Voltei para casa e a questão não se resolveu na minha
cabeça. Alunos e alunas do ensino público são pessoas, sobretudo, muito
carentes e, caso mal direcionadas, o problema lá na frente tende a aumentar.
Lembrei-me, então, de um professor universitário amigo meu. Após vivenciar um episódio arriscado, fez uma espécie de reflexão sobre o tempo em que vivemos.
Voltava ele da faculdade no seu Peugeot, havia acabado de deixar duas alunas que trouxera de carona. Ao parar no sinal luminoso junto ao Passeio, naquela avenida que cruza com quem vem da Praia do Flamengo em direção à Lapa, um garoto o abordou com uma faca. Ele, que já não é jovem e ainda por cima deficiente físico (seu carro é adaptado para quem não pode fazer uso das pernas), instintivamente tomou nas mãos a muleta, que jazia no banco ao lado, e, com a destreza de um bom esgrimista, começou a travar pela janela do carro uma renhida luta contra o agressor. O grotesco embate durou menos de um minuto. O desvalido, como não esperava a pronta reação, assustou-se e fugiu. Depois, o episódio serviu como motivo para um livro de crítica da cultura. Por que a nossa sociedade produz esse tipo de violência? Qual a nossa parcela de responsabilidade nisso tudo, já que temos o conhecimento? O professor, que como intelectual também não deixa de ser desvalido – suas armas são sempre precárias e duvidosas –, acabou concluindo depois de 300 páginas que nossa indiferença pode ser a causa de tudo.
Voltava ele da faculdade no seu Peugeot, havia acabado de deixar duas alunas que trouxera de carona. Ao parar no sinal luminoso junto ao Passeio, naquela avenida que cruza com quem vem da Praia do Flamengo em direção à Lapa, um garoto o abordou com uma faca. Ele, que já não é jovem e ainda por cima deficiente físico (seu carro é adaptado para quem não pode fazer uso das pernas), instintivamente tomou nas mãos a muleta, que jazia no banco ao lado, e, com a destreza de um bom esgrimista, começou a travar pela janela do carro uma renhida luta contra o agressor. O grotesco embate durou menos de um minuto. O desvalido, como não esperava a pronta reação, assustou-se e fugiu. Depois, o episódio serviu como motivo para um livro de crítica da cultura. Por que a nossa sociedade produz esse tipo de violência? Qual a nossa parcela de responsabilidade nisso tudo, já que temos o conhecimento? O professor, que como intelectual também não deixa de ser desvalido – suas armas são sempre precárias e duvidosas –, acabou concluindo depois de 300 páginas que nossa indiferença pode ser a causa de tudo.
Não sei se ele chegou ao cerne da questão, mas foi mais fundo do que o professor lá do início, o do chope com os amigos, que terminou sem reflexão e sem deixar qualquer tipo de recado. Ou, se deixou algum, é o de que sempre se pode tirar proveito de alguma situação.
E fomos todos ao cinema
Para completar, vi num shopping, em dia de semana,
uma turma de adolescentes do ensino público. Eles estavam na fila de “Paraísos
artificiais”, filme brasileiro dirigido por Marcos Prado. Pensei: se jovens do ensino
público estão dispostos a assistir a um filme que trata de problemas pertinentes a eles, nem tudo está perdido.
“Paraísos” é um filme que aborda uma juventude sem perspectiva, ou mesmo sem ideologia. São pessoas cuja principal tarefa é aproveitar a vida e, dependendo da oportunidade, obter algum lucro: drogas de graça ou mesmo viajar ao exterior e ganhar um dinheirinho servindo de mula para trazer de Amsterdã algumas cápsulas de ecstasy.
Mas o filme não é só isso. Há belas paisagens, boas músicas, alegria e o entendimento de que, se usadas com esperteza, as drogas não são tão letais. Ou seria o contrário? Pode ser que eu não tenha entendido a história. Mas, ao mesmo tempo, não se pode dizer que o filme faz apologia às drogas. Apenas parte da ideia de que não há nada de errado em se aproveitar do assunto para se fazer um bom filme. Enfim, a arte pode abordar todos os temas porque, não sei se infelizmente, vivemos numa economia de mercado. Portanto, é preciso ganhar dinheiro.
Após a sessão, uma aluna gritava a outra: você é burra, por acaso não entendeu? O rapaz que sai da prisão é o pai do filho da DJ. Eles transaram naquela festa rave na Bahia. Ela trepava com o cara enquanto a amiga lésbica se enrolava numa overdose.
Como eu vira o filme, percebi que a garota tinha razão. Eu
mesmo não havia prestado atenção nesse ponto. Nas idas e vindas do roteiro, a moça
entendeu que o tempo é pura abstração. E era apenas uma aluna do ensino
público.
Onde o professor que tomava chope e contava suas vantagens
em cima da solidão das alunas? Onde o duelista e sua afiada muleta?
Sobressaía agora alguém quase menina a quem, depois daquela cena, o mundo jamais
seria o mesmo.
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