sexta-feira, abril 29, 2011

Lúcia e o céu de diamantes

Esses jovens executivos sabem tudo, ou pelo menos sabem fingir. É possível surpreendê-los, mas precisa-se de tirocínio. A palavra é tão antiga, que o processador aponta erro na grafia. Mas existe, e é assim a escrita. Eles, jovens de terno impecável, conhecem todos os indicadores financeiros, as estatísticas, os índices das bolsas de valores, o que está por vir e o que não está. Em nada lembram a antiga cartomante. Que também adivinhava mas tinha romantismo. Eles nos levam a bares de balcões prateados, mesas siderais, copos em forma de torpedo. Nos oferecem bebidas e cogumelos. Não os produzidos pela natureza, mas os das explosões. Fortes esses jovens, destruidoras suas bebidas. Um paradoxo, mas são elas que os mantêm vivos. Quanto ao amor? Talvez não seja essa a palavra, mas existe alguma coisa parecida. Não lhes bastam o corte do terno italiano nem os carros japoneses. Chegam, miram-nos, e lançam o dardo. Geralmente certeiros. Sabem sorrir, embora assépticos os sorrisos. Nenhum vírus. Mergulha-se em seu mundo, que não tem céu nem diamantes que saudade da Lucy, ela está morta. Ficamos apenas os dois, eu e meu jovem, mente brilhante do mercado de dados, homem arrasador, frações de segundo e milhões acariciam-lhes as mãos. Em que moeda? Basta escolher. Há de tudo, farta a cesta. Leva-me em seu carro. De fora, mesmo em movimento, parece que não vai com viva alma. Ele o dirige com arrojo, em pleno centro de São Paulo, mas tem o coração de um principiante. Sim, ao menos no amor, são garotos inexperientes. Trepam com as cifras do mercado, com o risco que sempre dobram, já com uma mulher... Bem, com uma mulher precisam de mais um reforço. Saltamos na garagem de um prédio de trinta andares, nos Jardins. Já bebemos todos os metais, metais azuis, verdes e vermelhos. Falta-nos o que caracteriza o humano: pele e músculos. Nossas roupas de fibra nos escondem. Subimos. O álcool já nos deixou lá em cima, mas ainda faltam os andares. O último é o dele, a cobertura, plataforma de lançamento, visão perfeita sobre a cidade-mundo que matou todos os cães. Sobre os outros prédios, agudas antenas inúteis levam bilhões em mercado futuríssimo, mas nenhuma esperança de mulher, nenhum verso de Camões. Cervantes e Shakespeare morreram, mas esses jovens nada sabem sobre isso. Acumula-se uma montanha de ouro, não há quem, no entanto, possa dizer o que fazer com ela, apenas sugere-se que se compre outra, e ainda outra, e mais outra. Mas voltemos à adrenalina, a todos os nossos ácidos. Ainda falta o último. Sempre estamos em busca do derradeiro. No nosso caso, o gozo sobre a mureta, com a cidade lá embaixo. Meu jovem executivo despe-me. Não o sabe fazer sem rasgar-me. Enfim, aponta-me uma pistola. Bela a arma, reluz quando a cidade espoca seus holofotes, astros trêmulos ante meu recente e audaz cavaleiro. Obriga-me a deitar sobre a mureta do trigésimo andar. Depois trepa e cavalga sobre o meu corpo. Onde vamos os dois? Deixo que me leve e que goze à beira do despenhadeiro. Gozo agora ou deixo para o momento em que estivermos bem próximos do chão, nossos corpos ainda a flutuar... no ácido e no ar? Oh, a morte, ou a proximidade dela, uma espécie de orgasmo. Tanto maior quanto mais alto o precipício.

Nenhum comentário: