sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Cidadela

A rua do Ouvidor em nada lembrava os tempos passados. Uma alarmante gritaria de camelôs ecoava por todo o trecho. Tentavam vender rapidamente suas mercadorias e, ao mesmo tempo, enxergar a possível aproximação dos homens da Guarda Municipal. Qualquer suspeita da presença destes era motivo de correria e agitação, além de causar pânico aos passantes. Entrei numa loja. Tinha visto havia alguns dias um modelo interessante. Desejava prová-lo. Se caísse bem, o levaria. A vendedora se aproximou sorridente. Apontei o que desejava. Ela foi buscar o vestido. Entrei na cabine. Despi-me e o vesti. Adorei.

Caminhei em direção à Rio Branco. Desejava ir a uma livraria na Travessa do Ouvidor. No sinal, reparei um homem alto, negro, gordo e desajeitado. Devia medir em torno de 1,90m. Continuei rapidamente até atingir meu destino. Entrei na livraria. O ambiente se transformou. O ar era frio. Uma voz de mulher entoava um jazz intimista. A exposição de livros me transportou a um outro mundo. Passava os olhos nos títulos quando vi o mesmo homem, do outro lado, em frente à estante de ficção estrangeira. Mera coincidência, pensei. Desisti de permanecer ali. Iria ao CCBB, tomaria um café e descansaria um pouco.

Após tomar o café, olhei em volta. Apreciei a bela e antiga arquitetura do prédio. A cúpula alta e transparente deixava penetrar a luz do sol. Sentia-me bem. Temi avistar o homem alto, negro, gordo e desajeitado. Mas ele não estava ali.

Dirigi-me ao segundo andar. Acontecia a exposição de um famoso pintor nacional. As telas eram gigantescas e apresentavam figuras geométricas. Embora um tanto leiga em artes plásticas, não deixei de apreciar as formas e nuanças de cor.

Quando dei por mim, entardecia. Segui pela Primeiro de Março. Tráfego intenso. Sobre o passeio, desviava-me de pessoas apressadas que vinham em sentido contrário. Ambulantes obstruíam a passagem. Na praça XV, entrei no Paço Imperial. Aproximei-me do bistrô. Sentei-me e pousei a bolsa sobre a cadeira ao lado. O garçom veio em meu socorro. Pedi um suco de laranja. Quando ele se afastou, surpreendi-me com a presença do homem que já vira outras duas vezes durante a tarde. Desta vez, concluí que não podia ser coincidência. Fiz um gesto brusco de que iria levantar-me, mas contive-me. Aquele era um lugar público, teoricamente não havia perigo. Na rua, estaria mais exposta. Tomei o suco vagarosamente. Procurei distrair-me. Olhei duas páginas de uma revista que trazia comigo. Permaneci ali cerca de vinte minutos. Às vezes tentava, de soslaio, observar se ele me espionava. Constatei que não. Não se moveu de onde estava. Pedi a conta. Paguei e não esperei troco. Precipitei-me porta afora. Senti vontade de ir ao banheiro. Mas agüentaria. Alcancei a praça e, sem olhar para trás, atravessei em direção à Sete de Setembro.

Anoitecera. O número de pessoas diminuíra. Passei diante de um restaurante onde um homem cantava ao violão. Algumas pessoas tomavam cerveja. Um garçom apontou-me uma mesa. Segui em frente. Quando atingi o Mc Donald's, entrei e tranquei-me no banheiro. Olhei-me no espelho. Estava assustada. Ajeitei-me. Na rua novamente, olhei em várias direções. Não avistei quem eu temia. Apressei-me em direção à Rio Branco.

Peguei um táxi. O trânsito seguia lento em direção a Copacabana. Naquele momento, me encontrava mais tranqüila. Os vestígios da agitação anterior tinham desaparecido. Respirava aliviada e até sentia uma ponta de felicidade. Ao cruzarmos o segundo túnel, já na Princesa Isabel, pedi ao motorista que me deixasse no primeiro ponto da Tonelero. Quando ele parou, assustei-me. De novo o homem. Desta vez no ponto, como à minha espera.

- Continue, por favor, não vou descer - precipitou-se minha voz atônita.

O motorista ainda demorou, o apressei:

- Rápido, não pare aqui.

Continuamos. Pedi que ele fosse pela Lagoa, entrasse em direção a Ipanema e me deixasse na Visconde de Pirajá. Desceria um ponto antes da General Osório.

No momento de saltar, porém, hesitei. Concluí que seria melhor continuar.

- Não, por favor, vou voltar para Copacabana.

Agora foi o motorista que me olhou com desconfiança.

- Não é problema de dinheiro - assegurei -, se quiser, pago adiantado. Dei uma nota de vinte a ele.

- Continue, por favor.

O movimento em Copacabana nunca diminui. O bairro funciona a pleno vapor em todas as horas do dia e da noite. Sairia do táxi na Nossa Senhora de Copacabana, na esquina com a Figueiredo de Magalhães. Ali haveria muita gente. O perigo seria menor.

Caminhava a passos rápidos pela Figueiredo. Tentava alcançar a Tonelero, como quem vem de Ipanema. Mas logo percebi que percorrer aquele trecho não fora a melhor escolha. Olhava em todas as direções; avançava, mesmo com maus pressentimentos. No caminho, descobri uma padaria. Entrei. Comprei um maço de cigarros. Acendi um. Dei dois tragos com sofreguidão. Quando me voltei com o objetivo de retomar o trajeto, vejo o homem passar. Ia em direção à minha rua. Fui abatida por intenso desespero. Estava certamente à minha procura. O que fazer? Tentei pensar em algumas soluções. Tentativas vãs. Se eu seguisse em sentido contrário, tudo ficaria mais difícil. Quis ir à polícia. Mas temi que me julgassem louca. Pensei em recorrer a algum amigo. Não me lembrei de ninguém naquele momento. Saí da padaria e entrei num novo táxi. Já estava tão perto de casa e tive de me afastar novamente.

Desci na Atlântica. Entrei no Leme Palace. Me hospedaria ali por uma noite.

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