quinta-feira, outubro 06, 2011

Resenha de: O romance histórico, de George Lukács

A partir da tentativa de criação de uma estética marxista, George Lukács (1885-1971), em O romance histórico (Boitempo Editorial, tradução de Rubens Enderle), livro escrito em seus anos de exílio na Rússia stalinista, aborda como as revoluções interferiram no gênero e como este serviu de instrumento para a reflexão sobre cada momento histórico

O autor húngaro desde cedo se dedicou ao gênero romance, tendo escrito ainda na juventude A teoria do romance, livro polêmico, mas que o marcaria como um teórico da cultura por toda a vida. Lukács, na época, partia de posições hegelianas que remontavam ao platonismo, descrevendo o romance como a epopéia da era moderna. Nesse livro, o autor defendia a polêmica tese que situava o mundo clássico como cultura fechada, local em que havia respostas para todas as perguntas, mesmo para as não formuladas. O romance, a partir de seu surgimento ainda no século 17, seria a tentativa de resgatar essa totalidade perdida, já que o ser humano se encontrava ao desamparo, abandonado pelos deuses e em vias de fragmentação espiritual. A tentativa de dar conta de uma completude, como sugere a narrativa romanesca, seria uma ação fracassada, porque a opção pela modernidade introduziu o homem no universo da experiência, local partido, de impasse, onde não prevalece a subjetividade nem qualquer tipo de metafísica e suas consequentes explicações sobre a origem e a razão da própria existência.

Em O romance histórico, embora Lukács já aderira ao marxismo, suas posições não abandonam de todo o que desenvolveu em seu livro de juventude, mostrando desta vez os conflitos históricos como motor de todas as mudanças, um modo de dar sentido ao mundo e de explicar como estas mudanças gestariam o fato literário, mesmo sabendo que ao abrir mão de qualquer metafísica estaria renunciando ao principal componente da literatura, a tentativa limite de comunicabilidade, simbolizada pela metáfora.

A grande questão que distingue este O romance histórico de A teoria do romance é a seguinte: aqui, Lukács propõe como parâmetro a vida em sociedade com todas as suas forças e contradições. Deste modo, numa situação de solidão, o ser humano não teria ao seu dispor nenhum artifício transcendental para superá-la, mas, como diz Arlenice Almeida da Silva na esclarecedora introdução ao livro, “o essencial acontece no interior da própria sociedade.”

O livro é composto de quatro grandes partes. Na primeira, “A forma clássica do romance histórico”, uma das mais importantes, o autor tenta situar a fase clássica do romance histórico como uma exigência do período pós-revolucionário. Não só a Revolução Francesa, mas as guerras revolucionárias e o período napoleônico serviram para transformar a história em uma experiência de massa, criando nos homens a concepção de sujeitos da história.

Para mostrar a força do romance histórico, o pensador húngaro escolherá Walter Scott, porque percebe nele um dos únicos escritores que fizeram prevalecer “o elemento especificamente histórico de seu tempo”, privilegiando como personagem o homem mediano, suas lutas e paixões, mostrando que este é capaz de figurar não o tempo que passa, mas a mudança de um tempo. O passado será visto como pré-história do presente.

Na segunda parte, o escritor discute a confluência dos gêneros, apresentando mais uma vez questões sobre o gênero épico, que classifica como a narrativa do "inteiramente passado", enquanto o gênero dramático apresentaria o "inteiramente presente". Ao apontar como uma das características do romance histórico o predomínio do dramático-dialógico, Lukács potencializa, através das características do drama, o momento histórico, deixando nas mãos de seus pequenos e medianos personagens o reflexo das grandes mudanças de cada período.

Na terceira parte, denominada “O romance histórico e a crise do realismo burguês”, ele especula sobre o período em que a própria burguesia, ao abandonar o realismo, demonstra perder a capacidade de representar a si própria, tornado-se vítima do movimento revolucionário que havia pouco menos de um século protagonizara. Lukács vai separar realismo de naturalismo e apontará que tanto as vanguardas modernistas como o realismo socialista nada mais são do que prolongamentos do próprio naturalismo.

E, por fim, em “O romance histórico do humanismo democrático", quarta parte, o autor deixa transparecer uma de suas principais preocupações no momento em que escreve o livro (a segunda metade da década de 1930): a necessidade de deter a ascensão dos movimentos nazi-fascistas com a criação de uma frente democrática, composta de alianças dos estados socialistas com os governos democráticos que lutavam contra o autoritarismo.

Hoje muito criticada, a teoria literária de Lukács serve não como tentativa de criação de uma estética normativa a partir da crítica ao capitalismo, mas – além de demonstrar ser a arte uma das principais preocupações de um intelectual marxista – representa o esforço em verificar o fato literário e sua gestação em meio às contradições e aos interesses da luta de classes.

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