Dias depois participei, como espectador, de um debate entre Francisco
Bosco, colunista do jornal O Globo, Alberto Pucheu, professor da UFRJ e Roberto
Corrêa dos Santos, escritor poeta-crítico-literário sobre quem Pucheu estava
lançando um livro. Na assistência havia muitos alunos e outros tantos
professores de várias universidades. O debate foi realizado no centro cultural
Midrash, no Leblon.
Confesso que compareci ainda marcado pela conversa que
tivera com minha amiga e, nesse sentido, desejava fazer perguntas sobre o papel
da intelectualidade em momentos críticos da História. Mas não foi nessa direção
que se desenvolveu o debate.
O colunista do jornal o Globo fez as apresentações, esclarecendo sobre a linha de pesquisa do professor e da obra do crítico-poeta. Sei que algumas pessoas devem achar estranha a expressão “crítico-poeta”,
mas é isso mesmo, pois segundo a tese de Pucheu, o poema contemporâneo e,
precisamente o do poeta presente, existiria enquanto “o ensaio teórico
crítico-experimental”. Um dos pontos
centrais da discussão foi sobre a existência ou não do contemporâneo, sobretudo
na literatura.
Ainda segundo o debate, a
literatura modernista apresentou uma proposta de rasura à tradição
clássica, introduziu algo novo, algo jamais experimentado. O Modernismo
tinha ideologia, deixava esperança no coração e na mente das pessoas. Mas e o
contemporâneo, como estaria manifestando-se? Estabeleceram-se, então, pontos de vistas divergentes.
Houve quem o negasse. O contemporâneo já não seria possível porque não se
apresentaria da mesma forma como, por exemplo, se apresentou a grande narrativa dos oitocentos.
Com o Modernismo, consequentemente, essa narrativa já se teria perdido.
Discutiu-se também o conceito de tempo, já que esse vocábulo situa-se dentro do vocábulo maior, “contemporâneo”.
Bosco deu o exemplo do telefone. Segundo ele, o telefone de discar não é um aparelho
contemporâneo (um dia foi), enquanto o Iphone seria. A seguir, pediu ao poeta
que respondesse como nas artes isso poderia ser exemplificado.
Terrível exemplo trazer a tecnologização da precária e ao
mesmo tempo complexa sociedade em que vivemos e querer a partir daí fazer um paralelo com as artes. O poeta
delicadamente não navegou nas mesmas águas do colunista. Para ele o tempo, em
termos de artes, não existe e, por conseguinte, não existiria o contemporâneo. O
que existe são efeitos de vários tempos que convergem num determinado momento, e
essa manifestação é sempre incompleta. Poder-se-ia exemplificar como algo que
se oculta, que se constrói e se descontrói constantemente. Caso exista, é num
processo de “fazimento” e “desfazimento” constante.
Roberto Corrêa dos Santos ainda ressaltou que não via
nada de novo (nem de contemporâneo) na tecnologia nem na web nem no facebook. O importante
não é o que se está fazendo, mas como se faz e de que modo isso pode servir
de rasura, de borrão. Especulou que a felicidade seria a constante do ser
humano, enquanto os atritos contra ela nada mais seriam do que a tentativa de
quebrar essa mesma felicidade. Assim, não seria preciso viver em função do porvir,
não precisaríamos ter esperança quanto ao futuro, porque se viveria um presente
constante e de plena potência. A consequência disso seria a abolição da
ansiedade e, em consequência, de sua dobra, a angústia. Concluiu: não pensamos
numa fraternidade do futuro, mas numa que já vivemos agora, com as pessoas que
conhecemos e com os amigos com os quais convivemos.
Voltei para casa pensando nessas questões e achando que elas
traziam algo novo. Além disso, a obra de Roberto não tem preocupações com o
mercado. É composta por livros quase artesanais, que prescindem de grandes
editoras e de livrarias conhecidas. Apesar da sua grande importância, está toda
esgotada. Quando lança um novo livro, o próprio poeta o distribui entre os
muitos amigos que possui. E não se trata de um jovem idealista, ele já está na
estrada desde meados do século passado.
Voltando à amiga lá do início da conversa, minha conclusão é que a função atribuída por ela aos intelectuais deveria ser a de
todas as pessoas que compõem a sociedade. Pois os intelectuais jamais poderão assumir
a posição de um pai zeloso ou de uma elite iluminada que poderia ditar “saídas” para a sociedade em
momentos de crise.
Se há alguma iluminação nisso tudo, esse brilho seria apenas
o fugaz lampejo de um borrão do real, manifestação atemporal e simultaneamente tempo-convergente,
atuando como efeito do ter sido e do que se é, algo impossível de ser nomeado e de ser medido. Talvez essa constatação seja uma das poucas certezas do intelectual,
por ser ele o mais capaz de atestar a fragilidade que o conhecimento comporta. Assim, saber já não seria adoecer.
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