terça-feira, agosto 02, 2011

Resenha de: O impostor, Damon Galgut

Haron Gamal - Jornal do Brasil

Damon Galgut, nascido em 1963, é escritor sul-africano de língua inglesa. Lançou seu primeiro livro, Sinless season, em 1984, mas tornou-se conhecido internacionalmente apenas em 2003 com o romance The good doctor, traduzido para o português pela Companhia das Letras como O bom médico. Ambientada no pós-Apartheid, a narrativa explora, num hospital de interior, a constrangedora amizade entre dois homens muito diferentes. Com esse livro, ele ganhou o Commonwealth Writers Prize de 2003 (melhor livro para a região da África), e foi finalista do Man Booker Prize (também em 2003) para ficção, e em 2005 do International Dublin Literary Award.

O impostor foi publicado em 2008 e é o segundo livro do autor traduzido para o português. Como The good doctor, também reflete as violentas tensões que permeiam o país após o longo período de segregação racial.

Galgut é escritor de origem europeia, mas descreve com detalhes a exploração e ganância tanto dos brancos como dos negros numa África do Sul em que todos querem levar a maior fatia de lucro, tudo mascarado por um falso desenvolvimentismo, que não perdoa nem a natureza nem as obras arquitetônicas remanescentes dos séculos anteriores.

O livro começa numa estrada, com uma cena muito familiar aos leitores brasileiros. Um policial escondido atrás de uma árvore multa um motorista que cometera uma infração de trânsito. Mas logo se percebe que o objetivo é outro. Por um quarto do valor da multa, o agente da lei diz: “podemos esquecer todo esse problema.”

Mas a questão vai muito além de um simples caso de corrupção policial. Adam, perdido o emprego e desiludido com o insensível progressismo de seu país, está deixando a cidade grande. Dirige-se ao interior, onde pretende construir uma nova vida. Ao mesmo tempo, deseja voltar a escrever, já que na juventude lançara um livro de poemas bem recebido pela crítica. Vamos testemunhar, daí para frente, um dos pontos que estará presente em todo o romance: o embate entre a sensibilidade e um pragmatismo desenfreado – alguém que busca na poesia um modo de fugir do salve-se quem puder econômico que vigora no país. Em contraponto, seu irmão Gavin, extremamente materialista e engajado em empreendimentos nem sempre éticos, insiste para que ele procure outro emprego e leve uma vida comum, como as outras pessoas. A mulher de Gavin, Charmaine, transita entre o conforto proporcionado pelo marido e um quê de misticismo, incluindo visões, leituras de aura e sensitismo para energias tanto positivas como negativas.

Ao se estabelecer no lugarejo almejado, Adam mora numa casa que simboliza a derrota do homem na luta contra as forças inóspitas da natureza. As ervas daninhas, sempre mais numerosas e presentes no quintal da casa, avançam continuamente apesar da luta constante do personagem contra elas.

Dois outros homens e uma mulher mudarão a vida do personagem. Um deles é um morador solitário. Adam se refere a ele como o homem do macacão azul, alguém que mora ao lado e pouco a pouco tenta uma infrutífera amizade com o recém-chegado. O outro é Canning, que se apresenta como seu ex-companheiro de escola dos tempos de adolescência, embora Adam não se lembre dele. Canning esbarra no amigo numa loja onde este fora comprar ferramentas para debelar as invencíveis ervas daninhas. Através do reestabelecimento da antiga amizade, Adan presenciará toda uma trama que envolve políticos, empresários, um imigrante mafioso do leste europeu, e até mesmo prostitutas. O título O impostor a princípio parece soar mal e apontar para uma narrativa de subliteratura, mas no final da narrativa percebe-se a sua justeza.

O que muitas vezes se cobra de escritores como Damon Galgut, oriundo de países onde vigorou (e ainda vigora) intensa luta política, racial e étnica, é o engajamento do artista nas questões subjacentes a todo esse conflito. O autor, de certa forma, consegue cumprir o seu papel, mas não deixa de apresentar a intensa luta interior de personagens que gostariam de cultivar a própria subjetividade em meio ao rolo compressor das ideologias e das máquinas que avançam por todos os lados na construção de hotéis, suntuosos edifícios e campos de golfe para os ricos, ou em empreendimentos imobiliários enganosos e de terceira classe, onde jorra o dinheiro público e as conseqüências são as que estamos acostumados de longa data.

Mas Galgut consegue se sair bem nesse embate entre o público e o privado, ressaltando quase sempre a lama que mancha esse privado, conquistado na maioria das vezes com uma robusta parcela do dinheiro público. O autor mostra que os ricos e os políticos parecem não se incomodar com todo esse lodaçal.

Outro ponto que merece destaque é o sentimento de culpa do qual Adam não consegue se libertar, apesar de suas atitudes sempre éticas. Talvez o autor queira nos dizer que o longo período de dominação e exploração empreendidas pelo colonizador europeu, no continente, criou raízes tão fortes que contaminou tanto os brancos descendentes como os nativos negros, e está muito distante o dia em que existirá algum tipo de perdão.

Um comentário:

Anônimo disse...

Querido Aron

Sou eu Luiz Guilherme que vos fala, não da Rua Uruguai, mas de Botafogo trinta e tantos anos depois.
Adorei o Blog, não li o livro em questão, mas valeu a indicação.
Tenho um blog também que começou em janeiro desse ano:
bonslivrosparaler.blogspot.com

Aguardo sua visita, será um prazer recomeçarmos nossos papos por aí.

Um grande abraço

Luiz Guilherme de Beaurepaire