sábado, fevereiro 12, 2011


Com calibre para virar best-seller

Novo livro de Salvo Sottile prende o leitor ao discutir o destino das organizações mafiosas italianas no mundo conemporâneo, além de mostras as sutilezas da luta entre a polícia e a máfia

É sempre bom que se escrevam livros sobre o combate à criminalidade, sobretudo quando se trata de romances que têm como tema a neutralização dos mais diversos tipos de máfias. Observamos que, no Brasil, várias organizações – não apenas cujos componentes pertencem às classes desfavorecidas – são ativas no tráfico de drogas e de outras mercadorias proibidas. Sofremos na pele o alto custo para combatê-las.

Salvo Sottile escreve uma narrativa com todos os ingredientes necessários para prender o leitor do início ao fim. Ágil no jornalismo, sobretudo na própria Sicília e depois em Roma, teve grande sucesso de público e crítica com o seu primeiro livro, Maqueda, que está se tornando filme. Agora, no segundo, Mais escuro que a meia-noite, escreve mais um capítulo sobre o combate à temida Cosa Nostra, mostrando suas ramificações na Europa e nos Estados Unidos.

Inicialmente a luta é entre duas facções, Corleoneses contra Palermitanos. Qualquer semelhança com o que vivemos em nosso Rio de Janeiro é pura coincidência. Mas a justiça italiana está na mira dos criminosos através da inflexível juíza Elvira Salemi e do comissário Matteo Di Giannantonio.

O livro descreve a especialização da justiça e da polícia italianas para tratar do caso que é prioridade nacional, o combate à Máfia. Foram efetuadas mudanças nas leis no sentido de tornar mais rigorosas as penas para os integrantes desses grupos. O autor também cria situações em que há a participação de presos que entraram para o programa de proteção àqueles que pertenceram aos grupos criminosos e resolveram colaborar com a justiça em troca da diminuição da pena (ospentitos, arrependidos, em português), no sentido de levar à prisão seus principais chefes. Mas há também um ardil: muitas vezes alguns se fazem de arrependidos para confundir o andamento das investigações.

Tanto no lado dos criminosos como no dos agentes da lei há inúmeras emboscadas, o que torna impossível deixar o livro de lado. Os traidores são cruelmente punidos, os policiais, vez ou outra, são atraídos e vingados com requintes de perversidade. Não é possível a nenhum juiz, ou a comissários sérios andarem sem escolta. A qualquer momento, é possível que um tiro de grosso calibre ou a explosão de algum artefato bélico faça tudo ir pelos ares.

Muitos desses livros são escritos com o objetivo de se tornarem filmes, o que faz a narrativa de Sottile, em alguns momentos, espetacular. E quem desejar filmar sua história não terá muita dificuldade para escrever o roteiro.

Salvo Sottile costura mais uma situação que normalmente tornará o livro um best-seller. Há casos de amor entre integrantes das duas facções, e mesmo amigos e ex-amigos que transitaram em lados opostos veem-se frente a frente, ora por necessidade, ora por algum laço de afeto. O ponto alto é o casamento de um chefão corleonês com Rosa, mulher pertencente à facção derrotada, a dos Parlemitanos. Durante o desenrolar da narrativa, o sucesso de um irmão dela em Nova York, entre a máfia local, gerará uma tentativa de reviravolta, o que colocará em risco sua vida.

A juíza Salemi também vive um caso amoroso, embora sempre se mostre fria e indiferente, com um comissário de polícia, de quem ela passa a desconfiar quando ouve a história relatada por um pentito.

O que também torna o livro atrativo, não apenas por quem se interessa por narrativas policiais plenas de complicações, é a discussão sobre o destino que muitas dessas organizações criminosas passaram a ter nos dias de hoje. Talvez as constantes crises econômicas mundiais possam servir como termômetro de que há algo de podre nesse universo. Máfias de diversos tipos abandonaram o que mais as incriminavam para atuar num mercado até certo ponto legal, em crescimento em diversos países, sobretudo na América do Norte. Computadores e Internet também se transformaram em ferramentas de lucro para essas “empresas”.

A única reparação a ser feita é a mesma que é comum à literatura policial, a maioria dos personagens é estereotipada, a exceção são os policiais em fim de carreira, aqueles que tiveram uma vida arriscada e miserável mas não perderam a capacidade de sonhar.

Eis um trecho interessante da narrativa:

O esquadrão móvel de Palermo parecia um Maracanã. Havia uma fileira de policiais debruçados nas janelas, que improvisavam coros de torcidas e faziam a ola. No balcão empoeirado, no centro do alojamento, de onde sobressaía o mastro com a bandeira italiana, alguém tinha amarrado na balaustrada um lenço branco, com o V da vitória riscado à caneta.

O Croma blindado da juíza Salemi parou diante do imponente portão cor de ferrugem e se fez anunciar com duas pequenas buzinadas.

A sentinela de uniforme esticou-se na janela da guarita e correu para levantar a trave.

O carro deslizou lentamente para dentro do pátio.

Elvira desceu de um dos bancos de trás.

Um policial à paisana reconheceu a juíza, afastou-se do grupo de colegas com quem conversava e foi ao seu encontro.

– Bem vinda, doutora, quer que a acompanhe até o comissário?

– Não, obrigada – respondeu ela, cortês –, não se incomode, conheço o caminho...

A juíza Salemi subiu dois lances de escada e caminhou na direção do longo corredor que a levava à seção “Catturandi”. O vozerio da comemoração era tal que podia ser ouvido pelo caminho.

Mais escuro que a meia-noite

Salvo Sottile, tradução de Ana Resende

Bertrand Brasil, 373 páginas

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