sexta-feira, abril 03, 2009

Uma metáfora de resistência

Livro de professor da UFRJ aprofunda crítica à pós-modernidade

Ao partir de um incidente urbano, a destruição gratuita de um bloco de pedra – “desses que marcam o meio-fio” – por um trabalhador da construção civil, o professor Ronaldo Lima Lins desenvolve uma reflexão consistente sobre a construção e destruição do conhecimento no percurso histórico do ser humano. Assim como já o fizera no seu livro anterior, A indiferença pós-moderna, quando descreve um outro incidente – ele mesmo fora atacado por um desvalido urbano – para daí fazer toda uma reflexão sobre as causas da violência na contemporaneidade, o autor traz mais uma vez ao meio acadêmico um episódio aparentemente corriqueiro e propõe analisá-lo sob a luz dos instrumentos teóricos legados pela filosofia, incluindo aí a arte ou a estética.

O livro, dividido em três partes, começa por analisar o que levou o homem a querer conhecer: “O outro é o estranho, o desconhecido, a ameaça constante, o risco, a impossibilidade da paz. É o motivo que nos leva a desejar conhecê-lo, considerando o conhecimento uma forma de domínio capaz de espantar fantasias de insegurança e construir (quem sabe?) um mundo interior menos inquieto.”

No ato de querer conhecer esse outro, não estaria implicado apenas o ser individual, mas grupamentos humanos, impérios e civilizações. Citando os mais diversos pensadores, como Sartre, Kojève, Freud, Parmênides, Heráclito de Éfeso, Kant, Hannah Arendt etc., o autor nos mostra como determinadas sociedades, muitas delas consideradas cultas, exerceram e exercem a barbárie até com mais ímpeto e inclemência do que as sociedades ditas primitivas. No processo de relação com o outro, sendo ele um homem ou um império, o caminho para dominá-lo implicaria em desmontar seu saber, não se levando em conta se essa destruição acarretaria perdas para toda a humanidade.

Ainda nessa primeira parte, ele utiliza o conceito de estética como meio de percorrer a história do saber: “Quando os iluministas alemães criaram o conceito de estética, estavam, como boa parte dos intelectuais de sua época, interessados no saber.” A partir daí teremos a arte, concebida como estética, companheira da filosofia na tarefa de retratar a construção e a destruição, até o momento em que ambas se tornam vítimas da destruição, logicamente não desaparecendo, mas sentindo duramente o golpe.

Começando por Kant, que inaugura a separação da visão vigente até aquele momento, em que a beleza estaria relacionada à religião, para daí em diante mostrar que se poderia chegar ao conhecimento de forma laica, a ética e a estética se separam, cada uma seguindo seu próprio caminho. A partir dessa bifurcação, a arte e a filosofia, como que órfãs, procurarão dos escombros da cultura clássica construir uma nova visão de mundo calcada na fragmentação.

A segunda parte, cujo título é “A dor do saber”, discute a dialética construção / destruição a partir da modernidade. O esgotamento dos experimentalismos conjugado à intensa industrialização transforma o homem de sujeito em objeto de experiências. Uma gama infinita de produtos coloca o ser humano numa atitude passiva, alguém quase sem opção, a não ser a de consumir e de ter seu modo de vida transformado sem que tenha ânimo para resistir.
A aceitação passiva de um mundo que tenta disfarçar sua face totalitária empurra os homens para um beco quase sem saída. As forças ideológicas tentarão continuamente desqualificar e eliminar qualquer tipo de crítica, como as encetadas pela arte e pela filosofia, empreendendo avassaladora força destrutiva.

Já tínhamos constatado a consciência da fragmentação em alguns filósofos pós-kantianos, como em Schlegel. A ansiedade e angústia, componentes crescentes numa sociedade que começa a ser marcada pela reprodutibilidade, atingem seu ponto mais elevado no início do século XX, período de vitória do modo de vida baseado na industrialização.

A terceira parte aprofunda a questão da estética como instrumento de produção do conhecimento, incluindo aí a crítica. O autor constata que a concepção pós-iluminista, em que o saber se mostrava capaz de dar ao homem a chance de modificar o mundo a seu favor, não aconteceu. Esse saber será levado cada vez mais a extremos e através de sofisticados métodos de persuasão – no caso a publicidade – a um estágio que torna difícil ao ser humano perceber a própria liberdade. Nos modernos ainda vislumbramos “a estética da destruição”, isto é, o processo de conhecimento e crítica como desmascaramento da ideologia. No contexto da pós-modernidade, no entanto, o homem não se dá conta de que está compactuando com o poder. Disfarçado, este se apresenta como um novo deus, disposto a conceder a “todos” seu último milagre: a mercadoria. Estaríamos, então, no período da “destruição da estética”. A estética, iniciada no século XVIII voltada para fins humanistas, através dos instrumentos da ideologia teria gerado um monstro e estaria prestes a ser devorada por ele. Segundo o professor, a saída ainda estaria no que nos diz Hannah Arendt: a crítica como instrumento de resistência. O título do último capítulo é muito sugestivo: “De portas fechadas e abertas”, Diante de tantos becos-sem-saída, devemos abrir cada vez mais as portas para o pensamento. É tudo que nos resta.

O operário inicial, que nos é mostrado num gesto aparentemente impensado, já não é um ser isolado. A destruição do conhecimento tem artífices mais requintados, que sabem utilizar instrumentos que se apresentam quase que inofensivos, mas cuja força devastadora vai bem além da marreta de alguém que trabalha na construção civil.

O livro do professor Ronaldo Lima Lins situa-se nesse patamar, quase que exíguo, em que nós, intelectuais, tentamos ainda nos movimentar, atribuindo à nomeação e à crítica as forças impreteríveis da construção.

A construção e destruição do conhecimento
Ronaldo Lima Lins
Editora da UFRJ, 205 páginas

Um comentário:

Cordel disse...

Prezado Haron:
Parabéns!
Vistei o blog
http://www.harongamal.blogspot.com/
Li os textos no Literal
Aprendi muito...
Obrigado
Abs
Gustavo Dourado
www.gustavodourado.com.br