segunda-feira, outubro 02, 2006

In extremis

Continuava sentado junto à mesa tentando ordenar as idéias. Naquele dia, inspiração era algo difícil; nada me vinha à cabeça. Havia prometido uma matéria sobre determinado assunto, mas a folha virtual ia branca. Fui até à janela algumas vezes, acendi e apaguei vários cigarros. Fumei cada um deles até pouco mais da metade. O ar da sala tornara-se insuportável. De repente, uma mulher próxima à janela, no outro bloco do edifício. Havia muito que trabalhava naquele lugar e nunca a observara. E como era bonita. Segurava algumas folhas de papel, parecia estar lendo ou examinando algum documento. A postura dela era de uma planta altiva e elegante que derramava galhos pleno de flores recentes. Permaneci no mesmo lugar por mais algum tempo. Tive a esperança de receber de volta seu olhar, mesmo que ao acaso. No entanto, não aconteceu. Voltei-me após ela desaparecer. Mergulhei novamente nos temas que tinha em mente. Cheguei a tocar no maço de cigarro mais uma vez, mas reparei o cinzeiro cheio de pontas. A proteção de tela já aparecera. Pequeno avião atravessava céu azul informático. Era o efeito do tempo. Em breve, o monitor ficaria negro. Proteção quase in extremis; ainda me restava o automático, inação total. Era o espelho de minha mente naquele momento. A tarde já avançava. Logo escureceria e a cidade começaria a fervilhar, as pessoas deixariam os grandes prédios do centro: umas voltariam a suas casas, outras iriam aos bares, restaurantes, conversariam, ririam...
Fui ao banheiro; lavei as mãos e dei com minha fisionomia no espelho. Não me lembrava qual a última vez em que me observara tão de perto. Os olhos pareciam mais fundos; a testa tinha rugas que me lançavam na incerteza dos anos...
À janela, a mulher do outro lado reaparece; agora me olha. Percebo em suas mãos papel límpido com alguns algarismos; mapa desenhado a números. Detenho-me ante a possível alucinação.
A mulher: planta de caule delicado, folhas finas, flores amarelas.

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