domingo, março 25, 2007

Ludfashion
Willheinn quis ir primeiro ao cassino.
– Quero jogar um pouco, vamos mostrar a essas garotas como devem fazer para se tornarem pessoas de sorte.
Elas olhavam um tanto surpresas. Acredito que não estavam acostumadas a esse tipo de programa. Enquanto o táxi trafegava vagaroso, vi que meu amigo ofertara uma nota de cinqüenta a cada uma.
– Se vocês se comportarem, mocinhas, ainda vou agraciá-las com muito mais dinheiro, vejam, não é mentira.
Mostrava algumas notas que tinha na carteira. Percebi que não entendiam suas palavras, mas compreenderam com facilidade o que ele quis dizer.
A minha preocupação era com o motorista. Já o conhecia de outras viagens e o percebia como uma pessoa soturna. Temia que ele nos denunciasse. Seríamos chamados à delegacia, pagaríamos enorme multa e as garotas seriam deportadas. Quando nos deixou à porta do cassino e Willheinn pagou o preço estipulado, deslizei uma nota de dez nas mãos daquele que temia ser nosso algoz. Ele sorriu e piscou um dos olhos. Sinal de que estava satisfeito.
Dentro do Ludfashion havia uma grande confusão. Em meio às luzes, fumaça de cigarros, homens e mulheres elegantes, garçons transitando com bandejas plenas de copos com diversas bebidas, um cidadão que morava na Deigth Lusckern – eu o conhecia – e que sempre vivia de dinheiro emprestado, possuía junto a si uma grande quantidade de fichas. À sua volta, se aglomeravam pessoas de todos os tipos. Gritavam e davam palpites. Várias vezes os seguranças se aproximaram e fizeram menção de intervir, temendo confusão maior. Ele acenava querendo dizer que estava tudo sob controle, que não o aborrecessem. Tanto mais jogava, mais ganhava; e a quantidade de curiosos aumentava.
Fomos para o bar, onde o ambiente era mais calmo; colocamos as idéias em ordem. As mulheres pediram bitter russo, quanto a nós, não abandonamos os escoceses. Nossos copos vieram cheios.
– Camarada, disse eu, esses rapazes querem nos embebedar na primeira dose.
Meu amigo riu e não protestou.
Descobri que uma das mulheres conhecia algumas palavras em francês. Tentamos entabular uma conversa; a comunicação, no entanto, não se deu. Escutei diversas vezes a mais baixa dizer: État Uni, État Uni. Deduzi que era para onde ela desejava ir. Como já esperava, a pequena me abraçou e com a outra mão levou aos lábios o copo com líquido rubro.
Willheinn não abraçou a sua companheira, mas se manteve sempre a seu lado e cuidou para que estivesse protegida de pessoas indesejadas. Um engraçadinho passou e parou durante alguns segundos, mirando-nos. Meu amigo se dirigiu a ele. Em pouco tempo o homem desapareceu e não mais nos incomodou. Jamais soube o que Willheinn lhe dissera.
Eu e as duas mulheres não jogamos. Observamos o amigo. Ele começou perdendo, mas em pouco tempo recuperou e se pôs em vantagem. A roleta girava, Willheinn demorava um pouco, mas apostava. Em determinado momento, começou a apostar grande quantidade de fichas apenas na cor. Por duas vezes seguidas conseguiu dobrar toda a quantidade que possuía, tendo como resultado a cor vermelha. Ficou uma vez sem jogar e na vez seguinte apostou tudo na cor preta. Ganhou de novo. Em apenas trinta minutos foi ele que passou a ser assediado por grande número de apostadores e curiosos. Pediu que eu tomasse conta de algumas fichas. Continuou apostando. Reparei que não mais perdia. Cuidei também de proteger nossas mulheres e pude reparar que elas estavam excitadíssimas com as seguidas vitórias de Willheinn.
Já estávamos havia duas horas no cassino quando um dos funcionários se dirigiu ao meu amigo e sussurrou algumas palavras no seu ouvido. Este recolheu todas as fichas, pediu que nós o aguardássemos e seguiu o homem. Voltou depois de um quarto de hora.
