Os bastidores de um jornal e as perspectivas de sua
sobrevivência num mundo de extrema competitividade, onde a internet passa a
predominar cada vez de modo mais avassalador, são o tema de Os imperfeccionistas, livro de Tom Rachman. O jornal em questão é
um diário internacional sediado em Roma e publicado em língua inglesa, com o
objetivo de ser vendido no mundo inteiro. Qualquer semelhança com uma
publicação fácil de ser encontrada nas bancas de Copacabana, Ipanema ou Leblon
não é mera coincidência.
O autor, que já foi jornalista, retrata sem qualquer
idealização a rotina e o ambiente confuso de uma redação. Aqui e ali pululam
ambições e mazelas, falsas amizades, casos amorosos e traições. Há desde o
correspondente em Paris, alcoólico, que já não consegue vender suas matérias,
até o editor viciado em trabalho, primeiro a chegar e último a sair da redação,
o que faz sua esposa abandoná-lo e ir morar com um italiano. As mulheres, como
profissionais de jornalismo, também vivem os dois lados da moeda, como a
repórter de economia Hardy Benjamin, eficaz no trabalho mas desastrosa nos
relacionamentos; Kathleen Solson, que deixa a promissora carreira num diário de
Washington para assumir o cargo de editora-chefe – numa noite regada a
caipirinha ela acaba flertando com um jornalista de quem fora amante porém
agora trabalha como assessor de imprensa de Berlusconi –; Ruby Zaga, além de
egocêntrica, problemática e desprezada pelos colegas de trabalho, também naufraga
na bebida e numa vida extremamente solitária. Outro curioso personagem é Winston
Cheung, jovem americano de origem asiática que não sabe o que quer da vida nem
jamais escrevera uma linha sequer em jornal algum. Ao descobrir que está vago o
cargo de correspondente no Egito, tenta aproveitar a oportunidade. Entretanto esbarra
em dois problemas: mal sabe árabe e lhe aparece pela frente um famoso
jornalista americano que não consegue se fixar em jornal algum por ser
temperamental. Ele, assim como Cheung, quer o cargo no Cairo.
Em cima de manchetes curiosas, que chegam a proporcionar
ao romance ares humorísticos – “mentiroso mais velho do mundo morre aos 126
anos”, “aquecimento global é bom para sorvetes”, “a vida sexual de muçulmanos extremistas” etc. –, os capítulos são construídos sempre sob a ótica e a vida
de cada personagem, podendo ora ser a editora-chefe, ora o correspondente em
Paris, ora a repórter de economia, ou mesmo a leitora assídua que não perde um
exemplar do periódico, obrigando a empregada a guardá-los exatamente em ordem
cronológica para poder ler na íntegra todos os números.
Como um diário desse tipo se mantém? Não seria
necessária a pergunta, mas ele é fundado e circula durante muitos anos por
causa da paixão. Foi ela que, muitas vezes, moveu o jornalismo. E, aqui, é tão intensa
que, apesar das constantes crises financeiras, mantém a publicação por várias
décadas, fazendo o diário passar de pai para filho. O último, neto do fundador
e integrante mais jovem da família que controla vários negócios entre eles o
jornal, é enviado de Atlanta a Roma com a missão de reerguer e manter a
publicação. Ele, porém, esbarra na falta de recursos, na falta de vocação e se
perde no amor por seu cachorro. O livro nas suas 380 páginas retrata também a
vida europeia contemporânea e, em fragmentos, os principais acontecimentos
vividos pelo continente desde os anos 1950 até meados da primeira década do
século 21.
Devido à reformulação por que passa toda a imprensa
atual, o livro torna-se tanto mais interessante. Muitos jornais mundo afora
desapareceram ou tendem a desaparecer, mantendo apenas exíguas versões
digitais, como ocorreu com o Jornal do Brasil. É interessante perceber que
muitas dessas publicações são apenas a ponta de lança de grandes grupos empresariais,
situação que não torna melhor o jornal nem possibilita sua permanência caso ele
não se mostre lucrativo.
Outro fato que também pode ser discutido a partir da
leitura deste livro é a liberdade de imprensa. Como sua existência seria
possível se os principais anunciantes são, na maioria das vezes, empresas cujo
principal objetivo é o lucro rápido e fácil, deixando de lado questões como o
meio ambiente, a qualidade de vida e os direitos humanos?
O livro Os
imperfeccionistas, no entanto, não se prende a essas questões nem se
preocupa em defender causa alguma. Num mundo que já não prima pela verdade, a trajetória
de um jornal e a vida dos personagens que o produzem são seu foco principal.
Os
imperfeccionistas
Tom Rachman – tradução de Flávia Carneiro
Anderson
Ed. Record – 380 páginas
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