é tão relevante para o desenrolar da história. Tudo não passa de um intrincado jogo em que Galera nos mostra as entranhas da tessitura de um romance. Após o breve prólogo, a narrativa se apresenta em terceira pessoa. É o momento, então, em que passamos a conhecer a vida desse personagem, que não é nenhum escritor, nem mesmo um intelectual, mas um homem que treina atletas para as mais diversas competições, sobretudo as de triatlo.<br />
<br />
Na literatura brasileira de hoje, é grande o número de romances que trazem em primeiro plano a vida de um escritor, ou mesmo de alguém importante no mundo das ideias. Não é aqui o caso. Embora um personagem adjacente seja escritor, o fato é apenas mencionado, trata-se do pai do personagem que nos fala no prólogo. O romance desenvolve-se em torno do homem que vê a atividade física como meio de lhe garantir a sobrevivência. Ele não só prepara atletas, mas também dá aulas de natação, e nas temporadas de verão do litoral catarinense ainda trabalha como salva-vidas.<br />
<br />
O primeiro capítulo apresenta o motivo de todo o restante do livro. Num sítio em Viamão, no Rio Grande do Sul, pai e filho conversam. O assunto é sobre o avô do rapaz, que desapareceu numa praia do litoral de Santa Catarina. O pai toca em fatos que jamais revelou a pessoa alguma da família. O filho, que o está visitando, escuta e passa ter interesse pela história. Mas no fim deste primeiro capítulo, quem se surpreende é o próprio filho (e também o leitor!). O pai lhe pede que dê um fim à cadela que já o acompanha durante mais de quinze anos, porque, no dia seguinte, vai-se matar.<br />
<br />
Contando assim, este início de romance soa meio absurdo, mas a história transcorrerá dentro da mais perfeita coerência e se mostrará muito próxima a uma narrativa policial em grande estilo.<br />
<br />
No momento seguinte o filho chega a Garopaba, a mesma cidade em que viveu e desapareceu o avô, e ali se instala. Ele tem a intenção de desvendar o mistério.<br />
<br />
Dentre as questões que o livro apresenta, pode-se ressaltar que a literatura para ser boa não precisa querer provar nenhuma grande ideia, ou mesmo filosofia. Outro ponto, também digno de nota, é sobre as relações familiares, ponto turvo no relacionamento humano.<br />
<br />
O romance de Daniel Galera leva o leitor a paisagens muito bonitas e a acidentes da natureza dignos de nota. É muito boa a criação de tipos e também de personagens complexas, como a ex-mulher do treinador de atletas, que pouco aparece na narrativa mas tem grande importância. Num mundo pleno de contradições, a amizade e o companheirismo são temas relevantes no enredo.<br />
<br />
Enfim, trata-se de uma história bem tramada, com todos os componentes necessários para mostrar que a boa literatura não precisa de firulas, e que as pessoas comuns podem ser ótimas personagens de romance. O mais interessante em tudo isso é que o autor conduz a narrativa sempre de modo a surpreender o leitor, não fazendo concessão alguma.<br />
<div>
<br /></div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-53314587281167131052013-11-29T11:01:00.000-02:002013-12-01T11:23:40.440-02:00Vários narradores à beira da oralidade<div class="MsoNormal">
<b>Novelas de Vereza
flertam com o realismo fantástico<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Noveleletas</i>, de
João Paulo Vereza, é um livro que segue na trilha de uma literatura brasileira
original. Com cinco pequenas novelas, sendo quatro delas ambientadas longe dos
grandes centros, em flerte com um regionalismo inusitado e quase atemporal, as
histórias apresentam personagens telúricos e sonhadores, não deixando de lado a
relação de poder entre proprietário e empregados nem a religiosidade do homem
do povo. Ao mesmo tempo, os textos transitam em meio ao que se costumou chamar
de realismo fantástico, provocando desfechos em aberto, que torcem o trágico na
direção de possíveis finais felizes.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A primeira história, “O trem nascente”, começa com uma
cantiga, que retorna e se interpõe aos vários trechos da narrativa, como uma
espécie de ciranda. Tal estratégia alivia os momentos de tensão e desvia de
modo inteligente o foco do enredo a outros segmentos, revelando e ampliando
fatos que pouco a pouco tornam o leitor prisioneiro do texto. A primeira parte,
em forma de um falso diálogo (apenas um dos personagens fala e pressupõe a
escuta de outro), apresenta um morador do lugarejo tentando negar informações a
um recém-chegado que pergunta sobre o Almirante, uma espécie de mandachuva
local. Mas este narrador, com o intuito inicial de nada falar sobre tal
personagem, elogia-o tanto que acaba produzindo um efeito contrário: deixa à
mostra toda a crueldade do “senhor”, dono da única usina do lugar. Esse foco
não é, no entanto, o que há de maior na novela, mas sim a habilidade do autor
em transitar por vários tipos de narração, partindo da fala de personagens,
poemas, monólogo interior e narrativa em terceira pessoa.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O mistério da “Barra Pequena” é a segunda novela e, talvez,
a mais pungente. Inicia-se em forma de diálogo entre um pescador e seu Vianna,
o proprietário local, dono de terras e de quase todo o comércio da pequena
cidade. É ele que cede o barco para a pescaria. Uma vez que chega sem os
peixes, o pescador é acusado de bebedeira. Mas este teria testemunhado a
aparição de um monstro no mar, que lhe teria roubado todos os peixes. Entrega
um bilhete onde está escrito “Deutilande”, palavra a princípio misteriosa, mas
que depois revelará grande parte da violência que a história comporta. Com o
desenrolar da novela, a versão do pescador mostrar-se-á próxima da verdade.
