A potencialização da audiência e a celebração da imagem
Ao observarmos as celebridades do momento chegamos à conclusão de que elas só existem, na maioria das vezes, por causa daquilo que costumamos chamar de instrumentos de reprodução da cultura de massa.
É importante uma breve viagem pela História para entendermos como sempre ocorreu, ao longo do tempo, a divulgação e a manutenção das ideias que regeram e ainda regem o comportamento dos seres humanos.
Da Antiguidade até a Idade Média foram as religiões que fizeram
esse trabalho. Os oráculos, ou os sacerdotes, tinham a função de divulgar a
existência, a moral e a vontade dos deuses. Quando ainda não havia nenhum tipo
de meios de comunicação, a voz daqueles que se incumbiam dos templos era o instrumento
que formava a base de pensamento de cada povo. Na Grécia, escapando um pouco a
esse costume, a discussão em academias e mesmo nas praças públicas fez
determinadas ideias avançarem devido à ação de homens não religiosos. Assim
surgiram os primeiros filósofos. O saber que transmitiam
era de outra ordem e muitas vezes contrariava o que diziam os sacerdotes. A
escrita foi o primeiro meio de comunicação para todo esse pessoal, uma espécie
de modo de perpetuação do que tentavam transmitir. Mesmo com a maioria da
população pouco letrada, a escrita fez as ideias desses pensadores sobreviverem.
O Império Romano, tendo a religião como estofo, expandiu
duas ciências distintas, a militar e o direito; por muitas
vezes paradoxais em suas atuações. Ambas tiveram força de persuasão e de
convencimento, muitas vezes fazendo crer que o Império era justo. É bom lembrar
que o direito tem certo sabor de religião, porque as primeiras leis foram
baseadas em códigos consuetudinários, na verdade oriundos das crenças.
Na Idade Média a Igreja Católica tornou-se a grande mídia,
e teve forte poder de convencimento. Além de se arvorar como representante de Deus na Terra, tinha o poder de
vida e de morte, principalmente sobre aqueles que a contestavam. Mas, em dias de
paz, o púlpito das igrejas era o que formava a ideologia. Os padres, sempre bons
oradores, deram embasamento teórico às ações dos homens, mesmo que muitas delas
escapassem ao que pregou Cristo: o perdão.
Com a invenção da imprensa e a perspectiva de
reprodutibilidade das ideias, começou-se, ainda que de modo suave, a se
anunciar o que estava por vir. As publicações, ao colocar em evidência seus
autores, passaram a lhes proporcionar fama e respeito. Com a invenção da
máquina a vapor, equipando as gráficas com velocidade antes impensada, os
homens de letras viveram sua época de ouro.
A fotografia, ao ser criada, já possuía todo o aparato para
lhe servir de suporte e catapultar o que anunciava de mais precioso: a
reprodução da imagem, enfim, a publicidade. A perspectiva dessa reprodução em
escala industrial constituiria, pouco a pouco, toda uma mitologia que superaria
até mesmo as da Antiguidade, incluindo aí os deuses do Olimpo.
Quando Walter Benjamin discutiu as perspectiva de
reprodutibilidade da arte a partir da fotografia, os integrantes do Nacional
Socialismo, na Alemanha, já sabiam o que fazer com isso, só que não foi bem a
arte que eles reproduziram. O filósofo, que morreu em terra estrangeira, viu na
fotografia o meio de as obras de artes tornarem-se acessíveis a todas as
pessoas. Claro que essas obras perderiam algo de essencial – que ele nomeou de
aura –, mas estariam próximas aos trabalhadores, às pessoas do povo. Assim, todos
poderiam usufruir dos bens culturais da humanidade.
Theodor Adorno já vai por outra via. A partir da análise do
cinema americano de meados do século 20, observa que a indústria cultural não serviria para lhes alavancar a vida
numa perspectiva de libertação do poder do capital, mas causaria o deslumbre em
seus espíritos. As pessoas que manipulariam esses equipamentos de transmissão
da cultura passariam a ter intenso poder sobre as massas, poder esse até mesmo
capaz de manipular os desejos das pessoas.
Com o advento primeiro do rádio e depois da TV, a
ideologia dominante teve a sua atuação potencializada. E é bom ressaltar,
passou a funcionar com uma espécie de força inercial incapaz de
encontrar quem lhe opusesse resistência.
Essa reflexão me veio à mente em meio às observações de como
surgem as “celebridades” na vida contemporânea. O futebol é um bom exemplo. No
começo era um esporte amador (jogava-se por amor), depois se tornou
extremamente lucrativo, propiciando a muitos atletas mais fama do que a cientistas e homens de estado. O mesmo aconteceu em relação a outros esportes. A
razão disso é a seguinte: com a entrada em cena das mídias eletrônicas, os
atletas transformaram-se em potenciais vendedores, estando presentes em todos
os lugares, a todo momento. Quando não vendem diretamente produtos, vendem
audiência.
Não escapam a esse círculo o mundo artístico nem as
celebridades de ocasião, como as reveladas até mesmo em incidentes inesperados,
como uma eventual perseguição social ou racial, ou sobreviventes de
desastres, como aconteceu recentemente numa mina no Chile.
Quando teremos um mundo justo, com as pessoas (e/ou os conceitos)
em seus devidos lugares, um mundo em que os mais esforçados e criativos (“para o
bem da humanidade”) sejam os mais valorizados e até os melhores remunerados?
Para o futuro próximo, não existe essa chance. A reprodutibilidade da imagem levada às últimas consequências é de uma força quase
fascista. Só que o Fascismo foi, até certo ponto, contido. Aqui, ao contrário,
a perspectiva mostra-se avassaladora.
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