sábado, abril 13, 2013

Livros de Benedito Vidigal passeiam pelo lirismo e recuperam o passado de todos nós


Roland Barthes, em A preparação do romance, diz que o cinema não é capaz de transmitir os cheiros, mas a literatura, sim. Antes, em Sade, Fourier, Loyola, ele havia negado a capacidade da literatura para tal representação. Talvez isso tenha ocorrido porque, naquele período, ele flertasse com a psicanálise lacaniana, e visse no princípio da denegação a impossibilidade de representação do real. No entanto, Em A preparação, Barthes parece mudar de ideia. Analisando as afirmações do escritor francês, chego também à mesma conclusão. Se pensarmos o cinema como uma linguagem organizada através de imagens, por mais criativas que sejam suas sequências de cenas, concluiremos que ele não é capaz de nos transmitir odores. Tomemos com exemplo a sequência de um filme que privilegie a imagem de várias flores. Em primeiro lugar, essas imagens causarão prazer aos nossos olhos, ficando sensações mais sutis, como o odor, em situação de desvantagem, tornando difícil ou mesmo impossível a sua representação. A abordagem de nossos sentidos através da visão acabará por nos marcar muito mais pelos contornos que a imagem sugere do que pelas eventuais propriedades que ela possa comportar. Já a literatura, não; uma vez que é constituída por palavras, desde que usadas com criatividade e esmero, poderia representar os cheiros. O bom escritor precisa nos conduzir, em primeiro lugar, a esses conceitos e sugestões, deixando as imagens para um segundo momento. Na literatura é plenamente possível explicar um perfume. É lógico que os cheiros presentes nas histórias não exalarão fisicamente através das páginas de um livro. O perfume que um personagem usa ou o aroma de uma comida no fogo poderão ser sentidos por nós porque, na verdade, há um misto de conceitos explanados por meio de palavras mais a experiência que vivemos no dia a dia. A verdadeira literatura vai muito além do filme que rola dentro da cabeça de cada um de nós.

Essa questão pode ser percebida nesses dois livros de Benedito Vidigal, Corações desatentos, de poemas, e Espelho d’água, de crônicas. Em ambos, somos conduzidos aos sabores e cheiros de uma juventude perdida no tempo. E também a situações contemporâneas, mas que não deixam de trazer um travo de sentimentalismo.

No livro de poemas, Vidigal toca em temas amorosos, eróticos, revisita amigos e canta as lembranças proporcionadas pela cidade de Valença à época em que estudou medicina. O eu lírico é um eterno apaixonado. Através de seu percurso, experimentamos toda a intensidade daquele passado.

Destaco algumas passagens de sua poesia, sempre marcada pelo caráter enxuto e elegante.

“Eu te olhava / enquanto dormia / Acordei por nada / ainda no começo da noite / por isso / eu te olhava de pertinho / sentia teu cheiro / cheiro de perfume / cheiro de amor...”, em “Detalhes”. O erotismo surpreendente predomina em “Pela segunda vez”: “Ela lambeu-me / a boca / como se fosse cadela / e saiu rebolando o traseiro / como se cadela fosse / a segui / pelas ruas sem fim / feito cão predileto...”, e também em “Fuxico”: “Um beijo / um cheiro / uma passada de mão / fuxicos ao pé do ouvido / outros beijos / suspiro / e a negação...”. Reparem a sinestesia em “Ermitão”: “A casa exibia / um caramanchão na entrada / lotado de jasmins estrelados / a perfumarem o ar / Cheiravam mais que as roseiras / ... lá dentro morava o desejo / desejo não revelado...”. Sobre as recordações, “Lembranças de Valença”: “Naquele dia / seduzido pela cidade / subi o jardim de baixo / desci o jardim de cima / e logo te encontrei / naquela rua / Destino!”. Por fim, Vidigal não deixa de fazer uma elegia a amigos e amigas da adolescência ao construir uma espécie de ciranda em “Our street”: “... Rodem / rodopiem / gente alegre / gente amiga / cujo destino / não nos pode roubar / o afeto...”

Espelho D’água também nos presenteia com histórias em prosa, na maioria das vezes plenas de poesia. São narrativas sobre amores roubados, lembranças de amigos e de entes queridos, encontros e separações. Dentre as vinte e quatro crônicas que compõem o livro, destaco as seguintes: “Espelho D’Alma”; “Colegas, Amigos”; “O Ballet das Almas”; “Sob o estigma do sobrenatural”; “Sem censura”; “Sonhar é preciso” e “Pe. Caio de Jesus”.

No final um inédito, “De mim para você”, escrito pela mãe de Vidigal sobre uma viagem que ela fez à terra natal. Esta crônica, pungente, recuperada e modelada pelo autor, demonstra o gosto e o talento da família de Benedito Vidigal pela escrita, pela poesia, enfim, pela literatura.

Corações desatentos, 119 páginas e Espelho d’alma, 99 páginas
Autor: Benedito Vidigal
Editora Kelps

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