Apesar de não se tratar de monstro algum, é algo misterioso, que deverá
permanecer oculto aos moradores da pequena Barra. A seguir a história deixa a
característica dialógica para ser narrada por um jovem órfão de mãe, cujo pai é
alcóolico e violento. O aparecimento de um padre, homem de intensa alegria,
mudará o destino desse rapaz. O religioso contrasta a todos os princípios
severos da Igreja, assinala o prazer como realização máxima e afirma que o ser
humano já não carrega o pecado, mas, ao contrário, tem todas as possibilidades,
desde que saiba apreciar tudo que a vida lhe tem a oferecer. A narrativa
empreendida pelo garoto soa plena de desejos e descobertas. Na verdade,
torna-se quase um pequeno romance de formação. Primeiro é o amor pela menina
Laura, depois, vendo-se só devido ao desaparecimento do pai, apega-se ao irmão
mais velho. Mas esse quer ser soldado e parte para a guerra. A Segunda Guerra
Mundial. Por isso a pungência da história. Quase totalmente desamparado, com
apenas a figura do padre a lhe insuflar que todo homem é responsável pelo seu
destino, esse narrador quer descobrir o mundo. No microcosmo de sua Barra
Pequena, ele se depara com os problemas que a vida impõe a todos os homens.
Mesmo assim ele não desiste, o amor é mais forte e ele empreende a sua
aventura. No final, novamente o desfecho em aberto e a presença do realismo
mágico amenizam e proporcionam a nós, leitores, alguma esperança, em meio a uma
narrativa de conflito e solidão.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“A maçã do Chorume” é um conto protagonizado por um cachorro
que já tomou parte da primeira novela. Mas o autor adverte que “não são
histórias relacionadas”. Aqui, o cão aparece sozinho e faminto, anda pelas ruas
da pequena cidade num dia de festa de santo, está em busca do que comer e acaba
por se fixar numa maçã do amor. Mas Chorume, nas suas travessuras para
surrupiar o doce alimento, acaba por provocar um incêndio. Daí em diante,
começa uma intensa correria para capturá-lo. O narrador nos faz acompanhar o
cachorro na sua fuga e na superação das diversas armadilhas que os moradores
criam para lhe barrar o caminho. O que sobressai, entretanto, é a solidão
humana, agora sob o ponto de vista de um animal. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A quarta história, toda em versos, “Canção de Mané Cotó”,
traz à tona a violência da colonização portuguesa na sua impetuosa busca pelo
ouro no Brasil. Embora narrada em terceira pessoa, o conto (podemos dizer
assim) parte do ponto de vista de um menino negro, escravo fugido que esconde
uma pepita de ouro. Mas a sorte não lhe é favorável. Ele se defronta com certo
capitão do mato conhecido como Juba de Leão. Dom Moncorvo, um emissário que vem
em busca de indícios de ouro na colônia, sai como vencedor. O menino é o
ladrão, mas não deixa de ajeitar as coisas para o nobre português. De acréscimo
há a presença de escravos e mais escravos, soldados e índios”, todos a serviço
da Coroa.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A última novela é “A perna do rei”, única que destoa do
universo telúrico que o livro aborda. Transcorre num transatlântico, durante um
cruzeiro. A narrativa, ambientada nos dias atuais, traz como personagem
principal um homem da burguesia que teima em discordar da esposa. A bordo, há
um cantor muito famoso, chamado de “rei” pelos seus fãs. Qualquer semelhança
com a realidade não é mera coincidência. Contra ele trama um homem que
permanece à sombra, cuja identidade só será revelada no final. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A leitura do livro de Vereza traz
à memória o texto “O narrador, considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”,
de Walter Benjamin, onde o filósofo discorre sobre a arte de narrar e compara o
trabalho do narrador ao de um artífice: “a experiência que passa de pessoa em
pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas
escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais
contadas pelos inúmeros narradores anônimos.” No texto, Benjamin aponta a
narrativa como uma experiência coletiva: “quem escuta uma história está em
companhia do narrador; mesmo quem a lê partilha dessa companhia. Mas o leitor
de um romance é solitário”. O filósofo distingue a narrativa próxima à
oralidade da narrativa de romance, dizendo que esta última já teria perdido a
mística do narrador oral e refletiria a solidão e a fragmentação do homem
moderno.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Percorrendo as diversas narrativas desse simpático livro não
é difícil detectar a filiação literária de Vereza ao universo ficcional de
Guimarães Rosa. Mas não se trata de imitação, o motivo e as questões
apresentadas pelas histórias remetem o leitor nesta direção.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Trecho do livro:</div>
<div class="MsoNormal">
<i>Lá distante o trem se acerta num vale reta firme. O sol
deixa o lugar, flores cores desaparecem, grama planta surge que nem palha.
