sábado, novembro 04, 2006

Baudelaire

Eu estava sentado à mesa de um bar. No lado oposto, havia uma mulher loura, de cabelos compridos. Fumava um cigarro longo, desses raros, que os jovens já não procuram. Aspirava-o sôfrega, retinha a fumaça durante algum tempo, depois a soltava natural, de modo que esta subia e se perdia no ar. O cigarro entre os dois dedos e o sorriso constante atraíram-me. Esperei. Queria me certificar de que ela estava só. Entre desejos intempestivos de lhe enviar um bilhete, consegui aquietar-me: "você é linda", escreveria "e o cigarro lhe dá um charme terrível". Mas aguardei. Não queria quebrar-lhe o encanto. Sua idade? Não sei, nem importa. Levei o copo de chope à boca, mas não desisti de acompanhá-la a distância. Meus olhos eram lanternas inseguras em noite de desacertos. Ela também bebia, mas era algo que beirava o rubro, e havia uma colherinha dentro do copo. Uma mulher feliz, pensei. O garçom chegou-se a ela, ouviu-lhe silencioso palavras mágicas e se retirou solícito. Sobre minha mesa, segurei uma das rodelas de chope e a girei sobre a toalha quadriculada. Já havia bebido demais, mas não perdera a lucidez. Quando o garçom voltou, sussurrou-lhe algo que a tornou fada encantada. Desisti de interpelá-la. Não a tocaria nem que me sobrassem versos de um Camões ensandecido, ou mesmo de um Bocage perdido nas trevas da contemporaneidade. O relógio luzia-me duas da madrugada. Horas dos boêmios cônscios de que sempre foram sós e de que aos sós não existe remédio. Não sei se sua presença lançava-me em mar de velas abertas e enfunadas ou de vagas irregulares sob céu sem estrelas, intempérie das horas tardias.

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