sexta-feira, março 16, 2007

Willheinn
Willheinn chegara à cidade havia dois dias. No terceiro, apareceu à minha procura. Saímos a esmo pelas ruas do Centro. A temperatura era amena e contribuía para alegre e descontraída conversa. Em determinado momento, resolvemos ir ao Sürgarden, pequeno bar à margem esquerda do Knopt. Ao entrarmos, sentamos e passamos a observar através do vidro a paisagem ainda branca de fim de inverno. Meu amigo viera do exterior e não hesitava em me contar suas experiências, sobretudo, como dizia, seu sucesso com mulheres de beleza exuberante. Ainda era cedo, mas o garçom não se surpreendeu quando ouviu dele o pedido: uma dose reforçada de vodca. Willheinn disse que não me reconhecia quando descobriu que eu queria apenas um café bem quente. Manteve-se em silêncio durante algum tempo e depois voltou à conversa anterior. Ao reparar que eu saboreava devagar o café, perguntou-me se parara de beber:
– Estou bebendo, não?
– Não é sobre café que estou perguntando.
– Ainda é cedo para outro tipo de bebida que não seja café.
Riu da minha resposta.
– Outro tipo de bebida... – repetiu minhas palavras em tom de pilhéria e mergulhou numa gargalhada que permitiu que se visse seus dentes muito brancos.
– Você fala com requinte, – disse – parece que também absorveu os dons de escritor para as conversas vulgares.
– Não foi essa minha intenção, – apressei-me em desfazer o mal-entendido – talvez seja devido à solidão em que ando ultimamente, trabalhando em excesso e conversando pouco.
– Solidão? É o que jamais me acontece, – falou – ah, as mulheres!, elas são tudo e não conseguem me deixar sozinho.
Eu e Willheinn havíamos sido muito próximos, aos vinte anos. Tivéramos planos. Ele também escrevera, fizera versos, e até que eram bons. Então toquei no assunto:
– Ainda escreve?
– Bilhetes românticos com indicações de encontros para as horas tardias – riu ao término das próprias palavras.
Nada falei; terminei meu café e reparei o ar mais frio que veio do exterior após a porta ser aberta para a entrada de uma mulher de meia-idade.
Meu amigo olhou para ela, mas não demonstrou interesse. Depois continuou:
– Você deve imaginar a vida intensa que levo desde que fui trabalhar com esses papéis que todos chamam de ações. Não há nada que torne um homem mais nervoso. Por isso é preciso muita bebida e divertimentos nas poucas horas vagas que restam.
– Você então se tornou um homem de negócios – afirmei.
– Isso, um homem de negócios – repetiu.
– E a nossa cultura humanista?
– E por que você acha que não há cultura humanista nos negócios?
Nada respondi. Meneei a cabeça em sinal de dúvida e não voltei ao assunto.
– Sabe quantos picassos a bolsa de Londres pôde proporcionar a alguns de seus grandes investidores?
– Não fazia idéia que distribuir picassos a grandes investidores significasse apreço do mundo dos negócios pela cultura humanista – respondi.
– O mundo dos negócios tem muito apreço pelas artes.
– Você não pensa em voltar a escrever, publicar alguma coisa?
– Vivo minhas histórias na pele.
Riu e levou o copo aos lábios, esvaziando o que restava da vodca.
– Apenas eu as experimento, não preciso compartilhá-las com pessoa alguma – falou.
– Você, porém, está me contando, de certa forma outras pessoas as experimentam.
– Isso, algum privilegiado que escute as histórias de Willheinn, de sua própria voz.
Dois senhores entraram no pequeno bar. Sentaram-se sobre dois bancos próximos ao balcão. Um deles reconheceu o meu amigo, acenou-lhe em silêncio. O outro pediu uma dose de vodca polonesa. Seu companheiro protestou:
– Uma, não; duas.
– Pelo visto os velhinhos andam em forma – sorriu Willheinn, acenando para o empregado que lhe enchesse o copo mais uma vez.
– Escute, amigo, – continuou – essa cidade ainda me parece animada como antes, quero aproveitar o pouco tempo de minha estada aqui, quero ir ao cassino, e preciso também de mulheres...
– Há muito divertimento, mas para isso é preciso dinheiro...
– Dinheiro não é problema; aproveitemos, você é meu convidado – disse Willheinn.
– Pelo visto, o mercado de ações lhe proporciona uma boa vida.
– Aqui entre nós, – sussurrou – boa, não, ótima. E olha, acho que você também possui enorme talento para ter uma boa vida e ganhar o que ganho.
– Não estou interessado em ofertas de trabalho, – rebati de imediato – já tenho muito o que fazer.
– Bem, não entremos em pormenores, você é meu convidado enquanto eu estiver na cidade.