– Eles estão pedindo para que nos retiremos.
– É por causa das garotas? – quis saber.
– Não, creio que pensam que eu estou utilizando algum tipo de truque. Mas não se preocupe, me pagaram todas as fichas.
Se antes já estávamos animados, a grande soma obtida no cassino derramou sobre nós vontade de gozar a noite de forma mais intensa.
Aproveitamos para jantar no melhor restaurante da cidade. Creio que não preciso descrever os pormenores do Café de Paris, pois as virtudes do local são do conhecimento de todos. A casa recebe visitantes de toda parte do mundo, sobretudo depois que completou três séculos de existência.
Pedimos duas entradas e três pratos principais. Para beber as escolhas variaram: uma garrafa de vinho branco alemão, outra de tinto francês (Bourbon), um dry-Martini, uma dose de vodca e o inconfundível doze anos escocês. As mulheres, pelo modo como se portaram à mesa, aparentavam pessoas finas.
Tentei me comunicar com Nasha, a minha pequena, queria falar sobre qualquer assunto, ou mesmo apenas ouvir sua voz. Dei a entender que queria saber dela. Tudo que consegui foi que fizesse um único gesto: deslizou uma das mãos sobre meus ombros e segurou-me um dos braços – sua temperatura era quente –, depois sorriu. Seus dentes se mostraram bastante claros. Investiguei-a de modo meticuloso, pois a bebida aguçara meus sentidos.
Acredito que ambas eram boas pessoas e que até tinham formação escolar; estavam ali em troca de algum dinheiro, é claro, mas seus objetivos eram outros: a emigração. Tentei estabelecer a todo custo algum diálogo.
– Elas só compreendem a linguagem do corpo –, disse meu amigo, enquanto saboreava uma fatia de presunto que viera em uma das entradas – não entendem outra coisa.
– Devem ter alguma inteligência – rebati.
– Claro que tem, caso contrário não estariam aqui – ele riu e as duas o acompanharam, embora suas faces não demonstrassem qualquer entendimento. Katya, como entendi ser o nome da musculosa, percorria com a ponta dos dedos o tórax de Willheinn; eu não quis acreditar que ela achasse aquele o local apropriado para colocar sua arte em prática.
O ruído de pratos e talheres nos levou a outra direção. Era o garçom que chegava com os pratos principais.
O jantar se deu no mais pesado silêncio. A luz era baixa, e das outras mesas vinham apenas pequenos ruídos entremeados de vozes que se esforçavam para não serem ouvidas. Quando terminou sua porção, Willheinn pediu ao garçom que deixasse a garrafa de uísque, não gostava de ser servido dose a dose. O empregado pediu que aguardasse. O próprio maitre trouxe a garrafa, encheu o copo dele e a pousou sobre a mesa, fazendo-nos uma breve reverência. As mulheres puseram-se também a beber. Nasha sorriu para mim após tomar longo gole e virou-se para o copo que segurava à altura dos olhos, como se quisesse fazê-lo de espelho. Depois me olhou de novo; percebi que desejava comunicar alguma coisa. Pegou o guardanapo e fez um desenho. Tentou me explicar a cena. Riscara com poucos traços uma mulher deitada; vinham-lhe ao encontro lábios que voavam sozinhos até se encaixarem na sua boca. Depois apontou para o desenho, para ela, e em seguida para mim. Fiz movimento de que iria beijá-la, mas descobri que não era isso que ela queria dizer. Começou então a explicar de novo. Virei-me para Willheinn com a intenção de que me socorresse; ele, porém, parecia entender com perfeição as mensagens das mãos de Katya. Ela usava aqueles tentáculos com muita habilidade. Ele, por sua vez, apertava com força as coxas da mulher que, sentada, dava pequenos saltos, como que assustada, mas demonstrava gosto pela brincadeira. Nasha num gesto súbito beijou-me o pescoço e depois os lábios; temi que os movimentos exacerbados tanto dela como da outra nos trouxessem complicações.
Embora já tivéssemos acabado o jantar, não queria despertar Willheinn do embevecimento em que se encontrava.