Chique chique vem o trem, pracumpum pracumpum. Atinge a nuvem auréola da
cidade, o negrume da usina tampa tudo feito eclipse. Vai entrando fiuí piuí
entre as ruas e casinhas, o ponto abandonado da estação. Treme tudo este trem,
termina nunca a fila de vagão. Balança janela acorda criança, poeira flutua o
pó decanta, vixe!, a mucama esqueceu lençol no varal. O cobrão diminui a
velocidade, a cachorrada abre passagem pela ferrovia e o metal sem óleo chia
faísca.</i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O autor:</div>
João Paulo Vereza escreve desde que se lembra. Carioca, 33
anos, casado, redator publicitário, graduado pela PUC-Rio. Tem formação musical
e é baterista de garagem. Mora em São Paulo desde 2006.Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-60938664130396222092013-10-31T10:53:00.001-02:002013-10-31T10:53:38.655-02:00Ninguém é inocente<div class="MsoNormal">
Resenha de <i>Memória da
Pedra</i>, de Maurício Lyrio, Companhia das Letras, 315 páginas)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Memória da Pedra</i>,
de Maurício Lyrio, é um romance que desde o início se mostra complexo. Com um
narrador em terceira pessoa, a história de dois casais desenvolve-se entre idas
e vindas, procurando ora apresentar o presente, ora o passado de cada um desses
personagens. O foco narrativo se detém, no entanto, sobre Eduardo, o protagonista.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Um fator que traz mérito à narrativa é o distanciamento
temporal. Ela se dá no início dos anos 1990, momento da história do Brasil em
que acontece o impeachment do ex-presidente Collor, a que a narrativa faz
referência. Mas, na verdade, não se trata de romance político nem histórico. Essa
ambientação, mais ou menos vinte anos atrás, permite ao leitor analisar com
menos risco atitudes e comportamentos que ficariam comprometidos caso a
problemática discutida no enredo se desenrolasse nos dias de hoje. Mas a
história datada não elimina a sua universalidade. Apesar de referências a
meninos de rua, tendo um deles como personagem coadjuvante, apesar da menção a
protestos pela destituição do presidente da república, o que vigora é o drama
interior dos personagens, seus traumas e conflitos, a violência inerente a cada
um, enfim, trata-se de um complexo romance psicológico onde, na maioria das
vezes, as pessoas, de tão desesperadas, apenas procuram culpados pela própria
infelicidade, esquecendo que a causa de suas tragédias pessoais encontra-se
dentro de si mesmas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eduardo é um professor de filosofia do Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, discute seus pensadores prediletos,
ministra aulas especulativas, mas sua vida particular é pontuada de
desencontros. Até aí tudo bem, pois não se trata de um livro de autoajuda nem é
função da filosofia propor soluções àqueles que lidam com o assunto. Mas o que
nos chega é alguém permeado pela hipocrisia. A literatura brasileira sempre foi plena de
histórias que apresentam, em primeiro plano, personagens pertencentes a classes
abastadas. Eduardo não é rico, mas sua vida de filho único, herdeiro de um
imóvel na Gávea, acrescentando-se o salário de professor de universidade
federal, proporciona-lhe trânsito num universo de requinte, em que há bem mais
do que o necessário para se sobreviver. Problemático nas relações afetivas, faz
par com Laura, uma artista plástica extremamente insegura. Ela vê a relação com
Eduardo como uma tábua de salvação, tábua esta que começa a naufragar em largo
oceano (aproveitando a metáfora, já que o mar é também personagem do romance)
no momento em que ele descobre um segredo seu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Gilberto é médico, oncologista, tem como mulher Marina, uma
psicanalista irônica, que o absorve, apesar da frieza que o contato com doentes
terminais lhe impõe. O casal é amigo de Eduardo e Laura, mas quanto mais os
dois casais aproximam-se, tanto mais a amizade se esgarça. À primeira vista a
relação dos quatro soa moderna, sem preconceitos. Eles saem juntos, viajam para
Búzios, trocam ideias e opiniões. Não há conflito entre a visão médica de
Gilberto e a filosofia, profissão de Eduardo. Mas há um ponto em que surge o
nó, e ele não desata.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Aqui é necessário acompanhar não o desenrolar da história,
mas estudar a criação desses personagens. Talvez o mais complexo seja Eduardo.
Sua mulher, Laura, soa um tanto frágil. Não como mulher na narrativa, mas como
construção do escritor. Aliás, as mulheres de Maurício Lyrio mostram-se um
tanto previsíveis. Talvez, a mais bem construída, embora seja a que menos
aparece, é Gorda, uma moradora de rua para quem a mobilidade é quase impossível.
Com ela, a narrativa atravessa uma vereda romântica permitindo-nos atração por
esse tipo de personagem, atitude ainda possível até meados dos anos 1990.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas, antes de falar nessa contração narrativa, analisemos
também Gilberto, o oncologista. O autor
fez um bom o trabalho de pesquisa ao descrever com certa minúcia os
subterrâneos da profissão do personagem. Desfilam ante nossos olhos doenças
terríveis, seus nomes científicos, os sintomas, a evolução e até mesmo a descrição
da fase terminal. Mas Gilberto tem a superficialidade da maioria dos médicos.
Isso mesmo, muitas vezes achamos esses profissionais importantes, verdadeiros
monstros do saber, mas quando se trata de relacionamento, de filosofia de vida,
de entendimento sobre o humano, são verdadeiros fracassos. Portanto, a
superficialidade em que está imerso Gilberto é fruto da construção bem sucedida
do personagem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A fissura na narrativa advém por meio da mencionada mulher
chamada Gorda e, antes, pelo aparecimento de Romário, um menino de rua de doze
anos que vende limão num semáforo, na Gávea. Este personagem norteará grande
parte da narrativa. Ele passa a ser não apenas companheiro do professor de
filosofia, mas também o seu contraponto. O primeiro contato entre os dois é um
total fracasso. O garoto pensa que Eduardo é homossexual e está em busca de um
caso. Mas pouco a pouco o professor aproxima-se, estabelece contato e conquista
a sua confiança. A construção do personagem é verossímil, até a linguagem do
garoto mostra-se convincente. O que, talvez, destoe nisso tudo é o que se
segue. Romário passa a morar no apartamento de Eduardo, diante de uma, a
princípio, estarrecida Laura. Daí a razão da ambientação da narrativa no início
dos anos 1990, porque nos dias de hoje tal atitude não seria plausível.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Como ensina Dostoievsky, a literatura precisa exagerar um
pouco. Esta arte feita de palavras não comporta o homem comum, as situações
corriqueiras do dia a dia, a não ser que esse mesmo homem passe a ter um papel grandioso.
