sábado, agosto 18, 2012

Ler por prazer

Na semana passada, escrevi sobre o ofício de leitor, mas para isso tive de falar também do ofício de escritor. Não disse, no entanto, o que me levou ao assunto.

Não faz muito tempo, li uma entrevista concedida à Folha de São Paulo por Carlos Heitor Cony. Em determinado momento da conversa, entre uma pergunta sobre sua vida de jornalista e outra sobre sua vida de escritor, a repórter soltou: “o que lhe agrada mais, ler ou escrever?” O acadêmico, com humildade, respondeu: “gosto mais de ler, escrever é o meu ofício”.

Interessante a resposta, porque mostra que o escritor coloca-se como qualquer ser humano normal, não escondendo certo tédio ou fastio por seu trabalho, mesmo sendo este um ofício que dá destaque ao ser humano. Caso fosse alguém muito vaidoso, diria que gosta mais de escrever, e que tal prática é tão necessária quanto é a respiração para a sua sobrevivência. Mas Cony sempre foi humilde, a notoriedade procurou-o, ao invés de ele procurar por ela.

O ofício de leitor sempre é mais prazeroso. Nada melhor do que pegar de modo despreocupado um livro, lê-lo com avidez ou mesmo abandoná-lo caso não agrade. Nada de dar satisfações a alguém sobre a leitura, nada de ter a obrigação de fazer comentários sobre a história, ou ainda o pior, ter de escrever uma resenha sobre o livro. O leitor de jornal lê um ensaio em dez minutos, mas não sabe quantas horas, ou mesmo dias, o autor precisou para articulá-lo.

Faz pouco tempo, como comentei aqui na coluna, adquiri a mais recente tradução do Ulysses, de James Joyce. Como quem não quer nada, comecei a ler o livro mais uma vez. Minha esposa falou: “esse livro não precisa ser lido por inteiro, há várias pessoas que o leem em partes, tiram dele só o que interessa”. Ela é psicanalista lacaniana, sendo assim, a falta, para ela, é muito pertinente. Mas fui avançando, página após página e, com o passar dos dias, não peguei em outro livro (às vezes leio dois ou três ao mesmo tempo). Só parei quando cheguei à página 1106, a última do romance. Pensei, então: está bom, um livro lido apenas por interesse e prazer, nada de escrever sobre ele.

Mas se passaram dois ou três dias e chegou o prazo de mandar a resenha para o número de setembro da Folha Carioca. Eu tinha uma matéria já escrita, sobre um livro da Martins Fontes, mas achei que não era o momento de publicar aquele texto. O que escrevo, afinal? Então, a leitura despreocupada foi por água abaixo. Comecei a escrever o texto sobre o Ulysses da Penguin Companhia das Letras.

Lembrei-me do Cony e do sua preferência pela leitura, lembrei-me também da minha tentativa de ler por prazer. Não demorou muito e o meu texto ficou pronto. Esperei o dia seguinte. Sempre espero o dia seguinte para melhorar um texto, durante a madrugada às vezes me surgem algumas ideias.

Ao amanhecer, fui de novo ao computador. Revisei a matéria e acrescentei aquilo que achei necessário. Mandei, enfim, a resenha para a revista. Depois, lembrei-me: dois os meus fiascos nestes últimos dias. O primeiro foi não ter conseguido ler um livro na paz dos leitores; o segundo, não ter escrito a crônica semanal. A matéria sobre o livro de Joyce foi escrita na quinta e na sexta, dias em que escrevo a crônica para o blog. O que fazer, portanto?

Uma semana sem crônica não faz mal a ninguém. Então, esta semana não temos crônica. Ou temos? 

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