domingo, abril 15, 2012

Felicidade sobre duas rodas

Vinha eu de bicicleta pela ciclovia, em Ipanema. Era manhã de sexta-feira. Um sol morno aquecia os felizardos que podiam andar ali àquela hora. Enquanto iniciava minhas suaves pedaladas e me perdia nas primeiras reflexões, um cidadão, aproveitando o estreito espaço entre mim e o calçamento, fez uma ultrapassagem pela direita. A ponta do seu guidom chegou a tocar nas minhas costas. Além de me assustar e me tirar durante alguns segundos o senso de direção, o esbaforido e repentino ciclista ainda me olhou com cara de mau, como se fosse eu o culpado. E não era ele um jovem afoito atrás do súbito aparecimento da garota dos seus sonhos, mas um senhor de meia idade. Continuei meu passeio-exercício pela orla. Pedalei até o Leblon, onde fiz a volta e comecei a retornar ao Arpoador. A partir do quase acidente passei a observar, de modo mais apurado, ciclistas e pedestres. Mesmo usando a bicicleta como esporte ou lazer, o ciclista apresenta todos os vícios que vemos diariamente nos motoristas do Rio. Além da ultrapassagem pela direita, pude observar outras “infrações”.

Os entregadores de gelo param seus triciclos de modo abrupto, não se incomodando se ocupam grande parte da pista e impedem a passagem de ciclistas, patinadores ou skatistas. Não sobra espaço nem mesmo para quem vem na direção contrária. Pode-se observar que, no trânsito de bicicletas, também impera a lei do mais forte.

Outro obstáculo são os que pensam que a ciclovia é pista de corrida. Eles “pilotam” suas bikes em extrema velocidade, não se importando com o risco que criam.

A falta de respeito aos sinais luminosos, que também são para os que transitam na ciclovia, é outro problema. O pedestre, que já tenta escapar dos ônibus e automóveis velozes na avenida, se depara, logo a seguir, com ciclistas enfurecidos. Estes fazem de conta que os semáforos não fazem parte da paisagem.

Podem ser vistos também corredores. Eles são permitidos na ciclovia, desde que corram à direita. Mas há aqueles que teimam correr em dupla, o que toma metade da pista.

O último obstáculo é o pobre coitado do pedestre. Caso venha de longe, geralmente nada sabe sobre as regras da ciclovia e a atravessa sem olhar, ou mesmo caminha nela. O perigo é redobrado quando se veem crianças soltas, longe das mãos de seus responsáveis.

O passeio sobre duas rodas acaba por me trazer à mente “O garoto da bicicleta”, de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne. No filme, Cyril (Thomas Doret) é um menino criado pela avó, mas com a morte dela passa a viver num internato. Ele foge e sai à procura do pai, que se recusa a recebê-lo. Aproveita também para perguntar o destino de sua bicicleta (do menino). Mais tarde ele descobrirá que o próprio pai a vendeu para saldar algumas dívidas. Acidentalmente, esbarra com Samantha (Cécile de France) que, apesar do caráter agressivo do garoto, acaba acolhendo-o. A cena em que os dois pedalam numa espécie de orla parisiense além de ser antológica transmite aqueles breves instantes de sonho e de liberdade que só o cinema e, até certo ponto, o ato de pedalar podem proporcionar ao ser humano.

Mas voltando ao nosso Rio, cidade tão aprazível, convidativa à contemplação da natureza e à paz de espírito, não deixamos de ser um pouco o pequeno e abandonado Cyril. Buscamos num simples passeio à beira mar, apesar de todos os obstáculos, um momento de sonho e felicidade, ainda que no fundo o saibamos sempre efêmero.

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