Por isso, o aparecimento de Romário proporciona vigor à narrativa, o que não
aconteceria caso ela tivesse apenas como destaque as quatro personagens
iniciais. Até mesmo a bela Anita, uma jovem bibliotecária do Instituto de
Filosofia da UFRJ, soa um tanto frágil. Ou mesmo de Felipe, seu namorado
estrangeiro. Romário e Gorda, que moram no teto do Túnel Velho, em Copacabana,
trazem à narrativa a estranheza necessária para que o romance atinja patamares
mais elevados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Outro ponto que norteia toda o livro é a constante presença
da morte. Ela já desponta através da especialidade de Gilberto, que vive às
voltas com doentes terminais, e do acidente que vitimou os pais de Eduardo
quando ele ainda era adolescente. Mas é no suicídio que a morte será anunciada com
todas as letras, e causará a perplexidade que somente tal ato pode gerar. Já
nas primeiras páginas há a uma antecipação da narrativa revelando que Marina, a
psicanalista, suicidar-se-á. E, cá entre nós, não é todo dia que uma
psicanalista se suicida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Interessante o Rio de Janeiro com seus encantos num período
de pré-acirramento da violência que se seguiria com todas as consequências que
já sabemos. Então, o exagero de trazer um menino de rua para dentro de casa
permearia um ideal de filósofo semelhante à aposta de Pascal. Filosofia e
literatura são construções de pensamentos e de artifícios. Apostas fora delas
talvez produzam consequências nefastas, sobretudo numa época em que ninguém
mais é inocente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Trecho do
romance:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Eduardo sempre foi o mais circunspecto dos quatro, mas era
Gilberto quem nunca atravessava o limite, quem se controlava diante das
insinuações de Marina e do apelo do corpo de Laura. Talvez tirasse dali um
prazer que nunca vinha ao rosto, severo como uma carranca. Por trás do
palavrão, do termo latino ou grego da doença, estava o controle de si e do
discurso, como se pontificasse para a posteridade. Dizia conviver mal com a
ideia de que bastaria combinar na ordem certa cinco ou seis palavras para
responder as questões que o angustiavam: a origem de cada câncer, a cura
definitiva, o momento e o lugar em que, pela última vez, correria os olhos em
torno de si. Todas as respostas estavam disponíveis, em uma página, um
comentário despropositado, uma conversa em um filme, era questão de
discernimento. Não se cansava de repetir em voz baixa, como um mantra, o verso
sobre o câncer que Eduardo recitou uma vez, no vício de querer encontrar em uma
frase a chave para a salvação.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Sobre o
autor:<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Mauricio Lyrio nasceu no Rio de janeiro, em 1967. É
diplomata e trabalhou em Brasília, Washington, Buenos Aires, Pequim e Nova
York, onde vive atualmente. Em 2010, publicou <i>A ascensão da China como potência</i>, pela Fundação Alexandre de
Gusmão. <i>Memória da pedra</i> recebeu
Menção honrosa no prêmio SESC de Literatura 2010.<o:p></o:p></div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-17682807553841714622013-09-30T16:44:00.000-03:002013-09-30T16:44:41.198-03:00“Hanói”, o novo romance de Adriana Lisboa<div class="MsoNormal">
“Elefantes não deveriam morrer, não é verdade? Elefantes
deveriam viver para sempre.” Embora no começo do seu mais recente romance, “Hanói”
(Alfaguara, 238 páginas), Adriana Lisboa use a metáfora desse grande e belo
animal, ela vai tratar mesmo é de seres humanos e da precariedade de suas
existências. A autora estreou na literatura no final dos anos noventa, e “Sinfonia
em Branco” (2001), seu segundo livro, abriu caminho para que ela recebesse
muitos elogios e alguns dos principais prêmios concedidos pela crítica
especializada. “Sinfonia” acabou também por marcar a sua literatura, porque
mesmo hoje, morando nos Estados Unidos desde 2007 e com vários livros
publicados, para muitos leitores é ainda o seu melhor trabalho.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Com “Hanói”, seu sexto romance, talvez alguns já possam afirmar
que há algo de novo não apenas na literatura de Adriana Lisboa, mas também no
horizonte da literatura brasileira. O primeiro ponto é que se trata de uma história
totalmente ambientada fora do Brasil, restando nela de brasileiro, além da
referência ao já falecido pai do personagem principal – nascido em Governador
Valadares e tendo emigrado jovem para os Estados Unidos – a circunstância de
ter sido escrita em português. David, o filho, é americano; e sua mãe, uma emigrante
mexicana. No livro seus pais aparecem apenas como lembrança. O segundo ponto é
que o romance traz como tema principal algo difícil de ser abordado: a dor e a
consequente proximidade da morte. O que fazer quando alguém sabe que já não lhe
resta mais do que seis meses de vida? Adriana desenvolve bem o tema sem resvalar
na pieguice ou no melodramático.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
David, um homem de 32 anos, é músico amador, toca trompete,
mas tem câncer. O médico lhe assegura que sua doença só possui tratamentos
paliativos e que lhe resta apenas uma sobrevida. Mas o personagem, de modo
surpreendente, não se deixa abater, cria um objetivo para si, e até arranja uma
namorada. Assim como os elefantes citados lá no início separam-se da manada
quando sentem a morte próxima (é a própria narradora que nos alerta), David
deseja viajar para bem longe, quem sabe Hanói. A capital do Vietnã será o
motivo para a entrada em cena das consequências dessa guerra americana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Talvez muitas pessoas não saibam que a guerra do Vietnã
produziu uma horda de deserdados dentro da própria sociedade vietnamita.
