sábado, outubro 09, 2010

Esqueça isso, sobre eleições

Desci para ir à banca de jornal. Era segunda de manhã. No meio do caminho, encontrei o Jofre.

“Oi”, falou quase me segurando por um dos braços, “já sabe o resultado das eleições?”

Fiz que não com a cabeça.

“Tanto sacrifício à toa, esses palhaços vão estar por cima por mais quatro anos.”

Eu não tinha visto a TV nem ouvido o rádio. Ia até a banca, mas também não era para saber sobre eleições. Até mesmo esqueci que tinha havido eleições.

“Lembra-se daquilo que lhe falei na última vez em que estivemos juntos?”

Não esperou que eu respondesse.

“Aconteceu exatamente o que eu temia.”

Fiz menção de continuar o meu caminho.

“Mas ouça, isso não pode ficar assim, são os mesmos que sofrem os que votam nesses caras. Acham que as coisas acontecem porque têm de acontecer.”

Fiz um movimento vago, que podia ser interpretado como concordância.

“Vai comprar o jornal?”, perguntou, “posso ir com você?”

“Fiquei vendo filmes até muito tarde, me esqueci de tudo.”

“Que filmes você assistiu?”

“Alguns que estavam na casa de meu pai. Fui até lá, ontem. Encontrei-os e resolvi trazê-los.”

“Vou até a banca com você.”

“Tudo bem. Sabe quem me procurou, na sexta?”

“Não.”

“O Reinaldo.”

“O Reinaldo?”, surpreendeu-se. “Não o vejo faz tempo. Acho que não tem aparecido por aqui. E o que ele queria?”

“Disse que ia fazer uma viagem, ficar fora por uns meses, não sei. Não acreditei muito na história dele.”

“O Reinaldo é uma pessoa estranha. Ninguém consegue entendê-lo. Certa vez, pensei que fosse viciado em algum tipo de droga. Mas nem pra isso ele serve. Bebe um pouco, fala umas besteiras e desaparece por uns tempos.”

“Acho você muito exigente com ele. Todos têm seus problemas.”

Tínhamos chegado à banca de jornal.

“Olhe só a cara do palhaço. Já colocaram a foto na primeira página. Esses jornais subservientes apoiam todos que lhes dão algum trocado.”

Olhei uma revista. Não era sobre política. Futilidades. Mas era o que me interessava. Peguei um exemplar e paguei ao dono da banca. Jofre me olhou enviesado. Mas nada falou.

“Vou tomar um café, em casa não tenho mais açúcar”, eu disse.

Atravessamos a rua e entramos no bar. Acabou me acompanhando. Em um canto, dois homens ainda conversavam sobre as eleições. Notei que Jofre esforçou-se para ouvi-los, mas logo desistiu. Bebemos nossos cafés. Pagou o dele e o meu.

“Vamos até lá em casa”, falei.

Tomei-o pelo braço e seguimos de volta. Pareceu animar-se, esboçou um ligeiro sorriso.

Quando entramos, abracei-o.

“Esqueça isso, sobre eleições, eles não vão conseguir reger nossas vidas”, terminei a última palavra e o beijei na boca.

Falou, quase em surdina:

“Não sei, Joana. Mas talvez você tenha razão.”

Recostamo-nos no sofá, ainda abraçados um ao outro.

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