sexta-feira, junho 07, 2013

O ocidente e o Islã


Edward Said mostra em “Orientalismo” as raízes do conflito

“Harry Magdoff descreveu como ‘globalização’ um sistema pelo qual uma pequena elite financeira expandiu seu poder sobre o globo, inflando os preços das mercadorias e dos serviços, redistribuindo a riqueza dos setores de menor renda (em geral no mundo não ocidental) para os de maior renda”.
Essa citação aparece no posfácio da edição de 1995 de “Orientalismo – O Oriente como invenção do ocidente”, de Edward Said (1935-2003), livro que acabou tornando-se um clássico ao abordar as distorções do Ocidente nos estudos sobre o Oriente, principalmente sobre o Islã. As palavras de Magdoff são úteis para reafirmar a tese de Said. Segundo este, o que as pesquisas acadêmicas mais fizeram desde o início da era moderna foi construir uma visão deformada do Oriente, o que correspondia plenamente às intenções dos impérios europeus, que visavam subjugar e explorar a região.
Said nasceu em Jerusalém, filho de árabes cristãos, foi educado no Cairo e em Nova York, onde depois lecionou literatura na Universidade de Colúmbia. Na verdade, o autor diz jamais ter ensinado “coisa alguma sobre o Oriente Médio”, foi professor de Humanidades, principalmente europeias e americanas, e especialista em literatura comparada. Baseando-se nesses estudos escreveu, entre muitos outros livros importantes, “Orientalismo”.
No livro, Said faz uma pesquisa de tudo o que se escreveu sobre o Oriente, tanto sob a perspectiva pretensamente científica como literária, não deixando de fora o enfoque do islamismo a partir do ponto de vista de especialistas ocidentais. O estudo aponta o Oriente admirado em primeiro lugar como lugar exótico e romântico pelos europeus, para logo em seguida ser visto como área de interesses econômicos e políticos por parte dos países ocidentais. O autor demonstra também por que o povo judeu, tão pouco diferente dos povos árabes, foi vítima de outro tipo de discriminação.
O livro é dividido em três partes. A primeira trata do “alcance do orientalismo”; a segunda chama-se “Estruturas e Reestruturas orientalistas”; e a terceira, “O orientalismo hoje”.
Na primeira, o autor conceitua o que se costumou chamar de orientalismo, remontando à Idade Média para depois se fixar no século 19, período em que essas pesquisas se consolidam. Na segunda parte trata das políticas empreendidas pelos impérios ocidentais, como o britânico e o francês, sobre o Oriente. Na última, como o próprio nome revela, aborda como o conhecimento aprofundado do Oriente gerou políticas de dominação da parte dos países ocidentais, sobretudo a partir de meados do século 20 através dos Estados Unidos.
O que Said anuncia, no entanto, é que os estudiosos ocidentais sempre se consideraram civilizados, enquanto viam o Oriente como objeto de civilização. Na construção dessa área de saber, chamada orientalismo, não falta uma quantidade enorme de preconceitos, o que leva o leitor ocidental a uma visão depreciativa desse grande outro, o Oriente.
Na segunda parte, sobretudo, o autor aprecia a quantidade de projetos que visavam à dominação ocidental sobre os povos do Oriente Médio, e relata a expedição de Napoleão ao Egito no início do século 19, quando o país foi conquistado pela França. Napoleão preparou e concretizou a investida levando à frente uma quantidade enorme de intelectuais preparados para convencer os nativos sobre o caráter promissor da presença francesa na região. Rebeliões e levantes que se seguiram mostraram o caráter falacioso do argumento.
Ainda no posfácio há um embate entre Said e Bernard Lewis. Analisando as críticas tanto positivas quanto negativas direcionadas ao seu livro à época do aparecimento da primeira edição em inglês, Said rebate Lewis, que considerou limitada a perspectiva do autor palestino. Bernard, também autor de diversas obras sobre o Oriente, deseja a pesquisa orientalista sob a mesma perspectiva de estudo do helenismo clássico. Said, porém, sustenta que o helenismo clássico pertence a um mundo que já não existe, enquanto o mesmo não pode ser dito a respeito do orientalismo, vide os estudos sobre o Islã e sobre todo o Oriente sendo utilizados pelo Departamento de Estado norte-americano com fins de hegemonia econômica, política e militar na região. Portanto, exigir o caráter apolítico em tal tipo de pesquisa seria negar a contemporaneidade.
A morte de Edward Said em 2003 (período em que se acirrou o conflito Ocidente/Islã devido ao atentado ao WTC e ao consequente início das guerras do Afeganistão e do Iraque), foi uma grande perda para todos, porque ele era o melhor interlocutor intelectual entre essas duas culturas, que, por causa de grupos minoritários (tanto de um lado como de outro), encontram-se num conflito quase irremediável.
“Orientalismo – o Oriente como invenção do Ocidente”
Edward Said, tradução de Rosaura Eichenberg
Companhia das Letras, 523 páginas