Enquanto durou, muitos soldados americanos geraram filhos em mulheres vietnamitas.
Com o término da guerra, depois que os soldados partiram, essas crianças foram
discriminadas e atiradas numa espécie de limbo, não podendo nem mesmo
frequentar a escola. Nos anos 1990, os Estados Unidos decidiram receber em seu
solo essas pessoas, uma espécie de resgate à tragédia que causaram no extremo
oriente. Na América, receberam cidadania e começaram a ser preparadas para a integração
na vida social e profissional.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O romance é muito bem sucedido ao expor as duas vertentes a
que se propõe. A dor física, incluindo aí a proximidade irremediável da morte,
e as feridas ainda não cicatrizadas de todo oriundas de uma guerra que além de
mortos e feridos produziu gente proibida de existir como ser humano, outro tipo
de sentença de morte.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Embora o romance não possua o mesmo requinte narrativo de “Sinfonia
em Branco”, “Hanói” é um bom motivo de comemoração para aqueles que gostam de ousadia.
Assim como a experiência americana dos exilados vietnamitas gerou mudança no
conceito racial do que é ser americano nos dias de hoje, o exílio voluntário de
Adriana Lisboa nos Estados Unidos está gerando uma bem sucedida literatura
brasileira, mesmo escrita fora do Brasil e distante dos problemas brasileiros.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-78716855953745880242013-08-31T14:32:00.003-03:002013-08-31T14:36:03.717-03:00Ensaio e memorialismo: os livros de Pedro Nava<div class="MsoNormal">
Michel de Montaigne viveu no século 16. Ao escrever seus
famosos ensaios, não tinha a pretensão de angariar um grande público leitor.
Pois como se sabe, a literatura da época era divida entre os escritos religiosos,
que na verdade tentavam preservar a Igreja Católica dos reformistas, os
primeiros lampejos do que mais tarde se viria a chamar de ciência, e o que sempre
se costumou nomear literatura e filosofia, na verdade uma herança da
antiguidade clássica. O escritor francês, com seus textos, inaugurou um novo
gênero que ainda não possuía nem nome nem leitores, o ensaio. Alguém há de
perguntar: por que então Montaigne escrevia? Segundo ele, para satisfazer a si próprio,
para que pudesse entender melhor a vida e para acostumar-se à ideia de que era
impossível escapar à morte. E assim viveu o autor. Sua escrita traz tal
sensualidade, que talvez tenha inspirado Roland Barthes quatro séculos depois a
escrever “O prazer do texto”. Montaigne viveu a liberdade (que sempre se quis
como um direito humano) por meio da exposição de suas ideias e da construção de
sua literatura. Em meio a um período crítico da história da humanidade, fins da
Idade Média e começo da era moderna, o escritor talvez se tenha tornado o
primeiro intelectual até certo ponto independente, um não especialista que, com
erudição, disserta sobre os mais variados assuntos e, ainda que se sentisse cristão,
fundamenta suas ideias não no que a religião prega, mas na dúvida que todo
leigo traz dentro de si, o desamparo a que o homem está submetido, e o
inevitável fim que, mais cedo ou mais tarde, teremos de enfrentar.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Assim como os textos do clássico francês, a literatura
sempre necessitou daqueles que a utilizassem para discutir não apenas a
condição humana, mas também para preservar a memória. Nessa linha de filiação, situa-se
o memorialismo, gênero que resgata o passado e o guarda da perspectiva de
desaparecimento. O homem de carne e osso está fadado à morte, mas suas obras
não. Enquanto houver um humano sobre a face da terra, este deverá saber que é
herdeiro de tudo que aqui foi produzido, sobretudo quando se trata de ideias e
arte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Guardadas as devidas proporções, nossa literatura apresenta
um herdeiro clássico dessa tradição que, no Ocidente, começou com Montaigne,
realizou-se plenamente no século 20 com Marcel Proust, e tem Barthes como
espectador e estudioso privilegiado. Na literatura brasileira, esse herdeiro,
pouco conhecido principalmente entre os leitores mais jovens, chama-se Pedro
Nava (1903-1984). Sua obra, em grande parte memorialista, traz no bojo a
discussão da condição humana, ensaística que permeia os livros de todo escritor
que sobrevive ao seu tempo. Filho de médico, nascido em Juiz de Fora Nava
tornou-se cedo também médico famoso e reconhecido, tendo ocupado importantes
cargos na administração da saúde pública. Mas a medicina não lhe foi
suficiente. Quando ninguém esperava, já em tempo de aposentadoria, despontou
como escritor requintado trazendo à tona o passado não só em que aparece como
protagonista, mas também o da intelectualidade brasileira. Seu primeiro livro, “Baú
de ossos”, resgata não apenas o tempo perdido de sua família e de parentes próximos
que remontam ao século 19, mas traz muitas reflexões sobre o período. Desde
cedo o autor privou da convivência com pessoas que vieram atuar como atores
principais na vida cultural, intelectual e política do país, como o escritor e
poeta, seu tio, Antônio Salles (amigo de Machado de Assis, recusou candidatura
à Academia Brasileira de Letras) e entre muitos outros com os irmãos Afrânio e
Afonso Arinos, e Prudente de Morais Neto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em “Balão cativo” o autor remonta à sua infância em Juiz de
Fora, cidade para onde voltou logo após a morte do pai. Rememora a vida
provinciana local, as pessoas famosas que desfilavam na rua principal da
