sábado, agosto 11, 2012

Ofício de leitor

Falo do ofício de leitor, mas começo pelo ofício de escritor.

Nos dias de hoje, apesar da precariedade do público leitor, observa-se o aumento do número de candidatos a escritor. Nos grandes centros, sobretudo, muitos jovens procuram editoras, que, sempre em déficit no orçamento, apressam-se em recusar seus textos. Em consequência, vemos o crescimento de editoras fundadas pelos próprios autores, ou o surgimento daquelas que cobram para publicar. Tal fato não é novo nem peculiar ao nosso país, já tendo passado pela experiência diversos escritores, o mais famoso deles foi Marcel Proust.

Outro fato que reflete a febre pela publicação é o aumento das oficinas de literatura. Em qualquer caderno cultural dos jornais, pode-se ler sobre a existência delas e sobre os expoentes que as ministram. Para o escritor, nada mal completar seu temerário orçamento ministrando aulas nessas oficinas.

Há também revistas que publicam contos depois de zelosa seleção, e há muita discussão quando os nomes dos selecionados são anunciados.

Portanto, poderíamos achar que vivemos numa sociedade em que se disputa o livro a tapa nas portas e nos balcões das livrarias. No entanto, não é isso que acontece. Quando observamos nossos índices de educação, logo constatamos que a leitura, uma espécie de produto de luxo, vem sendo praticada por pouca gente.

Existem vários motivos que afastam as pessoas dos livros. Há aqueles que veem importância na leitura mas dizem não praticá-la por falta de tempo. Na verdade, para se tornar leitor é preciso ter disciplina, e não tempo. Devido à grande oferta de afazeres que a vida atual oferece, parar para ler é fato extremamente complicado, exige meticulosa organização. Há pessoas que percebem a importância da leitura, mas sucumbem após avançar algumas páginas, pois não estão acostumadas à concentração que o livro exige. E também há os que vivem tranquilamente sem ler, não vendo necessidade alguma em tal ato.

Mas, por incrível que pareça, sobrevive o batalhão de pretendentes a escritor. Caso as editoras não tomem providências, a porta de cada uma delas encontrar-se-á sempre abarrotada desses seres que insistem em se apresentar com seus manuscritos sob o braço.

Diante desse quadro, como deve ser o ofício de leitor? Aquele que gosta do livro, que entra nas livrarias e silenciosamente olha cada exemplar, observa seus autores, a nacionalidade, se o livro é de poesia, se de contos ou romance, se ficção ou ensaio; aquele que mergulha na solidão das bibliotecas e permanece horas a fio seguindo os passos das personagens, percebendo a sonoridade dos versos, as ideias de um filósofo. Quem se aventura a exercer este ofício anônimo e meticuloso?

Outro dia, um editor afirmou: “caso cada candidato à publicação que recebo em meu escritório comprasse um livro da minha editora, a situação seria bem melhor, estaríamos em condição de, até mesmo, lançar jovens autores”.

Será que cada candidato a escritor compra livros e lê o tanto que deveria? Será que cada um consegue transmitir a paixão pela leitura àqueles a sua volta?

Nos dias de hoje, quase todos desejam ver-se catapultados pela cultura de massa. Há quem acredite que uma boa matéria num jornal de grande circulação, ou mesmo uma reportagem na TV, poderá alavancar a leitura e promover a venda de livros. Isso pode até acontecer, mas o resultado não será duradouro. O que promoverá a leitura é uma forte política de distribuição do livro e de facilitação da leitura, principalmente nas escolas.

Escritores (ou a candidatos a) precisam saber mostrar a graça que o livro possui, a magia que o envolve, e quem sabe o consigam com mais facilidade caso frequentem escolas e bibliotecas públicas, para lerem junto com jovens e estimulá-los a perceber o prazer que a leitura oferece. Assim, estarão exercendo também o ofício de leitor.

Um comentário:

Zacarias Martins disse...

Muito bom texto. Bem fundamentado. Parabéns!