Custou-nos algum quarto de hora para que o maitre reaparecesse; perguntou se desejávamos mais alguma coisa; sua intenção, porém, estava estampada na fisionomia. Éramos presença indesejada no local. Agradecemos, Willheinn pediu o total da despesa. O homem voltou em instantes, recebeu o dinheiro e deu passagem para que nos retirássemos.
Convenci meu amigo de que o melhor era voltar ao hotel. Já nos tínhamos metido em confusões suficientes, melhor não mais arriscar a estragar a noite. Ele concordou a contragosto. Entramos em outro táxi e voltamos para o hotel. O motorista, desta vez, era estrangeiro e manteve-se indiferente à presença feminina.
As mulheres haviam tirado o casaco quando chegamos ao cassino; depois, mais uma vez, no restaurante. Em ambos os lugares incendiaram a curiosidade alheia e causaram furor entre os homens; usavam vestidos muito curtos. Katya, a musculosa, estava sem meias, o que também provocou certo alvoroço; suas pernas subiam nuas e penetravam sob o vestido. No táxi ela, ainda, tirou o casaco; demonstrava intenso calor; era a bebida que já provocava efeito. Sinalizei que não fizesse isso, que esperasse chegar ao nosso destino. Ela fez de conta que não entendeu. Sentada ao lado esquerdo de Willheinn, a roupa subira-lhe, deixando grande parte das coxas à mostra.
Ao entrarmos no Bourg sentamo-nos na sala de estar, ao passo que nosso patrocinador foi mais uma vez ao bar. Voltou com outra garrafa de uísque.
– Willheinn, basta, não posso mais – falei em voz baixa.
Nasha procurou um copo e estendeu a ele, seu gesto foi seguido pela amiga. Três copos quase pleno da bebida foram rapidamente esvaziados. Comecei a temer como tudo aquilo acabaria.
Quarenta minutos depois, enfim, nos recolhemos aos apartamentos reservados. Ficavam no terceiro andar. A pequena Nasha me acompanhou, enquanto a musculosa seguiu Willheinn. Ele se mostrava muito contente por estar prestes a possuir aquela mulher grande e forte. Aqui é preciso fazer um comentário. Meu amigo bebeu o dia inteiro e, em momento algum, demonstrou qualquer vestígio de embriaguez; apenas de incomum, o rosto avermelhado.
Nasha tirou toda a roupa sem pejo algum. Sinalizou que eu esperasse, deitou de ventre para cima na cama, mantinha as pernas abertas e os braços afastados do corpo. Parecia que iria entrar em transe. Só me faltava essa. Fechou os olhos e permaneceu longo tempo naquela posição. Esperei creio que vinte minutos. De repente ela começou a tremer, as pernas principalmente saltavam alguns centímetros da posição horizontal, os quadris se agitavam. Eu não queria acreditar no que via. Ela parecia estar transando com alguém invisível, alguém que a levava a estado de extrema excitação. A seguir começou a falar em seu idioma, não demorou e gritava alucinada. Apontou-me uma das mãos. Entendi que me desejava próximo. Ao tocá-la, enlaçou-se a mim com extrema violência, continuando com seus gritos estrangeiros. Giramos por toda extensão da cama, fomos lançados ao chão e ela bateu forte a cabeça no assoalho. Não se incomodou, nem demonstrou dor. Intempestiva, atirava-se em violento transe de corpo e alma.
Foi uma relação pontuada de gozo e dor para nós dois. Quando acabamos, tomou dois grandes comprimidos, caiu desmaiada e só acordou três horas depois. Pôs-se então a chorar. Nunca pude entender o que se passara com ela.

Willheinn partiu pela manhã. Katya e Nasha já haviam saído. Ele despediu-se demonstrando que sentiria minha falta. Acompanhei-o à estação. Antes de embarcar, disse-me em voz baixa:
– Dei às mulheres a senha, elas merecem; tenho alguns amigos na imigração, creio que elas conseguirão chegar aos Estados Unidos – sorriu ao seu jeito e me abraçou mais uma vez.
Partiu sem olhar para trás.

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