cidade, homens e mulheres que na verdade também frequentavam a sua casa. Depois
relata a mudança com a mãe e os irmãos para a casa do avô materno, em Belo
Horizonte. Na recente capital mineira, ingressa no internato do Colégio
Anglo-Mineiro, instituição dirigida por ingleses que fez fama à época porque
abria mão do latim, do catecismo e primava pela prática de esportes,
principalmente do recém-introduzido futebol. Depois, muda-se para o Rio onde
passa a morar com os tios, no Engenho Velho. Na verdade, sua vinda para a
capital da república acontece devido à necessidade de continuar os estudos
ingressando, já adolescente, no internato do Colégio Pedro II, em São
Cristóvão. Há toda uma pintura da sociedade carioca da segunda década do século
20, dos passeios pelos arredores, de sua assídua frequência ao cinema Velo, na rua
Haddock Lobo, das idas de bonde ao centro da cidade acompanhando o tio Salles,
onde visitavam o que havia de mais importante, inclusive a livraria Garnier, na
rua do Ouvidor. Ali, ainda menino, foi apresentado a vários escritores famosos
à época, como Coelho Neto, João do Rio, Gilka Machado, Silva Ramos, João
Ribeiro, Alberto de Oliveira, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac e até a um
Lima Barreto “todo ardido e suado de vir rolando de seus subúrbios”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A obra memorialista de Nava é composta por seis volumes: “Baú
de Ossos”, “Balão Cativo”, “Chão de Ferro”, “Beira-Mar”, “Galo-das-trevas” e “Círio
perfeito”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
É interessante constatar que, ao contrário do que se diz por
aí, o Brasil não é um país de memória curta. Houve um escritor como Pedro Nava,
alguém que se preocupou em preservar não apenas a memória da vida familiar, mas
também a memória física e espiritual dos lugares por onde andou, não deixando
de lado a reflexão.<br />
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-1153768203845510652013-07-18T17:34:00.000-03:002013-07-18T19:04:40.170-03:00A ilha do tesouro<div align="justify">
“É um contradição aparente.”<br />
<br />
“Aparente?”<br />
<br />
“Sim.”<br />
<br />
“Por quê?”<br />
<br />
“Porque você vem à escola e logo quer deixá-la; você vem para aprender alguma coisa, mas parece que não o deseja. No final, feitas as contas, creio que, mesmo assim, ainda sobra alguma coisa a seu favor.”<br />
<br />
Jhonatan olhava os livros que estavam amontoados sobre uma das mesas da biblioteca; depois voltou a face para o professor, como se quisesse perguntar alguma coisa, mas o exemplar da Ilha do Tesouro, de Stevenson, com a capa colorida e algumas figuras quase em alto relevo, despertou-lhe a atenção. O livro remeteu-o ao mar que havia em frente à cidade e à visão das duas ilhas existentes diante da costa. Eram dois animais disformes que sempre quisera identificar, perfilados lado a lado, mas nunca conseguira; em uma delas, a montanha, um tanto escarpada, se destacava.<br />
<br />
Professor Júlio também voltou os olhos para a mesa; tomou, em seguida, o livro nas mãos, folheou-o de modo displicente e disse:<br />
<br />
“É um bom livro.”<br />
<br />
Foi o suficiente para que o rapaz se desinteressasse. Esquivou-se esticando o olhar por sobre o peitoril da janela, em direção a um ponto indefinido na paisagem exterior. Passado algum tempo, o professor deixou livro e aluno e pôs-se a percorrer outras estantes.<br />
<br />
<br />
O corpo da adolescente lhe escapava das mãos, o céu ia sem estrelas, as areias da praia dificultavam seus passos, pois não fizera como ela que tirara o calçado. Perseguia-a; a moça, porém, conseguia escapar e se ocultar nas sombras. O vento sacudia a vegetação rasteira; ao longo da única via, postes ostentavam lâmpadas apagadas e alheias ao prenúncio de tempestade. Quando decidiu tirar os sapatos e procurar Soraia, ela desaparecera sem deixar qualquer vestígio. Olhou na direção de onde ambos vieram, mediu a distância que percorreram e tudo se misturou à escuridão persistente.<br />
<br />
Quando a convidara para passear, levá-la na garupa de sua pequena motocicleta, imaginou cenas indescritíveis, coisas que nunca fizera com mulher alguma - histórias existentes apenas em narrativas de colegas que tinham a mente cheia de imaginação. Ao ouvi-la aceitar o convite, não pôde mais duvidar de coisa alguma; a moça mais bela e desejada da escola seria sua, ao menos naquela noite, ainda que apenas por algumas horas.<br />
<br />
<br />
Quando o olhar do professor cruzou com o seu novamente, percebeu que Soraia conversava com ele. Sorria e mostrava o livro que estava lendo. Com a presença dela, a biblioteca clareara, tornara-se mais viva e a escola mais agradável, mesmo numa cinzenta manhã de segunda-feira. A moça o encarou, deixou-lhe ligeiro aceno; agia como se nada tivesse acontecido.<br />
<br />
<br />
Jhonatan esperou encostado a uma falésia. Preferiu o frio da madrugada a voltar para casa. A preamar trazia-lhe respingos esporádicos. Em determinado momento teve a impressão de que uma mulher saía nua do mar; ah, imaginações, pensou. Continuou com os olhos voltados para o mar escuro, na direção das ilhas que não podia enxergar àquela hora.<br />
<br />
Ao amanhecer, a maré vazava. Foi então que percebeu que não estava sozinho. Soraia sorria e trazia os cabelos molhados. Mas estava vestida e agasalhada.<br />
<br />
Voltou-lhe a mulher nua saindo das águas.</div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-22177567609271212972013-06-07T18:16:00.000-03:002013-06-07T18:18:21.247-03:00O ocidente e o Islã<div style="line-height: 16pt;">
