Não faz muito tempo, li uma entrevista concedida à Folha de São Paulo por Carlos Heitor Cony. Em determinado momento da conversa, entre uma pergunta sobre sua vida de jornalista e outra sobre sua vida de escritor, a repórter soltou: “o que lhe agrada mais, ler ou escrever?” O acadêmico, com humildade, respondeu: “gosto mais de ler, escrever é o meu ofício”.
Interessante a resposta, porque mostra que o escritor coloca-se
como qualquer ser humano normal, não escondendo certo tédio ou fastio por seu
trabalho, mesmo sendo este um ofício que dá destaque ao ser humano. Caso fosse
alguém muito vaidoso, diria que gosta mais de escrever, e que tal prática é tão
necessária quanto é a respiração para a sua sobrevivência. Mas Cony sempre foi
humilde, a notoriedade procurou-o, ao invés de ele procurar por ela.
O ofício de leitor sempre é mais prazeroso. Nada melhor do
que pegar de modo despreocupado um livro, lê-lo com avidez ou mesmo abandoná-lo
caso não agrade. Nada de dar satisfações a alguém sobre a leitura, nada de ter
a obrigação de fazer comentários sobre a história, ou ainda o pior, ter de escrever
uma resenha sobre o livro. O leitor de jornal lê um ensaio em dez minutos, mas
não sabe quantas horas, ou mesmo dias, o autor precisou para articulá-lo.
Faz pouco tempo, como comentei aqui na coluna, adquiri a mais
recente tradução do Ulysses, de James
Joyce. Como quem não quer nada, comecei a ler o livro mais uma vez. Minha
esposa falou: “esse livro não precisa ser lido por inteiro, há várias pessoas
que o leem em partes, tiram dele só o que interessa”. Ela é psicanalista lacaniana,
sendo assim, a falta, para ela, é muito pertinente. Mas fui avançando, página
após página e, com o passar dos dias, não peguei em outro livro (às vezes leio
dois ou três ao mesmo tempo). Só parei quando cheguei à página 1106, a última
do romance. Pensei, então: está bom, um livro lido apenas por interesse e
prazer, nada de escrever sobre ele.
Mas se passaram dois ou três dias e chegou o prazo de mandar
a resenha para o número de setembro da Folha Carioca. Eu tinha uma matéria já
escrita, sobre um livro da Martins Fontes, mas achei que não era o momento de
publicar aquele texto. O que escrevo, afinal? Então, a leitura despreocupada
foi por água abaixo. Comecei a escrever o texto sobre o Ulysses da Penguin Companhia
das Letras.
Lembrei-me do Cony e do sua preferência pela leitura,
lembrei-me também da minha tentativa de ler por prazer. Não demorou muito e
o meu texto ficou pronto. Esperei o dia seguinte. Sempre espero o dia seguinte para melhorar um texto, durante
a madrugada às vezes me surgem algumas ideias.
Ao amanhecer, fui de novo ao computador. Revisei a matéria e
acrescentei aquilo que achei necessário. Mandei, enfim, a resenha para a
revista. Depois, lembrei-me: dois os meus fiascos nestes últimos dias. O primeiro foi
não ter conseguido ler um livro na paz dos leitores; o segundo, não ter escrito
a crônica semanal. A matéria sobre o livro de Joyce foi escrita na quinta e na
sexta, dias em que escrevo a crônica para o blog. O que fazer, portanto?
Uma semana sem crônica não faz mal a ninguém. Então, esta
semana não temos crônica. Ou temos?
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