terça-feira, dezembro 06, 2011

Angústia, de Graciliano Ramos, comemora 75 anos

Há livros que, publicados, não se apresentam como o autor pretendia, mas acabam saindo do jeito que os leitores gostam. Foi o que aconteceu com Angústia, de Graciliano Ramos. O autor tinha a intenção de revisar os originais mais uma vez e achava necessário eliminar pelo menos um terço da narrativa. Mas as circunstâncias não permitiram, Graciliano estava encarcerado como preso político nos porões do Estado Novo.

Para a comemoração dos 75 anos de lançamento do romance, a editora Record traz a público nova edição deste que é o terceiro livro do autor de São Bernardo, acrescido de sua fortuna crítica. Resenhas e textos contemporâneos ao lançamento ou mesmo matérias sobre o livro, que apareceram no decorrer do século 20, fazem parte de um apêndice, no final da edição.

Participam autores do porte de Otávio Tarquinio de Souza, Adonias Filho, Nelson Werneck Sodré, Otávio Dias Leite, Jorge Amado, Peregrino Junior, Rachel de Queiroz, Álvaro Lins, Ferreira Gullar etc., incluído Nicolao Montezuma, pseudônimo atribuído a Carlos Lacerda. Dentre todos esses textos, destaca-se o de Jorge Amado. O autor baiano afirma: “Esse romancista nordestino sabe bem o que quer fazer. Porque a impressão inicial que Angústia nos dá é de livro onde nada é inútil, nada é forçado e onde também nada falta.” Adiante, continua: “Sei de alguém que não conseguiu passar da página 30 desse romance com medo de enlouquecer.” Há também referência a um texto de Antonio Cândido, que classifica o livro como: “romance excessivo [que], de certo modo, contrasta com a discrição e o despojamento dos demais, o mais ambicioso e espetacular.” Dois posfácios, um de Otto Maria Carpeaux e outro de Silviano Santiago, fecham o livro.

Angústia reflete o drama de todo artista marcado pelo destino, alguém que prevê o próprio futuro grandioso mas, para sobreviver, precisa sucumbir ao ridículo e comezinho do dia a dia, vendo-se obrigado a emprestar seu talento a escritores de repartição, ou mesmo alugar sua pena àqueles que desejam rascunhar algum elogio fútil a seus superiores. Na verdade, o grande drama de Luís da Silva, protagonista e narrador do romance, não é a perda da mulher, que nem chegou a amar, nem o crime que cometeu contra Julião Tavares, esnobe filho de comerciantes abastados. Sua tragédia pessoal é a própria obra que se avizinha, disfarçada de simples relato, fazendo crer que o narrador é o escritor, como é comum às narrativas em primeira pessoa. Por isso, não é à toa que a história possa ser percebida, já nas primeiras páginas, como tentativa literária de um autor fracassado. A angústia acaba se tornando a perspectiva de não saber empreender o próprio talento, sempre urdido (nos grandes autores) em meio a intenso sofrimento e à vida trágica. Graciliano Ramos soube captar bem este lastro do seu tempo e viveu na pele a própria tragédia.

Outro aspecto que pode ser observado, como bem salienta Elizabeth Ramos na introdução, matéria também de uma revista norte-americana sobre o livro, é o seguinte: trata-se da “crônica da condição do intelectual nos países subdesenvolvidos da América Latina.” Questão premente, porque todo intelectual que se pretende livre, que não pertence aos círculos universitários nem aos círculos do poder, se vê condenado à solidão e ao silêncio.

O livro tem estrutura circular, começa pelo final. Luís da Silva já está se recuperando e relembra o último ano de sua vida, quando tudo parecia ir bem até conhecer Marina, uma moça que se mudou para a casa ao lado da sua. O narrador conta sobre sua vida de funcionário público, sobre os tipos locais, a luta política, o avanço do autoritarismo, a hipocrisia do meio intelectual em que está inserido, a vida nos cafés, o cinema local e o bordel. Também é assaltado por lembranças da infância. Aqui comparece a característica pela qual Graciliano Ramos se tornou mais conhecido, e que, neste romance, ocupa espaço periférico: a vida do sertanejo nordestino.

Angústia, no entanto, mostra um Graciliano totalmente compatível com a vida na capital, privilegiando a introspecção muito antes de ela virar moda e ter sido explorada até as últimas consequências por uma escritora como Clarice Lispector.

O que se pode concluir é que Angústia não perdeu nem ameaça perder tão cedo a atualidade. Lido 75 anos depois de lançado, o romance também parece abordar, até de modo mais acurado, uma entre as principais questões dos dias de hoje: as doenças psíquicas, ou mesmo a loucura. Sem conhecimento profundo de Freud e de seus seguidores, ausente ainda Focault, o autor constrói um narrador que mergulha nas sutilezas da alma ao descrever sua “doença”, e consegue dissecar aquela espécie de mal que ronda o homem moderno, a solidão e a melancolia.

Angústia, Graciliano Ramos
Editora Record
382 páginas