quinta-feira, junho 08, 2006

Tempos de guerra

E é fatal dizer que o desconforto só aumenta quando, enfim, chega a sua vez. Eu tinha de guiar aquele veículo através de cinco quadras. Conhecia o caminho, passara por aquelas ruas um sem número de vezes; nunca, porém, pensei que as percorreria pela última vez. Minha missão: guiar o automóvel até o número 153 da J. Depois, apenas esperar; talvez dois minutos, talvez dois segundos. O percurso devia ser feito a 40km, não poderia ultrapassar carro algum e a parada preestabelecida precisava ocorrer dentro das marcas amarelas que sinalizavam a entrada de uma garagem. A parada provocaria suspeita e a aproximação dos sentinelas, mas o vidro escuro do carro e a impossibilidade de se comunicarem comigo provocariam neles hesitação. A reação viria logo, no entanto tarde demais. Guiava conforme as instruções. Vi uma menina que caminhava agarrada à mãe; ambas envolvidas pela meia luz do final da tarde refletiam um último raio de poesia; percebi, em frações de segundo, como tudo poderia ter sido diferente; as duas indicavam um mundo possível. No final da K, um caminhão se interpôs a meu trajeto. Tudo está acabado, pensei; o alvo não seria atingido, desperdiçávamos equipamento e material humano. Mas o veículo se moveu deixando a rua livre. Pela última vez, olhei o céu. Ainda havia luz. Na última esquina, uma jovem de casaco marrom trouxe-me um filme à memória; tempos em que se suspendiam operações para não se matarem inocentes. Mas, agora, quem era inocente? Cheguei ao local indicado. Parei. Um soldado de óculos escuros e telefone em uma das mãos caminha em minha direção. Pára à distância de uns cinco metros. Grita-me algo que não escuto ou não entendo. Mais dois se aproximam; possuem armas pesadas, mas não tempo para dispará-las. Todos estamos mortos.

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