terça-feira, novembro 01, 2011

Vim apenas para lhe dar um beijo

Luísa segurou a xícara de café e a levou à boca. Enquanto saboreava o primeiro gole, olhou o vasto salão do segundo andar do aeroporto Santos Dumont. A funcionária que verificava os bilhetes junto à entrada da sala de embarque mantinha-se concentrada no trabalho. Olhando o lado esquerdo era possível ver a revistaria, uma loja de material esportivo, uma de souvenires e a Kopenhagen. Do lado direito havia uma charutaria e uma loja que exibia artesanato brasileiro. Luísa repousou a xícara sobre o pires e pegou uma das torradas. A manhã de terça-feira ainda estava tranquila no aeroporto, ao menos no salão próximo ao embarque, sobravam algumas mesas no café, até mesmo uma garçonete vinha perguntar aos clientes se desejavam mais alguma coisa, fato incomum em dias de grande tumulto. Através dos grandes vidros à direita, era possível observar a parte externa do aeroporto. As pistas do aterro tinham movimento intenso, mas o tráfego fluía com rapidez; mais adiante, via-se o Museu de Arte Moderna; ao fundo, o Pão de Açúcar; do lado oposto à baía, os prédios altos compunham a paisagem daquele pedaço do Centro que surpreende quem chega ao Rio pelo Santos Dumont.

Um homem alto e de porte atlético, que deveria estar na casa dos trinta anos, acenou ainda de longe quando percebeu Luísa em uma das mesas. Ela terminava o café, mas levantou a mão esquerda e correspondeu ao aceno. Ele aproximou-se, beijou-a no rosto e sentou ao seu lado.

“Querida, você sabia que eu não ia deixar que embarcasse sem uma despedida.”

“Não queria incomodar, viajo toda semana, vamos estar juntos de novo na sexta-feira.”

“Não é incômodo algum, e para mim nunca é demais estar com você.”

“Amor,  você precisa se acostumar, depois que nos casarmos minha vida não vai mudar em nada, preciso trabalhar, e, além disso, você tem o escritório, não deve se atrasar, vir aqui para se despedir de mim custa tempo e dinheiro.”

“Querida, você sabe que quanto a isso não há problema algum, sou um dos sócios da empresa, logo estarei de volta, vim apenas para dar um beijo em você”, sorriu.

A garçonete se aproximou.

“Ainda temos tempo ou você já precisa ir?”, ele perguntou à Luísa.

“Tenho dez minutos.”

“Então há tempo para eu tomar um expresso”, olhou para a garçonete, que anotou o pedido.

“Mais alguma coisa, senhor?”

“Não, apenas o café.”

Voltou-se para a mulher:

“Você me ama, não? Me deseja sempre ao seu lado?”

“Amo, quero estar sempre ao seu lado, mas não posso deixar o meu trabalho, não devo jamais renunciar à minha vida profissional.”

“Querida, não estou pedindo isso a você, trabalhe, atue cada vez mais, vou ficar feliz por vê-la bem sucedida.”

“O sucesso será nosso.”

“Isso mesmo, nosso; não se preocupe, vim aqui apenas para lhe beijar”, aproximou o rosto ao da mulher e a beijou mais uma vez.

A garçonete apareceu com o café. Ele procurou o açúcar, rompeu o lacre e colocou o pozinho granulado dentro da xícara.

“Quando não havia o café expresso, colocava-se o açúcar primeiro”, ela falou e sorriu.

“Você viveu nesse tempo?”, ele mexia o café com a pequena colher.

“Que tempo?”

“O tempo em que o café expresso ainda não existia.”

“Não”, ela falou e olhou o relógio, “minha mãe é que diz isso, quando faz café fala para colocarmos antes o açúcar; caso não seja assim, o café não terá o mesmo gosto nem a mesma temperatura.”

“Isso são coisas de antigamente.”

“Minha mãe não é velha, você sabe, tem apenas cinqüenta e três anos.”

“Sei, a mãe é jovem como a filha, e a filha é bonita como a mãe, mas só que não tem as mesmas ideias.”

“Que idéias, amor?”

“Sua mãe é caseira”, afirmou titubeante.

“Você com essa história de novo, sei que não está nada satisfeito com a minha profissão,  me quer ao seu lado todos os dias, precisamos conversar melhor quando eu voltar.”

“Desculpe, querida, não foi isso o que quis dizer.”

“Foi sim, você sempre se trai, na verdade não aceita a minha profissão, não quer que eu viaje toda semana, preferia que eu ficasse em casa, como fica a minha mãe.”

“Não, por favor, não é isso, não vamos discutir, vim ao aeroporto apenas para dar um beijo em você.”

“Sei, agradeço o seu beijo, mas quando eu voltar precisamos conversar melhor sobre o seu pedido de casamento, tenho sérias dúvidas...”

“Não, querida, por favor, você sabe que eu te amo.”

Ela se levantou, segurou a bagagem de mão que estava sobre a outra cadeira.

“Tenho que ir, depois conversamos.”

“Querida, espere, vou com você até a entrada do embarque.”

“Não precisa, acabe o seu café, você ainda tem que pedir a conta, até logo.”

“Querida, telefono à noite.”

“Não, não telefone, vou trabalhar até muito tarde.”

“Querida, quero lhe dar mais um beijo...”

Luísa já ia longe. Apenas após passar pela funcionária da entrada da sala de embarque foi que se virou para dar um aceno, mas ele se embaralhou com o dinheiro que tirara da carteira para pagar à garçonete. Luísa deu as costas, a porta automática se fechou e ela desapareceu.

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