terça-feira, julho 20, 2010

Obra de Rüdiger Safranski analisa o romantismo alemão

Haron Gamal*, Jornal do Brasil

RIO -

No prefácio de Romantismo: uma questão alemã, Rüdiger Safranski diz: “O romantismo é uma época. O romântico é uma postura de espírito que não está limitada a um tempo”. Seu livro vai seguir exatamente essa estrutura. Na primeira parte, trata o romantismocomo período histórico e literário, abordando, sobretudo, a questão alemã desde Herder, passando por Schlegel, Tieck, Novalis, Schleiermacher, Hölderlin entre outros, até E. T. A. Hoffmann. Na segunda parte, o autor tratará do espírito romântico, que, na verdade, transcende o período do romantismo histórico.

As origens do romantismo, na Alemanha, começam com Herder lançado-se ao mar, isto é, embarcando num navio que o levaria para longe do seu país. Como diz o autor: “Fazer-se ao mar significou para Herder trocar o elemento vital: o firme contra o fluido, o certo pelo duvidoso; significou ganhar distância e amplidão”. A fuga da realidade encontra solo fértil na temática das viagens. O pastor luterano, ao despedir-se de sua comunidade, tinha a intenção de ver o mundo de um maior número de lados. Na verdade, a viagem ocorre devido à necessidade de busca de inspiração, fato que o racionalismo, que dominou o período anterior, não proporcionava. O pensamento romântico tem sua origem na idealização e no sonho.

Pode-se recorrer a uma frase de Hegel, uma geração mais tarde, quando ele fala sobre Kant: “O medo de errar poderia ser o próprio erro”. O homem romântico não se preocupará com o julgamento moral, mas tentará através de atitudes profundamente sintonizadas ao espírito encontrar um novo campo de significações.

A atitude de Herder acabou por incitar o culto ao gênio do Sturm und Drang (tempestade e ímpeto). Aquele que consegue fazer desabrochar sua criatividade seria considerado gênio. O próprio Goethe, num momento de reflexão tardia sobre aqueles anos, “impiedosamente” definirá o gênio como o termo geral para aquela “notória época literária de escolhidos e amaldiçoados, na qual uma massa de homens jovens surgira com toda a coragem e ousadia”.

Apesar de a revolução significar para alguns poetas o início da vulgarização que a modernidade expandirá, não há dúvida de que a Revolução Francesa serviu como estímulo para a derrubada do clássico nas artes. Mesmo que não se fizesse na Alemanha a revolução política, era possível fazer a revolução estética. A queda da monarquia, na França, era a queda do modelo clássico em troca do culto pelo nacional, pelas lendas, pelo folclore, enfim, pela mitologia local.

O olhar sobre a cultura e civilização, passando pela educação estética como um jogo – ohomo ludens, na definição de Schiller – apresenta uma das características marcantes de um período que tenta se afastar da visão estática preconizada pelo clássico. Na perspectiva da linguagem, esse jogo culminaria com a ironia, concepção romântica que permite ao homem aventurar-se com mais profundidade no terreno da linguagem. Além disso, o jogo e a figura do jogador sempre exerceram fascinação sobre o leitor. Na aposta, a vida e a sorte não deixam de estar por um fio. O jogo e a ironia vão se contrapor apenas aparentemente às concepções de religião pura e de amor exacerbado pela pátria. Uma vez que temos em muitos autores do romantismo a vida dupla, a ironia e o jogo estariam de acordo com este modelo de vida.

Outro ponto que preocupava os escritores era a questão da utilidade da arte. Chega-se à conclusão de que a arte é útil apenas a si mesma, e de que toda a sua conceituação fora desse âmbito nos remeteria ao que conhecemos na contemporaneidade como mercadoria. O romantismo foi um período em que se defendia com unhas e dentes uma arte pura, cuja magia emanasse da alma em toda sua plenitude.

Em contrapartida, o autor nos apresenta um capítulo em que há o subtítulo: “O século com nódoa de tinta”. Isso demonstra o ritmo intenso em que andava a produção literária, ou mesmo subliterária, chegando entre 1790 e 1800 a aparecerem 2.500 romances no mercado. Se por um lado existe a preocupação em combater os prenúncios da modernidade através do desprezo da vida real e de tudo que é considerado útil, por outro a máquina editorial cresce e proporciona lucros.

Um dos pontos altos da primeira parte do livro é o seguinte: “A despreocupação romântica antecipa sob certos prismas o posterior pós-modernismo. A diferença é apenas que aqui se brinca com o sentimento de ainda ter muito diante de si, enquanto o pós-modernismo acredita ter quase tudo atrás de si”.

Romantismo e pós-modernismo também se assemelham porque em ambos, apesar das vozes contrárias, tenta-se associar a arte ao lucro, apesar de, no romantismo, as vozes contrárias preconizarem a recusa à modernidade e à arte como mercadoria.

O autor discorre sobre os movimentos românticos existentes na história do Ocidente; agora, como atitudes de vida. Dentre estas posturas, aparecem reação a qualquer tipo de realismo; mobilizações nacionalistas que desencadearão a Primeira Guerra; peregrinação de grupos de jovens que ocorreu na Alemanha nos anos 20 visando a um modelo de vida baseado no dionisíaco; muitos anos depois, o Maio de 1968.

Apesar das contradições que o período traz em si, o que se pode observar é que toda vez que há afirmação violenta do racionalismo, movimentos românticos vêm à tona trazendo no bojo a perspectiva da fantasia. Talvez tenha sido essa a maior contribuição do romantismo: despertou no homem a urgência do sonho e da imaginação num momento em que a intempérie capitalista se anunciava e viria, um século depois, concretizar-se na forma mais avassaladora.

*Doutor em literatura pela UFRJ.

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