Almoçamos juntos, fomos depois ao bilhar. O homem de negócios encontrou os velhos amigos, conversou com todos, sempre muito alegre e cordial, acompanhado de um copo ora contendo vodca ora uísque. E quando o alertei que já bebera demais, falou:
– É para descontrair, a vida de um homem de negócios é muito tensa.
Jogou algumas partidas. Ganhou a maior parte delas. Quando ele experimentava o taco movimentando-o para frente e para trás, medindo de modo meticuloso como daria a tacada, acertando uma bola à outra, lançando-a em seguida na caçapa, era possível perceber o porquê de seu sucesso no mundo dos negócios.
Quando deixamos o salão, falou:
– Agora vamos às mulheres.
– Calma, camarada, nada é mais reprimido nos dias de hoje nesta cidade do que a prostituição.
– Não falo em prostituição, falo em mulheres.
– E qual o meio de arranjarmos mulheres agora, sobretudo com tanta rapidez? – perguntei.
– Sobretudo? Acreditava que você tivesse algumas conhecidas...
– Oh, meu caro, minha cotação não anda tão alta como suas ações.
Entramos no Bourg, um hotel razoável que eu gostava de freqüentar quando saía com alguma garota. Perguntei ao funcionário da recepção se tinha o telefone da Sra. Polovsky. Ele me olhou com desconfiança; após alguns segundos, no entanto, voltou com o número dela. A sra. Polovsky era uma cinqüentona que agenciava mulheres jovens.
Terminei a ligação e voltei ao meu amigo. Ele se sentara na sala de estar, olhava o imponente lustre de pingentes de cristal e já percebera que havia um bar no fundo da sala.
– Escute, Willheinn, dentro de uma hora chegarão duas mulheres. Você não sabe o quanto isso vai nos custar. E tem mais uma coisa: não falam a nossa língua.
– De onde são, afinal?
– Da Ucrânia.
– Não poderiam ser prostitutas locais?
– Não temos prostituas locais, – afirmei – nossas moças não gostam de correr riscos; as poucas que tínhamos emigraram, vivem hoje algumas na França, outras nos Estados Unidos e creio que são mais felizes.
Enquanto meu amigo recebia das mãos do empregado do bar uma nova dose de uísque, num copo bem mais requintado do que o do bar da sinuca, eu refletia sobre a situação em que me metera. Na verdade, jamais me animara a fazer amor com prostitutas, não conseguia sentir atração por mulheres que faziam sexo em troca de dinheiro.
Quando ele sentou na poltrona em frente e me perguntou mostrando-me seu longo copo se eu também não beberia, tudo que fiz foi sinalizar ao garçom pedindo também uma dose.
– Você não acha que é muito cedo para esse tipo de encontro? – perguntei a Willheinn.
– Por isso mesmo; vamos sair com essas garotas, dar-lhes muita bebida, dançar com elas e, no final, vamos trazê-las para cá e nos fartarmos!
– Não basta apenas treparmos com elas?
– Não, a trepada será o ponto alto da noite, precisamos antes aproveitar bastante ao lado de duas mulheres.
Admirava aquela disposição. Apesar de estar bebendo desde cedo, ainda demonstrava muita energia.
– Foram os ingleses que lhe preparam para gozar a vida com tanta intensidade? Não me parece que lá eles se divirtam tanto.
– Não, claro que não, – afirmou fazendo pose de ator – depois de minha presença naquele pequeno reino, eles evoluíram um pouco e aprenderam a arte de aproveitar a vida, mas creio que ainda lhes falta talento.
As mulheres não demoraram. Comecei a pensar como faríamos para circular pela cidade com as duas prostitutas, como desejava Willheinn. Não eram extravagantes, mas muito altas e demasiadamente estrangeiras. Chamariam a atenção. Uma delas tinha o corpo que chegava a delinear músculos vigorosos. Teria sido uma atleta? A outra era menor e tinha o cabelo curto. Senti uma ponta de atração por esta, que também me olhou fingindo timidez e encanto. Não era possível saber o que vestiam por baixo dos longos casacos. Sobressaía apenas que a de maior estatura usava botas de cano longo, moda há muito ultrapassada entre as mulheres de nossa cidade. Vieram acompanhadas de uma outra, que tinha ar masculino e sotaque italiano. Sussurrou-me que deveríamos pagá-la antecipado e, caso acontecesse algum problema, não deveríamos denunciar pessoa alguma. Diríamos que encontramos as mulheres em alguma rua do Centro. Como minha reação foi demorada, meu amigo quis saber o que conversávamos. Estendi-lhe uma das mãos.
– Trezentos e cinqüenta coroas antecipadas; sem ter o direito de saber se elas sabem dar uma boa trepada.
Deixamos os quartos reservados e tomamos um táxi. Willheinn foi no banco de trás entre as duas, enquanto a mim restou o banco ao lado do motorista.

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