sábado, setembro 02, 2006

Sozinhos
“O senhor então sentiu vontade de voltar a ver-me?”
Lúcio olhou ao redor tentando levar a conversa a outro destino. Seta atirada sem premeditação, não calculara o risco de ter descoberta a posição.
“E então?”, a voz da mulher continuava a ressoar pela sala; revelava alguém incólume a desvios e com plena consciência das intenções do homem à sua frente.
“Bem...”
Percebendo que ele titubeava, não o socorreu. Deixou que o prolongado silêncio revelasse todo o embaraço em que se metera. Na verdade, nau à deriva, não notara que desde a chegada girava em torno de si próprio; e quanto mais tentava retornar a terra, mais se perdia em maré turva.
“Quando éramos meninas eu e minha irmã íamos à casa de seu pai. Você ainda não havia nascido. Gostávamos do lugar, gostávamos de ouvir sua avó; ela nos contava histórias maravilhosas. Pena não tê-la conhecido. Você não seria um homem tão perdido e ao mesmo tempo tão enredado em si mesmo”.
“Bem...”
“....”
“Bem...”
“Jerusalém era então uma terra distante, não sonhávamos com outro lar”.
“Ah, sim , Jerusalém...”
“Tivemos de fazer viagem mais longa, demoramos a reencontrar os amigos; hoje, onde estão? Quase todos já partiram”.
Havia uma jarra de flores sobre a pequena mesa. Ao observar que ele olhava naquela direção, deu alguns passos e, com gesto hábil, proporcionou mais elegância a um rosa.
“Não venha aqui em busca de sentido.”
“Mas... mas não tenho essa intenção.”
“Todos somos sós. Ninguém há de nos ter apreço, com exceção de nós mesmos”.
“Eu tenho apreço a você; ou melhor, gosto... gosto muito...”
A revelação ecoou precipitada e fora de tom.
“Agradeço, mas fiquemos nesse ponto. Olhe bem para mim. Estou bem, e nem tenho mais idade...”
Alguém passou tilintando a sineta: “hora do chá!, hora do chá”!.
Ester levantou-se. Lúcio quis amparar-lhe o braço, ajudá-la na caminhada até o restaurante. Mas ela, polidamente, recusou.
Ele então ouviu-lhe a voz, encantadora e baixa:
“Vamos tomar o chá”.

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