<span style="font-weight: bold; line-height: 16pt;"><br /></span>
<span style="font-weight: bold; line-height: 16pt;">Edward Said mostra em “Orientalismo” as raízes do conflito</span></div>
<br />
“Harry Magdoff descreveu como ‘globalização’ um sistema pelo qual uma pequena elite financeira expandiu seu poder sobre o globo, inflando os preços das mercadorias e dos serviços, redistribuindo a riqueza dos setores de menor renda (em geral no mundo não ocidental) para os de maior renda”.<br />
<div style="margin-top: 12pt;">
Essa citação aparece no posfácio da edição de 1995 de “Orientalismo – O Oriente como invenção do ocidente”, de Edward Said (1935-2003), livro que acabou tornando-se um clássico ao abordar as distorções do Ocidente nos estudos sobre o Oriente, principalmente sobre o Islã. As palavras de Magdoff são úteis para reafirmar a tese de Said. Segundo este, o que as pesquisas acadêmicas mais fizeram desde o início da era moderna foi construir uma visão deformada do Oriente, o que correspondia plenamente às intenções dos impérios europeus, que visavam subjugar e explorar a região.</div>
<div style="margin-top: 12pt;">
Said nasceu em Jerusalém, filho de árabes cristãos, foi educado no Cairo e em Nova York, onde depois lecionou literatura na Universidade de Colúmbia. Na verdade, o autor diz jamais ter ensinado “coisa alguma sobre o Oriente Médio”, foi professor de Humanidades, principalmente europeias e americanas, e especialista em literatura comparada. Baseando-se nesses estudos escreveu, entre muitos outros livros importantes, “Orientalismo”.</div>
<div style="margin-top: 12pt;">
No livro, Said faz uma pesquisa de tudo o que se escreveu sobre o Oriente, tanto sob a perspectiva pretensamente científica como literária, não deixando de fora o enfoque do islamismo a partir do ponto de vista de especialistas ocidentais. O estudo aponta o Oriente admirado em primeiro lugar como lugar exótico e romântico pelos europeus, para logo em seguida ser visto como área de interesses econômicos e políticos por parte dos países ocidentais. O autor demonstra também por que o povo judeu, tão pouco diferente dos povos árabes, foi vítima de outro tipo de discriminação.</div>
<div style="margin-top: 12pt;">
O livro é dividido em três partes. A primeira trata do “alcance do orientalismo”; a segunda chama-se “Estruturas e Reestruturas orientalistas”; e a terceira, “O orientalismo hoje”.</div>
<div style="margin-top: 12pt;">
Na primeira, o autor conceitua o que se costumou chamar de orientalismo, remontando à Idade Média para depois se fixar no século 19, período em que essas pesquisas se consolidam. Na segunda parte trata das políticas empreendidas pelos impérios ocidentais, como o britânico e o francês, sobre o Oriente. Na última, como o próprio nome revela, aborda como o conhecimento aprofundado do Oriente gerou políticas de dominação da parte dos países ocidentais, sobretudo a partir de meados do século 20 através dos Estados Unidos.</div>
<div style="margin-top: 12pt;">
O que Said anuncia, no entanto, é que os estudiosos ocidentais sempre se consideraram civilizados, enquanto viam o Oriente como objeto de civilização. Na construção dessa área de saber, chamada orientalismo, não falta uma quantidade enorme de preconceitos, o que leva o leitor ocidental a uma visão depreciativa desse grande outro, o Oriente.</div>
<div style="margin-top: 12pt;">
Na segunda parte, sobretudo, o autor aprecia a quantidade de projetos que visavam à dominação ocidental sobre os povos do Oriente Médio, e relata a expedição de Napoleão ao Egito no início do século 19, quando o país foi conquistado pela França. Napoleão preparou e concretizou a investida levando à frente uma quantidade enorme de intelectuais preparados para convencer os nativos sobre o caráter promissor da presença francesa na região. Rebeliões e levantes que se seguiram mostraram o caráter falacioso do argumento.</div>
<div style="margin-top: 12pt;">
Ainda no posfácio há um embate entre Said e Bernard Lewis. Analisando as críticas tanto positivas quanto negativas direcionadas ao seu livro à época do aparecimento da primeira edição em inglês, Said rebate Lewis, que considerou limitada a perspectiva do autor palestino. Bernard, também autor de diversas obras sobre o Oriente, deseja a pesquisa orientalista sob a mesma perspectiva de estudo do helenismo clássico. Said, porém, sustenta que o helenismo clássico pertence a um mundo que já não existe, enquanto o mesmo não pode ser dito a respeito do orientalismo, vide os estudos sobre o Islã e sobre todo o Oriente sendo utilizados pelo Departamento de Estado norte-americano com fins de hegemonia econômica, política e militar na região. Portanto, exigir o caráter apolítico em tal tipo de pesquisa seria negar a contemporaneidade.</div>
<div style="margin-top: 12pt;">
A morte de Edward Said em 2003 (período em que se acirrou o conflito Ocidente/Islã devido ao atentado ao WTC e ao consequente início das guerras do Afeganistão e do Iraque), foi uma grande perda para todos, porque ele era o melhor interlocutor intelectual entre essas duas culturas, que, por causa de grupos minoritários (tanto de um lado como de outro), encontram-se num conflito quase irremediável.</div>
<div style="margin-top: 12pt;">
“Orientalismo – o Oriente como invenção do Ocidente”<br />
Edward Said, tradução de Rosaura Eichenberg<br />
