segunda-feira, março 31, 2008

Três histórias do tamanho do mundo

Por Elinete Oliveira

A primeira história de Tinha uma coisa aqui começa por um narrador em primeira pessoa, na verdade uma mulher; suas lembranças de infância são apresentadas como positivas, já que foram importantes no seu processo de formação. Ela precisará enfrentar um mundo complexo, cheio de desafios que, se não resolvidos, poderão transformar sua vida adulta num enorme fardo.
Os dois contos seguintes se diferenciam muito do primeiro. Pema, a personagem principal do segundo, tem uma vida passiva. Sabemos de suas lembranças, quando o narrador, um menino frágil que está sempre a observar o que vai à volta dela, diz que “[ela] viaja por entre as rachaduras de uma parede branca, sem vê-las.”
À medida que cada conto se vai desenvolvendo nosso interesse aumenta. A risada da personagem é comparada à fala de seu próprio avô quando ele diz que “mulher com dedão menor que o indicador tem característica de ser dominadora”. Pema, porém, não possui tal atributo físico. Fica-se sabendo que sua “risada [é] como a de um homem” que teria assim sempre “esse sentido de domínio sobre as mulheres.”
Pema, uma mulher que parte várias vezes devido a conflitos familiares e sempre retorna, é para o narrador, a tia que quebrou o tabu imposto às crianças sobre a existência de um deus onipotente. Quando já idosa, sentada no sofá e entregue a seu mundo interior, mostra-se resignada ante a incompreensão dos parentes que, durante a juventude, foram seus algozes.
O narrador acorda de suas lembranças e se vê diante de uma situação comum, a de massagear os pés de Pema. Revive as injustiças sofridas pela tia, como num filme. A mulher é forte: agüentou sozinha a vida na cidade com um filho na barriga, ao mesmo tempo em que sofria o desprezo dos familiares.
Outro momento importante no segundo conto é a incansável fadiga de uma barata, que tenta se proteger do esmagamento. A mesma fadiga poderia sentir um ser humano diante dessa corrida desenfreada pela sobrevivência, como a vida de Pema. Embora, como nos assegura o narrador, as baratas corram pela vida mais do que as pessoas, o avô de Pema nos é apresentado como um bravo que não fugiu da morte. Sua alma vive rondando a casa, com ar de alegria, porque morreu pelo motivo do que mais o deixava contente: a cachaça. A questão da existência é discutida e deixa muitas interrogações sobre o que seja uma vida feliz.
No terceiro conto, Tina sente saudade de um amor perdido, um homem chamado Léo. Ela nos dá a dica do que seria o amor verdadeiro – sem cobranças, somente anseios. Desse relacionamento, teria um filho, porém é mais ousada que Pema, ao decidir pelo aborto.
Todos temos medo, vivemos injustiças e amamos; tentamos sempre resistir, mesmo que tudo venha cair por terra.

Tinha uma coisa aqui
Ieda Magri
Ed. Sete Letras, 65 páginas.

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