– Doutor, tem uma
moça aí querendo falar com o senhor.
– Que moça?
– Aquela – disse
apontando para o fundo do bar –, que está perto do banheiro feminino.
O mercadão de
Madureira começava o dia de terça-feira sem muito movimento. O local, que é
visitado por todo tipo de gente e serve principalmente a quem procura
mercadorias baratas, possui em seus pequenos boxes e lojas comércio bastante
variado. Ali, vendem-se diversas bugigangas: material para festas, material de
papelaria, artigos de armarinho, artigos religiosos, de cabeleireiro, flores,
balas e doces (estes procurados por ambulantes que trabalham nas ruas e nos
transportes coletivos), ferragens, pequenos animais, rações entre outras;
ultimamente, já há até mesmo a presença de lan houses. Nas horas de movimento,
lanchonetes e bares servem de refúgio àqueles que precisam de alguns minutos de
descanso, desejam matar a fome ou saciar a sede através de um copo de
refrigerante ou mesmo de uma cerveja.
Num desses bares, a
presença de Arlindo, ou Doutor, como é mais conhecido, é diária. Sua mesa é
forrada com uma toalha especial, toda quadriculada, e vez ou outra ele seca o
suor da testa por meio de um guardanapo de pano, que, no local, é também
exclusividade dele. Este senhor, um tanto gordo e vestido de terno de linho
branco, controla o jogo no local. Dizem que a toalha quadriculada é para
debochar dos policiais, já que estivera preso inúmeras vezes mas sempre se
saíra bem, tornando-se cada vez mais próspero.
– Diga a ela que é
pra vir aqui.
O empregado fez um
leve movimento com a cabeça e se retirou. Instantes depois, a moça se
aproximou.
– Bom dia – disse
entre tímida e enigmática.
– Bom dia, sente-se,
tenha a bondade.
– Obrigada.
– Está servida? –
perguntou enquanto enchia meio copo, com água mineral.
– Não, não, obrigada
– agradeceu mais uma vez.
– Em que posso lhe
ser útil?
– Gostaria de pedir
um favor ao senhor.
Arlindo assentiu num
gesto largo e bonachão; repousou o copo sobre o mesmo lugar onde estivera e a
mirou por cima dos óculos de leitura, que ele raramente retirava.
– Qual a sua graça?
– Lindimar.
– Lindimar, bonito
nome. Lembra-me das vezes em que trabalhei em Niterói.
– Uma amiga
indicou-me o senhor.
– A mim? – pareceu
surpreso.
– Sim. Diz que o
senhor é muito afetuoso e, cá entre nós, não resiste às mulheres bonitas.
Arlindo desfez a
posse e se pôs a rir, alisou de modo automático um pequeno trecho do forro da
mesa e a olhou de novo, voltando à seriedade anterior.
– Está calor, peça
alguma coisa – dirigiu-se a ela como que para quebrar o constrangimento.
– Não, não desejo
nada, obrigada.
– Então me fale, vai,
qual é o favor que desejas de mim?
– Uma pulseira de
ouro.
Doutor, que já
passara por quase tudo na vida, não achou surpreendente o pedido. Ainda repetiu
as duas últimas palavras da moça, só que em forma de pergunta:
– De ouro?
Ela meneou a cabeça
afirmativamente e se fez de encabulada.
– Já que seu pedido é
irrecusável, fechamos o negócio.
Sinalizou
ao garçom e pediu mais uma garrafa de água.
***
A Estrada do Portela
é avenida de tráfego intenso a qualquer hora do dia. O viaduto, que atravessa a
linha férrea, tem como cenário quase permanente ônibus e automóveis, o que
intensifica a paisagem urbana de modo irremediável. Imagine-se o local às duas
horas da tarde, num dia de verão.
O dia era o seguinte ao encontro no bar do mercadão. Arlindo e Lindimar atravessaram pela passarela. De cima, puderam observar o fluxo de pessoas nas ruas principais e na própria estação de trens. Ao desceram no lado oposto, caminharam durante alguns minutos pela calçada estreita. Fazia muito calor. Doutor não abandonava o lenço branco, que trazia em uma das mãos; vez ou outro o usava para secar o suor. Seguiram por uma rua secundária, acompanharam o casario antigo e depois entraram num velho sobrado. No segundo andar, havia uma tabuleta: Jóias – ouro e prata – Irmãos Xavier.
O homem de terno de linho branco cumprimentou um rapaz, o único funcionário do local. Ao reparar o ilustre visitante, pediu que aguardasse e desabou numa assustada correria em busca de um dos sócios da loja. Alguns minutos depois, entrava Seu Moysés, um senhor de mais ou menos sessenta anos, corpo magro, cabelos brancos, óculos estreitos. Procurava sempre demonstrar muito interesse sobre tudo que vendia; agia como se cada objeto fosse verdadeira relíquia.
– Doutor, que grande
prazer tê-lo aqui, quanto tempo! O senhor não vai ficar de pé, aí, entre,
sente-se, aqui atrás do biombo há uma poltrona confortável, tenha a bondade.
– Não, obrigado.
Agradeço a gentileza. Estou com pressa. Peço que atenda a moça. É gente minha.
Ela quer uma pulseira. De ouro, seu Moysés, de ouro.
– Oh, claro, pode
deixar, será um grande prazer tê-la como cliente.
Arlindo cumprimentou-o apenas com um breve gesto, depois sorriu para Lindimar e disse:
– Procure-me guando
tiver tempo.
Ela agradeceu com
ligeiro sorriso.
Depois, Arlindo
desceu a escada, seus passos eram firmes e compassados;
esfregava o rosto com
o pequeno lenço.
***
Alguns dias depois,
recebeu de novo a visita de Lindimar.
– E, então, gostou da
pulseira? – perguntou como que surpreso.
– É linda! Adorei.
Vim pra mostrar a você.
– Oh, que beleza! –
exclamou enquanto tomava nas mãos o braço da moça –, é realmente maravilhosa.
– Também vim até aqui
para agradecer.
– Não há de quê.
Sempre que desejar alguma coisa e isto estiver a meu alcance, pode contar
comigo.
Lindimar parecia
querer dizer algo mais, mas não se sentia à vontade. Depois ensaiou algumas
palavras.
– Sabe o que é? Vim
lhe fazer outro pedido.
– Outro? Tenha a
bondade...
– Quero que compareça
a uma festa que vou dar lá em casa.
– Oh, queira me
desculpar, mas não sou homem de festas.
– Será algo bastante
simples e reservado.
– Olha, sabe o que
acontece?, as pessoas me aborrecem, todos me conhecem, sempre querem algum
favor.
– Ninguém lhe pedirá
coisa alguma, garanto. E a festa será bastante íntima.
– Íntima?
– Isso, íntima!
– Então, é de se
pensar, é de se pensar...
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