Companhia das Letras, 523 páginas</div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20483678.post-16638532012808216672013-05-12T12:10:00.001-03:002013-05-12T12:10:47.577-03:00Ilíada e Odisseia, a fundação do humano e a inauguração da literaturaPouco se sabe a respeito de Homero, até mesmo a cidade onde
teria nascido é palco de controvérsias. O período em que a <i>Ilíada</i> e a <i>Odisseia</i> foram
escritas também é outro ponto para discussão. Alguns pesquisadores acham que os
poemas são do século VIII a.C., enquanto outros apontam o século VII e até
mesmo o VI. O consenso é de que esses dois poemas épicos são os fundadores da
literatura ocidental, ainda mantendo intensa atualidade.<br />
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A <i>Ilíada</i> descreve
e narra a Guerra de Troia, desde as suas motivações, a genealogia dos deuses,
dos heróis, os detalhes das batalhas e o intrincado conluio entre os habitantes
do Olimpo e os homens. A <i>Odisseia</i> já
trata da vida de um homem, Odisseu, mais conhecido como Ulisses, seu nome
latino.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Atualmente, nas livrarias, é possível encontrar os dois
livros em edições muito bem cuidadas. A <i>Ilíada</i>,
em capa dura e arte final perfeita, traduzida por Odorico Mendes, famoso
intelectual brasileiro que viveu no século XIX, é da Ateliê Editorial. A
tradução é tão bem resolvida que se tornou modelo entre aqueles que desejam
seguir essa muitas vezes ingrata carreira de tradutor. A <i>Odisseia</i> já aparece em edição mais simples, porém bilíngue e também
muito bem acabada, traduzida pelo conhecido professor Trajano Vieira, com
posfácio de Ítalo Calvino; a editora é a 34. Na Odisseia há ainda inúmeras
notas, a geografia do Mediterrâneo à época em que se passaram a guerra de Troia
e as viagens de Ulisses (calcula-se que a guerra tenha ocorrido entre 1300 e
1200 a.C., logo seis ou sete séculos antes de se transformar em literatura), e
o sumário dos cantos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O motivo da <i>Ilíada</i>,
como todos sabem, é a fuga de Helena (mulher de Menelau, rei de Esparta) e Páris
para Troia (alguns afirmam que ela teria sido raptada), o que motivou uma
espécie de aliança entre várias cidades-estados da Grécia para acorrer à Ásia
menor e trazê-la de volta. Só que, entre marchas e contramarchas, a guerra dura
dez anos. Os gregos combatem sob o comando de Agamêmnon.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Já a <i>Odisseia</i>
narra a volta de Ulisses a Ítaca, ilha governada por ele. Mas o herói, autor do
cavalo de madeira que enganou os troianos e tornou possível aos gregos a
vitória, leva vinte anos para conseguir retornar a sua ilha, somando o tempo
que durou a guerra. Ele sofre no percurso todo o tipo de atribulações.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Enquanto a <i>Ilíada</i>
é pungente porque além de cantar a vitória das hostes aliadas ressalta a
desventura dos que morrem em terra estrangeira, a <i>Odisseia</i> nos aponta o percurso de um homem e sua solidão. Apesar do
caráter heroico atribuído a Odisseu, não há quem não se identifique com ele quando
se trata dos problemas humanos. O herói é levado cada vez para mais longe de
casa; experimenta a ameaça de monstros inimigos, feiticeiras, sereias,
tempestades e naufrágios. Seus companheiros vão pouco a pouco perdendo a vida
pelo caminho e, quando consegue voltar para casa, Ulisses chega sozinho e em
nau estrangeira. Além disso, precisa disfarçar-se para tramar a vitória sobre
os pretendentes que assediam sua esposa. Como havia duas décadas que partira e
jamais dera notícias, muitos achavam que ele morrera enquanto navegava de volta
a sua Ítaca. A viagem de Ulisses é tão tormentosa que ele chega a ir ao Hades –
na mitologia grega é a terra dos mortos –, onde reencontra muitos dos seus
companheiros que pereceram no campo de batalha, como Ajax e Aquiles. Também
descobre entre os mortos sua mãe, que ainda vivia quando ele partiu para a
guerra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em algumas paragens, o herói também é recompensado com a
lealdade e a amizade, como entre os feácios. Estes o acolhem, enchem-no de
presentes e o transportam de volta a Ítaca.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Outro episódio interessante ocorre logo que ele desembarca e
vai à própria casa apresentando-se como um estrangeiro que pede abrigo,
disfarce para driblar os pretendentes de sua mulher. É reconhecido por Argos,
seu cachorro, que já tem vinte anos de idade. O animal se agita ante a aproximação
do herói, dá demonstração de fidelidade e morre logo em seguida. Uma criada
também o reconhece. Uma vez que era costume entre os gregos ofertar banho aos
estrangeiros, a criada que o leva reconhece a cicatriz que ele possui num dos joelhos,
fruto de um acidente que sofreu quando criança ao acompanhar o avô na caça ao
javali.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Apesar de ambas as histórias terem como pano de fundo a
guerra, principalmente a <i>Ilíada</i>,
vemos diversas demonstração de amor, lealdade e amizade. Ressalte-se o sentimento
do herói, Ulisses, que nos ensina como é difícil viver como estrangeiro, pior
ainda na própria terra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Embora os leitores de primeira viagem possam encontrar
alguma dificuldade no começo, a leitura de ambos os livros pouco a pouco se
torna mais fluida e agradável. Ler esses dois clássicos da literatura acaba
tornando-se não apenas uma questão de cultura, mas de humanidade.<o:p></o:p></div>
Haron Gamalhttp://www.blogger.com/profile/02427892393723253125noreply@blogger.com0